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setembro #16

V.2 n.7 2017

REBATE À CRÍTICA ÉDIPO REI - O REI DOS BOBOS

Por Denis Camargo

A crítica de Leonardo Shamah relembrou-me de uma série de coisas das quais tive que abdicar e reaprender na vida, tanto no campo profissional quanto no pessoal, para tentar salvar o pouco que restou daquele ser “ingênuo” que foi massacrado pela sociedade. Sociedade esta que exigiu que eu fosse perfeito e vencedor, e que também convenceu-me de que, se eu fracassasse, eu deveria ser o meu próprio inquisidor e carrasco. A investigação e o trabalho com a palhaçaria trouxeram-me a outra face, a face do ser excluído que existia dentro de mim, de um ser nada perfeito, ingênuo, próximo do fracasso e, um tanto quanto, perdedor. Um ser que adorava e ainda adora viver mais no “aqui e agora” do que preocupado e planejando o futuro incerto.

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Sim, atualmente, estou convencido de que os palhaços são para os adultos e não para as crianças, como costumeiramente ouvimos as pessoas nos alertarem sobre o contrário. As crianças conseguem por si próprias desenvolver estratégias de sobrevivência e diversão porque não possuem uma consciência ampliada sobre sistema conceitual do mundo e suas implicações. Por isso, somos nós, os adultos, que mais precisamos dos palhaços porque não conseguimos mais ter esse olhar de uma criança ingênua sobre o mundo. Já não nos divertimos mais diante de tanta hipocrisia, violência, desamparo social, crise política, religiosa e uma infinidade de problemas que nos rondam desde o acordar ao adormecer, momento em que o nosso corpo encontra-se exaurido e doloroso. Por isso, surgiu essa pesquisa na arte da palhaçaria, e a escolha de se trabalhar com a obra Édipo Rei de Sófocles não foi acidental.

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Se o espectador pudesse realizar uma viagem no tempo e espaço para compreender as grandes diferenças existentes numa sociedade grega antiga em relação à nossa sociedade atual, talvez só esse impacto fosse suficiente para deixá-lo transtornado e mortificado durante muito tempo. Na Grécia Antiga, as pessoas viviam os mitos no seu dia a dia, cultivavam o pensamento de coletividade e não o de individualidade como nos tempos de hoje. E por ser uma sociedade pagã: respeitavam diversas divindades, seres mágicos e monstros. Por mais que algum cidadão, de alguma região da Grécia Antiga, não louvasse algum deus, ele jamais o desrespeitaria ou destruiria algum altar sagrado como acontece nos dias de hoje.

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Outro tema abordado, em Édipo Rei – o rei dos Bobos, é o da violência porque Édipo Rei é um tirano. Martin Esslin[1] diz que a violência no teatro deve ser vista como um local onde existe uma espécie de sacrifício humano e isso não está vinculado apenas à tragédia mas, insere-se

aí a comédia porque, segundo ele, “o público ri da desgraça dos outros e, na tragédia, chora-se por sua causa”. Por outro lado, a teoria da superioridade diz existe a violência dos espectadores contra os personagens que estão no espaço da cena. O que Esslin relata como: “Isso pode parecer estranho, mas é o caso em toda comédia ou farsa. Você ri por um sentimento de superioridade, você sente prazer com as desgraças de outros, mesmo numa farsa em que alguém escorrega numa casca de banana. Aqui, acho que o riso é de fato uma expressão de violência provocada na plateia contra os personagens.” (ESSLIN, 1979, pág. 6).

 

Édipo não é apenas um tirano, ele também é vítima de erros de seu passado incógnito. Não sabe que é filho adotivo e quando é alertado sobre o seu futuro pelo oráculo do deus Apolo, decide proteger a sua família e se exilar num mundo onde ninguém e nem os deuses o reconheceriam. E é aí que se localiza a dialética do seu destino trágico: ao fugir daqueles que ama, ele vai ao encontro de sua verdadeira origem – sem saber – inicia-se o processo de exposição de sua cegueira. Aquele que tudo sabe e domina, é o que menos sabe e tem controle sobre os próprios atos. Nesse ponto, Freud equivoca-se ao colocá-lo como base de sua teoria do desejo reprimido. Édipo mata o pai e casa-se com a própria mãe sem conhecimento do fato, e isso a obra de Sófocles deixa claro para o leitor ou espectador.

 

Em Édipo Rei – o rei dos Bobos, decidi expor outras variantes do mito: a relação de Laio por Crísipo, a inserção da figura mítica do Minotauro que na dupla Branco e Augusto fiou Mino e Tauro, a figura dionísica em Creonte, o sincretismo religioso em Tirésias e a carnavalização brasileira em relação às festas dionisíacas.

 

Rebatendo as críticas técnicas de Leonardo Shamah sobre “investimento maior na qualidade do equipamento de som, na preparação vocal e musical do elenco”,  isso é fato ciente no nosso coletivo. São sete atores e atrizes-palhaças no Coro-Bufão e nem todos possuem formação técnica em canto. O Parque da Cidade e o próprio projeto não têm capacidade independente de produzir a sua própria fonte de energia para as caixas e mesa de som e iluminação. Contudo, o espetáculo Édipo Rei – o rei dos Bobos foi planejado para ser executado à noite e a céu aberto. Com isso, tivemos que driblar toda série de problemas que isso acarretaria: resolver o problema da projeção vocal com aluguel ou compra de microfones auriculares, instalar uma fonte de energia segura ou comprar um gerador potente que desse conta de todo o material amplificado (caixa e mesa de som) e a ilumina-

- ção. Isso sem contar com um tempo razoável de preparação vocal e ensaios com tanta gente reunida. Tudo isso gera custos, planejamento e dedicação, o que vai de encontro com o panorama atual das artes da cena que expõe cada vez mais uma economia de atores, de encenações e de custos.

 

Percebe-se, por meio das atuais encenações e dos grandes festivais, a realização de projetos cênicos de baixo custo: solos, sem cenografias, prioridades pelas caixas cênicas e o uso de todos os seus recursos técnicos pré-existentes. A rua, os lugares ermos ou a presença de muitos atores em cena estão ficando cada vez mais esquecidos ou abandonados. Édipo Rei – o rei dos Bobos não aborda tão somente as questões da obra original, é um ato de resistência e de resiliência de artistas que trabalham em grupo.

 

A sua apresentação durante o dia seria sim uma boa oportunidade para diminuir alguns problemas, contudo, perderia a magia que a noite por si só abarca. É à noite que sonhamos, que divagamos com maior facilidade e é ela que obscurece a clareza da crueldade da nossa realidade. Além disso, representaria uma perda considerável na estética cênica, teria que adaptá-la e também traria perdas para o imaginário do espectador.

 

Para finalizar, o risco do fracasso nos perseguiu e ainda persegue diariamente, porém, estamos cientes de que ele faz parte do nosso trabalho e estamos firmes, como guerreiros, prontos para enfrentá-lo. Tem dia que perdemos a batalha, outros dias conseguimos empatar a luta, e essa luta não se encontra apenas na estrutura técnica do espetáculo. É uma luta de uma classe de artistas que, apesar da situação atual, não desiste de trabalhar e de acreditar que a humanidade ainda precisa do nosso trabalho. A ausência de patrocínios ou de apoios, seja ele público ou privado, eleva o o nosso grau de dificuldade de se trabalhar com a arte da cena, isso é fato. Porém, Édipo Rei – o rei dos Bobos traz em si diversas críticas sociais, políticas e religiosas sendo que uma das mais contundentes, é a de que a arte da palhaçaria precisa ser vista e defendida não apenas pelo ponto de vista acadêmico e sim, pelos próprios palhaços que ainda estão trabalhando sozinhos e se sentindo isolados e esquecidos.

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[1] ESSLIN, Martin – A violência no teatro – revista Tablado nº 47. Rio de Janeiro, 1970.

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