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CRÍTICA ÉDIPO REI - O REI DOS BOBOS
REVERBERA Thiago Cohen
Crítica - SETE VOLTAS COM O BALÉ JOVEM DE SALVADOR
CRÍTICA DA CRÍTICA -A RAZÃO DA CRÍTICA PURA DE BAR
ENCONTRO com Thiago Ribeiro
A DECLARAR NADA
SELFIE - DESCONCERTADA
TRETA - ANA DE FERRO - DA PROVÍNCIA AO CAOS, DO CAOS À LAMA

setembro #16

V.2 n.7 2017

Sete voltas com o Balé Jovem de Salvador, por Igor de Albuquerque

EDITORIAL

O espetáculo "Suddenly" - dirigido por Jaiotz Osa e apresentado em Donostia/San Sebastian (País Basco) - foi o ponto de partida da crítica-corpo audiovisual produzida por Thiago Cohen. Participação de Violeta Wulff (dançarina) e Thiago Luiz (filmagem e edição).

Laís Machado encontra a performer Ana Dumas

Édipo Rei - O rei dos bobos, por Leonardo Shamah

A razão da crítica pura de bar, por Daniel Guerra

Laís Machado encontra Ana Dumas

A declarar nada , por Paulo Raviere

Desconcertada, por Bárbara Pessoa

Tiago Cohen reverbera o espetáculo Suddely

Ana de Ferro - Da província ao caos, do caos à lama, por Agueda Tavares

Foto de Felipe Sabino

Por Leonardo Shama

ÉDIPO REI - O REI DOS BOBOS

A divulgação do espetáculo já nos alerta sobre sua principal característica em um subtítulo que diz “espetáculo de palhaço para adultos”. Talvez entre nós, artistas e público frequentador de Teatro , isso seja lido de forma cotidiana, mas o grande público pode ter na memória a imagem do palhaço como uma arte para crianças, talvez  até como uma arte menor. Essa ideia se institui a partir do momento que não conseguimos vislumbrar a possibilidade de palhaços a tratar  de assuntos sérios ou difíceis.

Édipo Rei – o rei dos Bobos  é um trabalho que marca com incisão o panorama brasiliense de Artes Cênicas ao remontar a clássica tragédia grega, de Sófocles, de título homônimo com subtítulo irônico, neste caso. O projeto é decorrente da pesquisa de doutorado do PPG – Arte, IdA UnB: O espaço da Palhaçaria no gênero Trágico: Aplicações de procedimentos  Cômicos na Obra Édipo Rei e Suas Implicações no trabalho do ator-palhaço , do diretor e protagonista da obra, artista cênico e palhaço Denis Camargo.

 

Essa obra tem uma notável  popularidade, sendo um grande destaque entre as  tragédias gregas dadas as inúmeras montagens e adaptações da obra ou do mito e da teoria psicanalítica de Freud, nomeada por Complexo de Édipo, que aborda as relações entre mães e filhos. Apesar desse ser um tema protuberante da obra original, aqui na versão onde Édipo é o rei dos Bobos, esse ponto é apenas mais um, o que denota a  necessidade de atualizar os clássicos nas remontagens de hoje.

Denis Camargo  lança um olhar crítico sobre a obra e as  questões políticas próprias do texto colocando em foco a infelicidade  do povo, suas queixas e as tramas para efetivação do poder político. Édipo, como uma promessa de dias melhores, no primeiro momento do espetáculo injeta ânimo, expectativas de melhoras e oportunidades de crescimento num diálogo público com o Coro. Nesta montagem o Coro é composto por figuras bufônicas com deformidades e amputações na caracterização e com aspecto anti-higiênico e caótico no figurino. Assim o retrato da vastidão de carências e precariedades que sofre o povo é pontuado, o que pode salientar os questionamentos sobre legitimidade da população na instância política. 

 

Em seguida, o espetáculo se dedica à apresentação da personagem que reúne todos os traços da aristocracia ,  Creonte, que aparece aqui como um fanfarrão desses  que nos governam, na praia do Brasil, não por que os

Nesta montagem de Édipo Rei o público conversa, explica as cenas, divide as piadas, ri junto e comenta em seguida como num diálogo real que pode ser teatro, o teatro popular e de rua, e nesse caso, um clássico. Um clássico que se constrói diante dos olhos do espectador sem as codificações de um espaço encerrado e elitizado que supõe algum tipo de sofisticação para entrar em contato com um texto como esse

elegemos, mas por que eles tem “história”, trajetória e consequentemente poder. Numa verdadeira festa que cola um hit de axé parodiado no outro , esse Creonte trazido no reino dos Bobos pelo ator e palhaço Hugo Leonardo é o retrato fiel de uma hipocrisia que tentamos equilibrar sobre as nossas cabeças mesmo que a louça quatrocentona de nossos ancestrais portugueses já esteja toda destruída no chão ou se dilacerando durante o uso. Num clima de muita animação , Creonte nos entretém e começa a remontar o passado de Édipo com suas questões sobre a morte do rei Laio, o que cria suspense e se interrompe com mais um hit dissidente parodiado de uma outra década opressiva no Brasil.

 

Então chega Jocasta , aqui uma  rainha desbocada, ébria e com uma vida sexual hiperativa. Sem medo da crítica feminista a atriz Simone Marcelo, desmonta a pompa da personagem e cria uma mulher dada aos prazeres da carne, ao mesmo tempo frustrada em sua trajetória e opressora do marido-filho e do povo.

O rei dos Bobos não é bobo nem nada e vai desvendando a sua própria história, seu destino trágico e infeliz de ser o líder que era promissor, mas se torna uma bruta frustração . E é aqui que se concentra o ponto mais importante desse espetáculo em diálogo com a atualidade. Estamos falando das incapacidades do Coro  (povo) de reagir aos desmandos e atitudes assustadoras dos políticos.  E isso se acontece agora. Estamos falando das intolerâncias e dos interesses particulares que o Coro (povo) demonstra durante a peça. E isso acontece agora. Estamos falando da inabilidade de se desfazer das urgências e imediatismos para pensar sobre o futuro que se quer viver. E isso acontece agora, na peça e nas nossas vidas. Como no espetáculo, os brasileiros estão num momento de baixa autoestima. Estamos sem forças, razões e sensibilidades para ir às ruas reivindicar nossas necessidades, envergonhados dos nossos governantes, a assistir a gestão pública de um país como quem assiste um melodrama barato no horário nobre da TV. Sermos  feitos de bobos é a função que mais temos desempenhado no último ano como cidadãos brasileiros, em especial nos últimos meses. A frustração que estamos a carregar nesse momento histórico do Brasil é insuperável, talvez – queiramos que não.

Nesta montagem de Édipo Rei o público conversa, explica as cenas, divide as piadas, ri junto e comenta em seguida como num diálogo  real que pode ser teatro, o teatro popular e de rua, e nesse caso, um clássico. Um clássico que se constrói diante dos olhos do espectador sem

as codificações de um espaço encerrado e elitizado que supõe algum tipo de sofisticação para entrar em contato com um texto como esse.

Como sugestão para um espetáculo tão potente, empático e divertido – e muito político - deixo aqui o registro da fragilidade no acabamento da

direção geral. Sugiro investimento maior na qualidade do equipamento de som, na preparação vocal e musical do elenco. O espetáculo acontecer sob a luz solar pode revelar a potência de encontrar o povo na rua e romper a necessidade de uma iluminação cênica, o que em casos de baixo orçamento, como apontam os da(r)dos lançados contra os artistas pela situação econômica e política, é uma sábia solução. Além disso, estavam muito explícitas as vulnerabilidades no acabamento da direção de atores e de cena, no que tange a movimentação excessiva que desvia a atenção, dispersa o olhar da plateia e desgasta fisicamente o artista, além de não colaborar dramaturgicamente para a trama. Ainda sobre a direção de movimento um ponto preciso é o diálogo com a música. Em diversas cenas a desafinação não é apenas vocal, mas também física. A música aponta uma possibilidade de movimento e apenas parte do elenco se propõe ao investimento harmônico entre os dois elementos. Édipo Rei – o rei dos Bobos é um trabalho especial dada a variedade física e profissional desse elenco tão grande e tão raro nesses tempos recessivos. Além dos três citados anteriormente também salta aos olhos as atuações de Lupe Leal, irreconhecível como Tirésias; Deni Moreira, como o Mensageiro; e a dupla Mino e Tauro, por José de Campos e Luiz Alfredo Vanini.

Sem mais, fica um desejo de futuros longínquos para esse trabalho que emociona e aproxima o povo do Teatro. E vice-versa.
 

REBATE À CRÍTICA ÉDIPO REI - O REI DOS BOBOS

Por Denis Camargo

A crítica de Leonardo Shamah relembrou-me de uma série de coisas das quais tive que abdicar e reaprender na vida, tanto no campo profissional quanto no pessoal, para tentar salvar o pouco que restou daquele ser “ingênuo” que foi massacrado pela sociedade. Sociedade esta que exigiu que eu fosse perfeito e vencedor, e que também convenceu-me de que, se eu fracassasse, eu deveria ser o meu próprio inquisidor e carrasco. A investigação e o trabalho com a palhaçaria trouxeram-me a outra face, a face do ser excluído que existia dentro de mim, de um ser nada perfeito, ingênuo, próximo do fracasso e, um tanto quanto, perdedor. Um ser que adorava e ainda adora viver mais no “aqui e agora” do que preocupado e planejando o futuro incerto.

Sim, atualmente, estou convencido de que os palhaços são para os adultos e não para as crianças, como costumeiramente ouvimos as pessoas nos alertarem sobre o contrário. As crianças conseguem por si próprias desenvolver estratégias de sobrevivência e diversão porque não possuem uma consciência ampliada sobre sistema conceitual do mundo e suas implicações. Por isso, somos nós, os adultos, que mais precisamos dos palhaços porque não conseguimos mais ter esse olhar de uma criança ingênua sobre o mundo. Já não nos divertimos mais diante de tanta hipocrisia, violência, desamparo social, crise política, religiosa e uma infinidade de problemas que nos rondam desde o acordar ao adormecer, momento em que o nosso corpo encontra-se exaurido e doloroso. Por isso, surgiu essa pesquisa na arte da palhaçaria, e a escolha de se trabalhar com a obra Édipo Rei de Sófocles não foi acidental.

Se o espectador pudesse realizar uma viagem no tempo e espaço para compreender as grandes diferenças existentes numa sociedade grega antiga em relação à nossa sociedade atual, talvez só esse impacto fosse suficiente para deixá-lo transtornado e mortificado durante muito tempo. Na Grécia Antiga, as pessoas viviam os mitos no seu dia a dia, cultivavam o pensamento de coletividade e não o de individualidade como nos tempos de hoje. E por ser uma sociedade pagã: respeitavam diversas divindades, seres mágicos e monstros. Por mais que algum cidadão, de alguma região da Grécia Antiga, não louvasse algum deus, ele jamais o desrespeitaria ou destruiria algum altar sagrado como acontece nos dias de hoje.

Outro tema abordado, em Édipo Rei – o rei dos Bobos, é o da violência porque Édipo Rei é um tirano. Martin Esslin[1] diz que a violência no teatro deve ser vista como um local onde existe uma espécie de sacrifício humano e isso não está vinculado apenas à tragédia mas, insere-se

aí a comédia porque, segundo ele, “o público ri da desgraça dos outros e, na tragédia, chora-se por sua causa”. Por outro lado, a teoria da superioridade diz existe a violência dos espectadores contra os personagens que estão no espaço da cena. O que Esslin relata como: “Isso pode parecer estranho, mas é o caso em toda comédia ou farsa. Você ri por um sentimento de superioridade, você sente prazer com as desgraças de outros, mesmo numa farsa em que alguém escorrega numa casca de banana. Aqui, acho que o riso é de fato uma expressão de violência provocada na plateia contra os personagens.” (ESSLIN, 1979, pág. 6).

 

Édipo não é apenas um tirano, ele também é vítima de erros de seu passado incógnito. Não sabe que é filho adotivo e quando é alertado sobre o seu futuro pelo oráculo do deus Apolo, decide proteger a sua família e se exilar num mundo onde ninguém e nem os deuses o reconheceriam. E é aí que se localiza a dialética do seu destino trágico: ao fugir daqueles que ama, ele vai ao encontro de sua verdadeira origem – sem saber – inicia-se o processo de exposição de sua cegueira. Aquele que tudo sabe e domina, é o que menos sabe e tem controle sobre os próprios atos. Nesse ponto, Freud equivoca-se ao colocá-lo como base de sua teoria do desejo reprimido. Édipo mata o pai e casa-se com a própria mãe sem conhecimento do fato, e isso a obra de Sófocles deixa claro para o leitor ou espectador.

 

Em Édipo Rei – o rei dos Bobos, decidi expor outras variantes do mito: a relação de Laio por Crísipo, a inserção da figura mítica do Minotauro que na dupla Branco e Augusto fiou Mino e Tauro, a figura dionísica em Creonte, o sincretismo religioso em Tirésias e a carnavalização brasileira em relação às festas dionisíacas.

 

Rebatendo as críticas técnicas de Leonardo Shamah sobre “investimento maior na qualidade do equipamento de som, na preparação vocal e musical do elenco”,  isso é fato ciente no nosso coletivo. São sete atores e atrizes-palhaças no Coro-Bufão e nem todos possuem formação técnica em canto. O Parque da Cidade e o próprio projeto não têm capacidade independente de produzir a sua própria fonte de energia para as caixas e mesa de som e iluminação. Contudo, o espetáculo Édipo Rei – o rei dos Bobos foi planejado para ser executado à noite e a céu aberto. Com isso, tivemos que driblar toda série de problemas que isso acarretaria: resolver o problema da projeção vocal com aluguel ou compra de microfones auriculares, instalar uma fonte de energia segura ou comprar um gerador potente que desse conta de todo o material amplificado (caixa e mesa de som) e a ilumina-

- ção. Isso sem contar com um tempo razoável de preparação vocal e ensaios com tanta gente reunida. Tudo isso gera custos, planejamento e dedicação, o que vai de encontro com o panorama atual das artes da cena que expõe cada vez mais uma economia de atores, de encenações e de custos.

 

Percebe-se, por meio das atuais encenações e dos grandes festivais, a realização de projetos cênicos de baixo custo: solos, sem cenografias, prioridades pelas caixas cênicas e o uso de todos os seus recursos técnicos pré-existentes. A rua, os lugares ermos ou a presença de muitos atores em cena estão ficando cada vez mais esquecidos ou abandonados. Édipo Rei – o rei dos Bobos não aborda tão somente as questões da obra original, é um ato de resistência e de resiliência de artistas que trabalham em grupo.

 

A sua apresentação durante o dia seria sim uma boa oportunidade para diminuir alguns problemas, contudo, perderia a magia que a noite por si só abarca. É à noite que sonhamos, que divagamos com maior facilidade e é ela que obscurece a clareza da crueldade da nossa realidade. Além disso, representaria uma perda considerável na estética cênica, teria que adaptá-la e também traria perdas para o imaginário do espectador.

 

Para finalizar, o risco do fracasso nos perseguiu e ainda persegue diariamente, porém, estamos cientes de que ele faz parte do nosso trabalho e estamos firmes, como guerreiros, prontos para enfrentá-lo. Tem dia que perdemos a batalha, outros dias conseguimos empatar a luta, e essa luta não se encontra apenas na estrutura técnica do espetáculo. É uma luta de uma classe de artistas que, apesar da situação atual, não desiste de trabalhar e de acreditar que a humanidade ainda precisa do nosso trabalho. A ausência de patrocínios ou de apoios, seja ele público ou privado, eleva o o nosso grau de dificuldade de se trabalhar com a arte da cena, isso é fato. Porém, Édipo Rei – o rei dos Bobos traz em si diversas críticas sociais, políticas e religiosas sendo que uma das mais contundentes, é a de que a arte da palhaçaria precisa ser vista e defendida não apenas pelo ponto de vista acadêmico e sim, pelos próprios palhaços que ainda estão trabalhando sozinhos e se sentindo isolados e esquecidos.

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[1] ESSLIN, Martin – A violência no teatro – revista Tablado nº 47. Rio de Janeiro, 1970.

Rebate - Edipo Rei - O rei dos bobos

Foto de João Rafael Neto

Por Igor de Albuquerque

SETE VOLTAS COM O BALÉ JOVEM DE SALVADOR

Sobre Solos Baianos do BJS

0.01

 

O jovem sai de algum lugar, percorre com vagar quatro linhas imaginárias, depois deita-se no chão do foyer. Estático, ele permanecerá ali com o abdômen retorcido na posição que serve de preâmbulo para seu trabalho e para o programa dos Solos Baianos apresentado no Espaço Xisto Bahia pelo Balé Jovem de Salvador. Quando se levanta, os movimentos iniciais preenchem apenas frações diminutas do espaço compreendido entre os limites do vão. São passos em pianíssimo executados como contraponto às intensas investidas seguintes cujo resultado quase vem carimbado no corpo do público ao redor (2ª lei de Newton considerando “mi” [força de impulsão nos membros inferiores] e “ra” [rotação partir do eixo abdominal] para obter “a” aceleração). Seria assim na terra, mas, sob a luz crua do foyer, Thor Galileo [sic] recalcula os riscos e desnudamentos da cena, como se apresentasse aos físicos presentes as novas leis fundamentais a que terão de se submeter.

           

2.01

 

Dentro do teatro, encontramos outra jovem também parada, na mesma pose final do seu antecessor: braços soltos, coluna meio reta, com o pescoço sustentando a cabeça inclinada em diagonal para o alto. O que há naquela direção? Ideias, supernovas, delírios, objetos voadores identificados e não-identificados? A pergunta avança veloz em direção a eras distantes. Então, Letícia Pereira começa a montar suas respostas sincopadas. Percebe-se um jogo implicado na construção do arquétipo modelo/deusa e nas quebras de ritmo marcadas pelos braços e quadris. Balé em glitches arcaicos metamodernos. A dançarina escreve seu tratado mais eloquente valendo-se de um experimento ótico: sinuosa, ela vem do fundo para a frente do palco iluminada por um feixe de luz que refrata sua presença esguia. Não é ocasional o continuum observado entre os dois primeiros trabalhos, dado que ambos levam a assinatura de Neemias Santana.

           

III.

 

No terceiro solo, que na verdade é um duo (Luana Fulô e Robson Ribeiro), a proposta é bem diversa. Estalos de dedos crepitam na base da fogueira a ser queimada, e então os bailarinos despertam para responder aos chamados do agogô. Explode o vocabulário corporal de matriz africana (samba de roda, samba de caboclo, maculelê, lundu, jongo), aliado ao fraseado da dança moderna. Há passos sincronizados, sim, mas na cadência do

É muito incômodo ouvir ruídos de cabos com mau contato, chiados, baques surdos seguidos pelas linhas de choques elétricos. Mas a vida em boa medida é assim: a rotina após o feriado, os encontros com nossos demônios nas calçadas, a derrota decisiva após uma série de conquistas. Ninguém está imune a soluços metafísicos

samba sempre sobra uma perna aqui e uma bunda ali de modo que o cálculo preciso nem sequer cabe no riscado. Nesse sentido, a coreografia de Inah Irenam compartilha com os músicos de choro e jazz aquela zona secreta do improviso que só pode ser alcançada após incontáveis horas de estudo. Um dos motivos mais pronunciados são as referências a Ogum – orixá da guerra –, que no final é esculpido em duas poses guerreiras contemporâneas: palosa com os braços cruzados, cara fechada, tronco jogado pra trás, e ameaçadora com um fuzil nas mãos. Se me permitem o jargão ludopédico, a dupla joga com a torcida, que vai ao delírio quando soa o apito final.

 

IV

 

Clara Boa Sorte dirigida por Danilo Queiroz constrói uma estância da loucura, em um manicômio, poderia-se dizer sem rodeios, mas é preciso deixar aberta a possibilidade do cenário como projeção da mente perturbada. A dança começa no chão presa por uma camisa, liberta-se, levanta-se, abre em 180º graus nas pernas da artista, bate com força no tablado, olha pra cima assustadiça, treme, convulsiona... Em suma, nota-se uma redução das complexidades da psiquê a um conjunto de signos cristalizados. A velha gramática da loucura estetizada aparece em cada segundo do solo, desde à iluminação e som reproduzindo ameaças de curto-circuito até a linha narrativa desenvolvida a partir de um surto. Talvez uma pesquisa mais diligente seja mesmo o grande desafio para os criadores que lidam com a esquizofrenia. Antes de enlouquecer, Nietzsche disse que quando se olha tempo demais para o abismo o abismo acaba olhando de volta.

          

V

 

Moto-contínuo sobre verde, azul, vermelho, e até mesmo dentro da escuridão. A performance de Igor Vogada acompanha o fluxo aquático da trilha sonora mostrando como pode ser complicado para um ser humano passar do estado sólido para o líquido. Não há pausas, todos os membros trabalham conjuntamente durante essa empresa de grande força física. No barulho da corrente, as marcas dos pulsos espasmódicos do corpo viram pontos luminosos.

           

VI

 

É muito incômodo ouvir ruídos de cabos com mau contato, chiados, baques surdos seguidos pelas linhas de choques elétricos. Mas a vida em boa medida é assim: a rotina após o feriado, os encontros com nossos demônios nas

calçadas, a derrota decisiva após uma série de conquistas. Ninguém está imune a soluços metafísicos. Próxima disso, a coreografia de Melissa Figueiredo baseia-se no “mal-function” que aparece vermelho na câmera subjetiva dos ciborgues. Flávia Rodrigues, a dançarina, deixa-se levar pelo amálgama corpo-som de uma rave comandada por Clara Boa Sorte – que também é DJ na vida real. A ideia é construir um simulador que põe em cena um estado de corpo alterado por substâncias estético-sintéticas em fase experimental. Bate onda.

           

VII

 

Michel de Montaigne tinha quase 50 anos quando escreveu um texto intrigante sobre a juventude. Segundo o francês, vivemos nosso melhor enquanto ainda conservamos a pele tesa. Aníbal e Cipião fizeram o que fizeram antes de completar 30 anos de idade, depois viveram às custas da glória adquirida no auge. Montaigne diz que ele próprio só fez piorar depois dos 30: “Quanto a mim, dou por certo que, desde essa idade, tanto meu espírito quanto meu corpo mais diminuíram que aumentaram e mais recuaram que avançaram. É possível que para os que empregam bem seu tempo, o saber e a experiência cresçam com a vida, mas a vivacidade, a presteza, a firmeza e outras qualidades bem mais nossas, mais importantes e essenciais, fenecem e enlanguescem (Tradução de Rosa Freire d'Aguiar)”. 

           

Ignoro se Montaigne tem razão, afinal de contas ele só publica seus ensaios depois dos 40, mas quando vejo o vigor e o talento do Balé Jovem de Salvador tendo a concordar com o argumento. Para além do bem, do mal e da razão, aproveitem meus jovens.

Por Daniel Guerra

De todas as formas da crítica, a de bar é a mais ancestral e recorrente entre os mortais. Mas não é porque aparece quase sempre espontaneamente, despretensiosa e de viés que carecerá de uma  rigorosa metodologia própria. Se quisermos confiar em Platão, os gregos da época de Sócrates já a possuíam em alta conta. N’O Banquete, por exemplo, o que é que vemos? Alguns amigos em volta de uma mesa farta, proferindo, embriagados, longos discursos sobre o Amor. Temos ali uma estrutura clara. Primeiro elegia-se o tema, e em segundo, a ordem das falas. Essa última, apesar de importantíssima, resolvia-se facilmente observando-se a idade de cada convidado. Se quisessem complicar um pouco mais, ia-se pelas profissões que cada um exercia na sociedade e sua suposta relação com o assunto — do vagabundo ao doutor, ou vice-versa.

As possibilidades de começo são infinitas, bastando que todos concordem. Esse ajuste tem a ver, também, com a quantidade de álcool que se decide tomar. N’O Banquete a questão é complexa. Mas como os convivas são artistas, médicos e filósofos, todos muito preocupados com a harmonia do Cosmos e da sociedade, eles resolvem a demanda de maneira exemplar: “Concordaram todos em que, nesse banquete, não fosse ninguém obrigado a beber vinho até cair, mas que a cada um se deixasse a liberdade de tomar o quanto quisesse”.

Se a democracia é experimentação, seu laboratório nativo é a mesa de bar.

Mas foi por esses dias me vi às voltas com uma enorme querela. Porque se o tempo, nos sistemas estáveis da física clássica, subsiste apenas de fora, como o olho neutro de um Deus blasé, por outro lado, em sistemas complexos, instáveis e dinâmicos — como são as mesas de bar — ele influi em forma de turbilhões e bifurcações, assim como um Zé Pelintra a debochar dos assuntos humanos, pairando alegremente acima ou abaixo das nossas cabeças e descendo à fala ou ao gesto, alterando o andamento da prosódia do bebum em favor daquelas paixões que Baruch Spinoza garantiu constituir a Lei Natural de tudo que é vivo e independente dos ditames da Razão.

O tempo numa mesa de bar é um tempo vivo. Sua lei é a do caos, tem anima própria. Ele vem incorporado, nesse sistema complexo de variantes, na forma dos múltiplos copos de cerveja, alcatrão ou conhaque, que são tomados numa série que só não é infinita porque, para desconcerto dos moralistas de plantão, a embriaguez tem sua própria Razão. Segundo Deleuze:

 

Bebi muito, bebi muito. Parei, bebi muito… […] Acho que beber é uma questão de quantidade […] Em outros termos, um alcoólatra é alguém que está sempre parando de beber, ou seja, está sempre no último copo. O que isto quer dizer? […] o primeiro copo repete o último, é o último que conta. O que quer dizer o último copo para um alcoólatra? Ele se levanta de manhã [e] tende para o momento em que chegará ao último copo. Não é o primeiro, o segundo, o terceiro que o interessa, é muito mais, um alcoólatra é malandro, esperto. O último copo quer dizer o seguinte: ele avalia, há uma avaliação, ele avalia o que pode aguentar, sem desabar…

 

Então, se o tempo influi no sistema diretamente, se já não é um deus transcendental e sim um espírito da imanência, na crítica de bar ele materializa-se (literalmente) como um elemento a ser levado em conta, assim como o são as bolas de bilhar ou os automóveis A e B nas provas de matemática. A série de cervejas colocadas numa mesa, portanto, são aquele tempo incorporado que Henri Bergson caracterizou como a duração da matéria em expansão. Mas se as cervejas ingeridas se comportassem como se comportam as outras coisas não-alcoólicas, não se revelariam a nós, espíritos verdadeiramente científicos, como o problema que são. Estaríamos falando, então, de um sistema estável. O fato é que a ingestão do álcool promove a embriaguez; e, como é sabido por todos os bêbados, a razão do tempo sobre a consciência humana é igual à do calor agindo sobre uma substância qualquer. A embriaguez, no cálculo da crítica de bar, é capaz de transformar a previsibilidade do medium cotidiano no imprevisível, irreversível e delicioso inferno do caos.

Os gregos não gostavam muito do Caos. Mesmo nas suas reuniões alcoólicas, se deixavam Dionísio entrar, era nos braços de Apolo que escolhiam repousar. N’O Banquete, Platão apresenta-nos um sistema perfeitamente clássico, estável e simples (apesar de embriagado), assim como o são Newton e sua maçã.

A RAZÃO DA CRÍTICA PURA DE BAR

Mas como no Brasil de hoje as coisas se dão mais surpreendentemente do que nos tempos epopeicos do povo homérico, a mesa na qual me envolvi naquele dia, no coração do bairro 2 de Julho, me ofereceu o mote para o começo dessa investigação. Esta, apesar de seu caráter meramente introdutório, poderá provocar futuros investigadores a novas e promissoras descobertas, tanto no terreno das Artes quanto nos da Sociologia, História, Física, Matemática, Estética, Pedagogia, Filosofia, Química, Astrofísica, Psicologia e Gastronomia Molecular.

O negócio é que um amigo veio me dizer que eu estava sendo leviano. Ora, todos sabem que essa é a pior acusação da qual um bêbado pode ser vítima, ainda mais às duas da manhã, no calor de uma discussão sobre os mais elevados píncaros da Arte. Tudo isso porque eu disse que o músico contemporâneo X “era muito bom” mas não estava “enraizado no próprio tempo”.

Essa frase, aparentemente simples, causou uma confusão absurda. De fato, a democracia garante a todos o direito de expressão, mas esquece de dizer que é justamente tal liberdade que instaura a crise elementar. Os bons advogados sabem (e os canalhas principalmente) que, no território do Direito, poucas vezes o que se discute é o caso em si. Na maior parte dos casos, o que leva todos ao delírio são os entendimentos conflitantes que se tem desta ou daquela palavra, deste ou daquele ato, deste ou daquele gesto. Discute-se na verdade a aparência, a ilusão sustentada sobre uma torrente indiscernível de palavras vãs, quando o caso-em-si é deixado de lado. Enquanto isso, o réu, a vítima e o acontecimento original permanecem intocados. Como deveria imaginar Kafka, o cidadão, seja ele inocente ou culpado, será sempre condenado pelos arbitrários trocadilhos da linguagem.

É essencialmente isso o que diferencia a crítica de bar da crítica profissional. Estamos, ao escrever, solitários e munidos com todas as ferramentas necessárias à consumação do ato. O tempo aqui é infinito e pode ser administrado ao nosso bel-prazer. Só temos de prestar contas com a nossa própria ignorância. Na mesa de bar, não. Lá você tem que resolver as coisas com o tempo no encalço. A cada gole alguém estará pensando a anos-luz do que se passa na sua imaginação, e daqui que você elabore sua opinião, vem o outro e lhe dá uma rasteira sem a necessária consciência de que tal golpe transportou a todos para um assunto tão distante do original quanto a Terra está do extinto planeta Plutão.

Esse amigo entendeu que eu havia caracterizado o músico X como alguém ultrapassado. Então me acusou, além de leviandade, de querer botar toda a humanidade na régua ditatorial do contemporâneo. Mas esse não era o ponto. Faço, na realidade, uma distinção básica entre contemporâneo e contemporanoide. Se podemos remeter aos clássicos como parâmetros de qualidade é porque de alguma forma tais criadores estavam totalmente fincados no próprio tempo. Se Beethoven pode ser escutado e influenciar artistas ainda hoje é porque, a despeito das formas do tempo que usou em suas partituras, sua presença estava embebida dos fluxos históricos, que, se são incorporados no presente, provêm de um passado ancestral que abre caminho para futuros insondáveis. Isso é muito distinto de alguém que resolve repetir as fórmulas de um período x ou y, sejam elas antigas ou atuais, sem estar com os pés devidamente submersos no riacho heracliteano.

Agora imaginemos quanto tempo, disposição e sobriedade eu deveria ter conjurado para explicar o modesto parágrafo anterior, nessa live action maluca que é a mesa de bar. Por outro lado, se um crítico pode hoje se julgar profissional, é porque, em algum momento, se sensibilizou com o que acontecia legitimamente na crítica de bar. Sua pureza metodológica e essencial está fincada no coração de cada tempo. A crítica de bar é o fundamento de toda crítica que se faça, e isto não é um privilégio dos críticos alcoólicos. A despeito da possível sobriedade de um indivíduo em particular, é na universalidade cartográfica dos bares do mundo que a enlevação do saber crítico se dá. Por fim, nos caberia perguntar se não são os malucos embriagados a sustentar toda a intelligentsia cultural das nossas cidades. Certamente não seria por aqui que a resposta viria a se concretizar.

Segundo os anais da estilística, durante suas aulas de latim, o filósofo Erasmo demonstrava diversos modos de escrever a frase “sua carta me agradou bastante”. Podemos usar palavras do cotidiano (“gostei muito de sua carta”), litotes (“não me desagradou”), exagero (“a melhor coisa do mundo”), erudição (“vossa epístola muito me comprouve”), entre incontáveis maneiras. Se não pudéssemos, a arte da escrita estaria travada. Disse André Gide que “tudo já foi dito, mas como ninguém escuta é preciso repetir sempre”. Os escritores estão sempre a se repetir, mas de maneiras novas.

As metamorfoses de Erasmo, entretanto, só se aplicam a frases usuais. Certas sentenças são tão marcantes, proverbiais, intraduzíveis, que é impossível futucar nelas sem causar algum prejuízo: as aliterações bissilábicas de César (Veni, vidi, vinci), o Eclesiastes, Shakespeare, um witticism de Wilde (Work is the curse of drinking classes) ou de Millôr (O dinheiro não é só facilmente dobrável como dobra facilmente qualquer um), uma frase de Joyce (They lived und laughed ant loved end left); o alexandrino de Racine (Le jour n’est pas plus pur que le fond de mon coeur) sobre o qual Bandeira comentou: “este verso é um diamante; eu não sei traduzir diamantes”.

 

Porém a frase matadora não aparece para qualquer um. Escritores brilhantes, inúmeros, esperam por ela em vão. As modas emperram seu despertar. Além dos incansáveis apelos politicamente corretos para que evitemos palavras como “índio” e “esquimó”, a escrita na era digital tem seus vícios específicos. Pedir desculpas após uma figura de linguagem, por exemplo. Sendo um leitor literal (desculpa o pleonasmo e a aliteração), tenho um pé atrás (desculpa o clichê) com quem pede muitas desculpas (desculpa a metalinguagem). Uma indiscrição que não passa de um charme irônico, uma maneira descolada de ressaltar algo que simplesmente podemos escrever de modo direto: “por levá-los a sério, não aprecio tantos pedidos de desculpa”.

 

Outra mania em voga é a de se justificar como amadora qualquer tradução, independente de quão simples. “Um hábito comum entre literatos de épocas diversas é o de maldizer a decadência de seu idioma, um infortúnio que, de acordo com todos eles, calha sempre de acontecer exatamente em sua geração; um anacronismo circular semelhante àquele que em Meia Noite em Paris afligira os artistas da chamada lost generation – ‘geração perdida’, numa tradução livre”. Utiliza-se o “numa tradução livre” para as frases e expressões mais elementares, que não oferecem muitas possibilidades e quase sempre pedem apenas uma única e rígida tradução.

 

Hesitasse assim Nelson Rodrigues e jamais perceberíamos que “o sucesso do inimigo é tão doloroso quanto uma canivetada”. Impossível imaginá-lo se desculpando por generalizar, ao afirmar que “a pior forma de solidão é a companhia de um paulista”. Tais demonstrações de insegurança são apenas bijuteria e, ainda assim, apesar de inúteis, contêm algum brilho. A frase absolutamente opaca demanda mais sangue e suor. Veja esta passagem de O Mal de Montano, romance tão excitante quanto uma manhã de segunda:

 

“Fui descobrindo que classe de escritor eu era, e também a não saber quem era, ou melhor, a saber quem eu era mas só um pouco, assim como meu estilo literário é tão somente um resíduo extremo, mas isto sempre será melhor que nada, e o mesmo pode se aplicar à minha existência”.

 

Tendo em vista ser bem difícil escrever algo que não tenha ao menos uma imagem, ideia, ação, metáfora, piada, diálogo, tempo, reconheçamos o mérito de Vila-Matas. Sua frase tilinta como garrafas abandonadas num beco. Nada acontece, não há o mínimo fiapo de vida. A partir desse comentário, a única coisa que podemos inferir sobre esse narrador é que, além de inseguro, ele é um chato.

 

Enquanto muitos habitantes do mundo das letras dão valor sincero à pompa, a linguagem empolada e inexata existe para ludibriar o interlocutor, fazer permear a dúvida, distraí-lo, conduzi-lo com suavidade ao assunto conveniente. Recorrem a ela o político mentiroso, o jurista mal intencionado, o jornalista desonesto, o acadêmico flagrado em erro, o amante malandro, o empresário que tem algo a esconder. Quando confrontado por Bernardo Esteves sobre o recorde de casos de dengue em 2015, Antônio Nardi, do Ministério da Saúde, respondeu que “o dever de casa por parte dos poderes públicos muitas vezes não foi suficiente para a evitabilidade do mal maior”.

George Orwell criticaria, no mínimo, o sujeito longo, o nebuloso “muitas vezes não foi” em vez do cristalino “poucas vezes foi”, e o burocrático neologismo “evitabilidade”, que parece emprestado do jargão administrativo (ou do técnico Tite). Poderia ter dito que “fizemos apenas o dever de casa, o que não foi suficiente para evitar o mal maior”, porém correria o risco indesejável e desnecessário de ser prontamente compreendido. Numa passagem antológica do ensaio em que discute questões como essa, “A política e a língua inglesa”, Orwell adapta um trecho do Eclesiastes:

 

“Voltei-me para outra direção e vi, debaixo do sol, que a corrida não é dos velozes, nem, dos fortes, a guerra; nem, dos sábios, o pão, nem dos instruídos a riqueza, nem dos prudentes a graça, pois todos dependem do tempo e do acaso”.

A DECLARAR NADA

Por Paulo Raviere

Que no inglês moderno ficaria assim:

 

“A consideração objetiva dos fenômenos contemporâneos obriga a conclusão de que o sucesso ou o fracasso em atividades competitivas não exibe nenhuma tendência a ser proporcional à capacidade inata, mas que um considerável elemento de imprevisibilidade deve invariavelmente ser levado em conta”.

A adaptação desidrata o versículo; suga seu sangue, corta sua eletricidade. Desprovido dos exemplos, o versículo perde sua cor, como uma grande árvore cujas folhas acabaram de cair. Trata-se, evidentemente, duma paródia, que Orwell utiliza para discutir a decadência de seu idioma nativo. Curiosamente, ela é citada numa obra de teor semelhante, Elements of Style, o popular manual de estilo de William Strunk e E. B. White. Num verbete em que também o cita, Helen Sword enumera algumas funções do jargão, tais quais “demonstrar erudição”, “provar domínio sobre conceitos complexos”, “desafiar o raciocínio de seus leitores” e “brincar com a linguagem”, e termina com um alerta contra seu “sedutor poder de iludir, ofuscar e impressionar” – aparentemente sua principal função, tendo em vista o grosso da literatura acadêmica contemporânea. O poeta Paulo Henriques Britto, assim como Orwell, a parodia num soneto de Tarde:

 

CIT., PP. 164-65

“No poema moderno é sempre nítida

uma tensão entre a necessidade

de exprimir-se uma subjetividade

numa personalíssima voz lírica

e, de outro lado, a consciência crítica

de um sujeito que se inventa e evade,

ao mesmo tempo ressaltando o que há de

falso em si próprio – uma postura cínica,

talvez, porém honesta, pois de boa-

fé o autor desconstrói seu artifício,

desmistifica-se para o leitor-

irmão”. Hm. Pode ser. Mas o Pessoa,

em doze heptassílabos, já disse o

mesmo – não, disse mais – muito melhor.

 

Mas, ao contrário do autor britânico, Britto não deixa tão claro o que parodia. Sabemos provir de Pessoa, mas de que, exatamente? Quais são os heptassílabos que dizem o mesmo, mais, muito melhor? O que significa? Por tratar-se de um dos poemas mais famosos do poeta lusitano, talvez seja mais o caso de relacioná-los, que de simplesmente conhecê-lo. Sua primeira estrofe já é o suficiente para compreendermos a ironia:

 

            O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

 

Agora precisamos reler a paródia para captarmos suas nuances. Veja como o poema fica inesperadamente divertido, após percebermos suas reais intenções. Podemos equipará-lo com o melhor de notórios parodistas como Swift, Joyce ou Borges. Desde o título, Britto satiriza a linguagem acadêmica pós-moderna, essa carne fria que mastigamos sem conseguir engolir. A citação entre aspas, um gigantesco enjambement formado por palavras grandes, é uma brincadeira medida e rimada com essa linguagem prolixa, esnobe, vazia e sem personalidade – “um polvo esguichando tinta”, de acordo com Orwell.

 

Recentemente, recebi no celular a foto de um texto marcado com caneta verde-limão. Era uma citação de Pierre Bourdieu, um escritor-síntese do pós-modernismo francês – o incrível senhor que não hesitou em proferir que “a melhor maneira de falar claramente consiste em falar de modo complicado”. Na citação, ele afirma que,

 

“Numa sociedade diferenciada, não se trata apenas de diferir do comum, mas de diferir diferentemente, e por conseguinte, a lógica das inversões do para e do contra acaba engendrando tais convergências, como por exemplo entre a simplicidade simples dos “simples” e a simplicidade elaborada dos refinados”.

 

Uma obra-prima do esnobismo intelectual que parece mais produto do Fabuloso Gerador de Lero-Lero. Posso até ver os acadêmicos bolsistas de barbas trançadas, óculos grossos, calças laranjas e camisas de lenhador, a se vangloriarem mutuamente por conhecerem essa sopa de letrinhas insípida e turva. Buscar compreendê-lo é como ir a uma missa para tentar sarar de uma ressaca – possível, mas não recomendável.

 

Pedi a alguns amigos de humanas que me explicassem-na, caso fosse possível, mas tampouco foram capazes de entendê-la direito. Algumas semanas depois, encontrei uma frase do jornalista Daniel Piza que, com apenas duas linhas, acredito dizer basicamente o mesmo: “Temas ditos eruditos podem ser tratados com leveza, sem populismo; temas ditos de entretenimento podem ser tratados com sutileza, sem elitismo”. Não, disse mais – muito melhor.

Rebate à crítica Édipo Rei - O rei dos bobos, por Denis Camargo

Perambulava por Pernambuco, quando a Treta bateu a porta do meu bate-papo do Face: foi Igor, o editor, me avisando que a colunista provisória desse mês seria eu. Prontamente abri várias abas no Google, confiando na guiança da agenda cultural de Recife e do site de crítica do Satisfeita, Yolanda?, que no título do release destacava “Paixão tórrida na época da invasão holandesa”, referenciando o espetáculo Ana de Ferro – A Rainha dos Tanoeiros. O romance fictício envolvia fatos históricos, o que sempre deixa o enredo mais atraente . – O brilho nos olhos foi um sim para o chamado!

O espetáculo me chamou atenção pela riqueza das sinopses que li nos jornais da cidade. As fontes de divulgação exploraram com primor o tema da peça e me aguçaram a assistir um espetáculo dos bons, dos que apresentam um bom texto dramático, fazendo link entre o romance ambientado na boemia de um cabaré do século XVII, na região portuária do Recife, com questões contemporâneas de gênero, religiosidade e racismo. Uma trilha sonora diversificada que apostava na releitura de clássicos românticos antigos de Édith Piaf, sofrências contemporâneas de Marília Mendonça, mesclando obras como Assum Preto e Hallelujah. A peça contava com a tradução simultânea para libras do intérprete Leonardo Ramos, como elenco do Grupo Teatral Risadinha de Camaragibe (PE) e convidados.

Movida por esta expectativa, saí do festival de palhaçaria que se apresentou no teatro Apolo e voei de Uber até achar a localização do Espaço Fiandeiros, no bairro da Boa Vista. Assim que me acomodei em pé perto do que seria uma das coxias, observei o quanto estava lotado. Todo o espaço preenchido. O público disposto em corredor e o centro da cena acontecendo nessa travessia numa armação retangular que me remeteu ao espetáculo A Bunda de Simone (2014) do grupo Base (BA), no teatro da Barroquinha; só que ao invés de chuveiros, tinha refletores, que não eram manuseados pelos atores. Um pouco mais acima dessa armação mais alguns refletores e, subindo mais, o céu, representado pelas nuvens penduradas por fios transparentes na estrutura do teto.

A riqueza de detalhes realmente era grande: o quarto de Ana, a sala do bordel, a rua e sua luminária solitária, todo um imaginário que seria habitado também por seus contemporâneos. No alto da arquibancada do público, em pé, está o intérprete de Libras, vestido de preto e com uma luz própria.

Panorama posto e depois de 10 minutos de espetáculo, constato que não estou entendendo nada, ou melhor, que tudo se revelou como é para mim. Procurei acompanhar nos diálogos entre Ana e seus affairs, por exemplo, o que representava sua amizade com Zambi, escravo comprado e mais tarde aliado. As intenções e as ironias passavam despercebidas, ora em razão da insuficiente projeção da voz de ambos, ora pelo sotaque holandês criado pela personagem principal. Por outro lado, sua relação com a companheira de cabaré Maria Cabelo de Fogo e o seu enlace amoroso com o governador de Pernambuco Maurício de Nassau foram permeados por excessivas gesticulações, o que reforçava o distanciamento ao invés de reforçar a cumplicidade e a particularidade das relações.

Com essas discussões não sugiro um ideal de relação entre personagens, tampouco especulo as supostas intenções do encenador. A questão não é apontar a canastrice, que inclusive adoro nas novelas mexicanas, no teatro de revista, nos circos mambembes, nos shows das drags do bar Âncora do Marujo etc., que justamente fazem desse estilo uma poética viva. A fragilidade que encontro, tão elementar quanto difícil no jogo cênico, é o uso desse artifício para sobrepor a presença no jogo entre os atores e, consequentemente, entre o público.

Falar em estereótipos e gestos no teatro quase se tornou uma chamada obrigatória de referência ao gestus de Brecht. Geralmente utilizamos um recurso como o gestus para promover uma autocrítica da representação social daquela personagem, ou seja, representa-se o gestus do sofrimento da dona do cabaré pela partida do seu amor para reforçar a contrapartida crítica. O gestus rompe com o realismo para apresentar o problema social e a moral vigente da qual a personagem faz parte, o que apresentaria sinteticamente a solidão das prostitutas de uma 

Por Agueda Tavares

ANA DE FERRO - DA PROVÍNCIA AO CAOS, DO CAOS À LAMA

Sobre o espetáculo Ana de Ferro – A Rainha dos Tanoeiros Obra de Miriam Halfim, encenada por Emanuel David d’Lúcard.

Era como se a paixão tórrida entre Ana De Ferro e Maurício de Nassau desvelasse as ruínas que a colonização holandesa ajudou a implantar no imaginário social do recifense: grandes construções provincianas sobre os mangues soterrados, atribuindo ao manguezal o espaço potencial de aterramento, seja pela especulação imobiliária, seja pelos olhos do conservadorismo que toda província resguarda

determinada época e as mazelas sociais que as colocaram naquela situação. Porém, a representação dos atores em questão apontou para o estereótipo nas ações, a exemplo das longas despedidas. Ana de Ferro executava o mesmo gestual de sofrimento para as três despedidas com tempos longos, como se não houvesse nuances entre a relação dela com cada despedida. Era o meio-termo: nem a crítica social nem o drama individual.

 

O intérprete de Libras foi o único que me chamou atenção nesse sentido de uma tomada de posição da história encenada, ora traduzindo as músicas, ora corporificando os personagens. Talvez por se permitir ir além do que se espere de um tradutor numa peça, Leonardo representou todas as falas como se partisse dele todo o entendimento do espetáculo.

O belo cenário inserido na instalação precária do casarão já era o mote para as ironias e as circunstâncias do espetáculo. Era como se a paixão tórrida entre Ana De Ferro e Maurício de Nassau desvelasse as ruínas que a colonização holandesa ajudou a implantar no imaginário social do recifense: grandes construções provincianas sobre os mangues soterrados, atribuindo ao manguezal o espaço potencial de aterramento, seja pela especulação imobiliária, seja pelos olhos do conservadorismo que toda província resguarda. Assim como os colonizadores pisavam na ponta dos pés, receando o terreno incerto dos mangues, tateamos estéticas que priorizam o seguro e o belo. As entradas e saídas caóticas pelas coxias por estes atores que tentavam conter a compostura ressignificaram o ambiente no clássico randevu do recifense.

Dadas as circunstâncias, para que forjar uma encenação que envolve “momentos realistas e simbólicos numa dinâmica de graphic novel” em detrimento de uma maravilhosa chanchada?

Não há pecado em provar outras estéticas , ou apostar no inexplorado, até porque nossos ritos estão além dos céus e infernos dos julgamentos finais. Mas até que ponto não perpetuamos esse juízo da busca pelo ideal, do que deve ser bom e belo na arte em detrimento da demanda dos corpos dos atores e da beleza que já pulsa neles? Por que insistimos nos moldes e negligenciamos nossos pés?

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Referências

Artigo de Djalma Agripino de Melo Filho Mangue. Homens e caranguejos em Josué de Castro: significados e ressonâncias. publicado em Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.10 no.2 Rio de Janeiro Maio/Agosto. 2003.

GASPAR NETO, Francisco de Assis. O gesto entre dois universos: a noção de gestus no teatro de Bertolt Brecht e no cinema dos corpos de Gilles Deleuze. Curitiba, FAP, v.4, n.1 p.1-15, jan./jun. 2009.

Laís Machado, O Contexto da Presença. Na coluna Ensaio da Revista Barril Edição N. 9 /2016

Se conserto leva à ideia de reparação, recuperação, restauro e, concerto, de consonância, harmonia, composição, “conscerto” me situa no lugar da elaboração. Falo elaboração no sentido que intuo, a partir de meu processo mesmo em análise, ser o psicanalítico de compreensão/percepção sobre algum aspecto pessoal que esteve abandonado e produtivo a um só tempo. Se incluo desejo no raciocínio e o tomo como verdade, “conscertá-lo” seria realocá-lo como elemento fundamental de determinada obra. Nesse caso, a obra sendo a vida mesma.

A viagem é pessoal e intransferível e, por isso, sinto-me confortável o suficiente para expor os pensamentos, acima descritos, que brevemente me povoaram quando li que estaria em cartaz Processo de Conscerto do Desejo, de Matheus Nachtergaele, na Caixa Cultural.

Escrever a selfie sobre esse espetáculo me pareceu a coisa mais acertada no momento em que pulei do título do solo para sua descrição. O ator homenageia a própria mãe, a poetisa Maria Cecília Nachtergaele, incorporando o seu eu lírico em cena, e se torna, já nesse momento, também motor para minha antiga e sempre atual divagação: a minha própria vida “desconscertada” com a morte da também Maria, nesse caso Helena Pessoa, minha mãe.

Já enquanto aguardava a chegada das 20h, ainda sozinha, pensava sobre outros momentos em que vi o ator que logo mais se apresentaria. No cinema, na TV, no teatro, Matheus sempre me raptou e eu sabia que sua performance, para além da principal motivação daquela montagem, causa de meu entusiasmo, seria um espetáculo em si. Logo no início de Processo me pus a fantasiar: queria ser Matheus Nachtergaele em cena.

Após a entrada dos dois músicos que o acompanharam por toda a travessia e com um vestido preto longo a la Norman Bates em seus momentos mais insanos em Bates Motel, aparece nosso ator a performar (pela conversa, pelo canto, pela declamação)  aquilo que os poemas e os fatos lhe sinalizaram sobre sua mãe.

Por Bárbara Pessoa

DESCONCERTADA

Sobre Processo de Conscerto do Desejo de Matheus Nachtergaele

Pela poesia encarnada naquela noite diante de meus olhos, vislumbrei a intensidade de uma pessoa que celebrava a tristeza e dançava, ao anunciar no imperativo, por exemplo, que nada demorará mais como antigamente: então comemoremos! Frases, ditas ao longo do solo e fugidias nesta tarde de sábado, reafirmaram em meu corpo a beleza que há em ser desmedida e que ser isto é também ser por vezes agressiva, por outras, ingênua, mas dificilmente previsível. É quando me recordo de um antigo affair que, ao perceber certo embaraço meu com meu próprio jeito de ser, perguntou-me em uma de nossas primeiras conversas: Bárbara, e que valor há nas pessoas contidas? Volta e meia, ainda me pego tentando responder.

Ao final do espetáculo, um amigo que sentava à frente conclui sobre aquele que acabava de se apresentar: por isso que a pessoa é louca, né? Bem, se Matheus é louco, eu não sei, apesar de que, do ângulo de onde olho, com certeza é – bom pra ele. O fato é que aquela frase me fez digressionar sobre os tantos modos possíveis de se darem os inevitáveis “conscertos” quando a morte, as perdas, as rupturas – disparadoras de crise em potencial – chegam pela violência cotidiana, pela lógica desumana, pela guerra irracional.

Na manhã daquela quarta-feira, não houve aula na escola onde trabalho, pois “precisa-se combater as drogas”, independentemente de quantos corpos passarão sem vida carregados por outros corpos que temem também aquela morte. E as crianças com quem convivo diariamente revelam em suas narrativas como essa conjuntura as faz encarar a tal morte (que nos faz pensar e nos exige criar) de um ponto de vista compreensivelmente banalizado.

Se eu e Matheus temos elementos pujantes similares, como o tabu e o trágico, em nossas histórias com nossas mães, ou melhor, nas histórias de nossas vidas, neste momento, essa perspectiva da morte acaba me soando bastante privilegiada, o que me incomoda um tanto. A reflexão sobre esse lugar, longe de querer deslegitimar qualquer maneira de sentir, reforça em meus pensamentos a imprescindibilidade de outros “conscertos” individuais e consequentemente coletivos.

Paulo Raviere vem mais uma vez entre nós proclamar suas nobres palavras. Escreve sobre a própria escrita, e particularmente, sobre essa arte bem conhecida, a de falar muito e “declarar nada”.

 

E a Treta do mês veio de Recife, terra natal da nossa colaboradora Águeda Tavares, que trouxe de lá um sutil e corrosivo texto sobre um tal “teatro de província”. Qualquer semelhança é mera coincidência.

 

Por fim, tivemos um Encontro provocador entre Laís Machado e a performer Ana Dumas. Na Selfie, Bárbara Pessoa se desconcerta toda para melhor desconcertar o Processo de Desconcerto do Desejo, peça de Matheus Natchtergaele que teve brevíssima temporada em Salvador no mês de Setembro. 

 

É isso. Força e coragem que juntos vamos mais longe. Boa leitura!

Que Exu abra os nossos caminhos brandindo sua enorme piroca, Laroyê! Que as deusas peladas da Renascença saltem de suas conchas e venham nos abençoar! Que os deuses gregos nos ajudem a carregar o peso deste século, ó Céus! Século trevoso, que promete terríveis e emocionantes intrigas a cada mês que passa. Mas camarão que dorme a onda leva. A gente permanece de butuca ligada. Aqui na Barril estamos há mais de ano acordados, como luz de farol. A cada mês varrendo mais um tanto do que desponta no horizonte. No fim das contas dá até pra ir costurando um panorama. E você, fiel leitor, o que vê do lado de lá? Consegue acompanhar os movimentos? Está bem atento aos recados intergaláticos?

 

Estamos proliferando por todo o Brasil. A Barril Impressa vai chegando na casa das pessoas e com elas novas leituras e possibilidades de escrita. Este ano foi importante por abrir nossos rumos fora de Salvador, mesmo que as raízes continuem firmes do lado de cá. A Edição#16 é apenas um espelho dessa movimentação. Conseguimos abranger um círculo de produções

bem interessante, desde Recife, fazendo escala em Brasília e subindo até o País Basco.

 

Nas Críticas dessa edição, enquanto Igor de Albuquerque visitava o Solos Baianos, nova produção do Balé Jovem de Salvador, sintetizando tudo num texto tão imagético quanto o espetáculo, lá de Brasília nosso colaborador Leonardo Shamah mirava as reviravoltas do Édipo grego incorporadas na palhaçaria de Denis Camargo. Esta última rendeu um Rebate, escrito pelo próprio diretor de Édipo Rei - O Rei dos Bobos.

Thiago Cohen mandou pra gente, do País Basco, um Reverbera sobre Suddenly, dirigido por Jaiotz Osa. A crítica-corpo-audiovisual, produzida em colaboração com Violeta Wulff, trabalha com a  noção de distância e proximidade. Envolve uma bola de soprar e ingestão de post-it’s.

Na Crítica da Crítica, Daniel Guerra expõe sua Razão da Crítica Pura de Bar, trabalho filosófico-dixoteiro sobre a metodologia inerente a estes círculos embriagados que todos hão hão de conhecer bem. No Ensaio

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