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novembro #18

V.2 n.9 2017

Há quem chame de fechamento de ciclo – pode até ser – mas bom mesmo seria um fechamento de corpo, porque ando precisado de proteção extra. Trabalhar na Barril por dois anos envolve uma carga daquelas. Na festa de lançamento da nossa versão impressa, por exemplo, eu dançava todo feliz, quando, de repente, torci meu pé tão forte que fiquei mancando o mês seguinte inteiro. Percebam que essa torção não teve nada a ver com meu estado eufórico de embriaguez, nem com a minha dança que tentava imitar os movimentos dos dançarinos profissionais e performers presentes. Foi mau olhado[1].  

 

Aí vindes outra vez, inquietas sombras.

 

Dois anos. Até aqui muita água rolou e ferveu e evaporou, consequentemente, queimamos muito fundo de panela. Escrevemos com pena tradicional, psicografamos em touch-tech, filmamos ideias verdes incolores, versejamos críticas trans. Trocamos ideias com Michel de Montaigne, transamos Yuri Tripodi e Ivana Chastinet. Transamos todas, como diziam nossos ídolos na sintaxe sacana dos 70's and 80's tupiniquins.

 

Confesso que escrevi, que editei. Revisei, desenhei, marquei encontros e furei reuniões. Em suma, assobiei e chupei cana. Todos os membros da revista fizeram o diabo, mas isso é uma SELFIE, e vou falar em primeira pessoa – eles que façam os textos deles. Foram os melhores e os piores anos da minha vida. Porque houve empolgação e êxtase, porque me firmei em Salvador, porque criei com amigos uma revista a partir do nada sem ter um real no bolso, porque sem ter um real no bolso vivi miseravelmente, porque nos apertamos entre prazos delirantes, porque me casei e fui o homem mais feliz da cidade, porque me derrubaram duas vezes do mesmo programa de pós-graduação, porque perdi meus óculos escuros quando escrevi o perfil de Márcio Meirelles, porque ganhamos um edital e pudemos pagar textos de artistas talentosos, porque chegou o divórcio e fui o homem mais triste desta década, porque agora chego ao fim de uma jornada sem ter a mínima ideia do que virá. Para o bem ou para o mal.

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Porque este texto é uma despedida. RIP REVISTA BARRIL DE ARTES CÊNICAS gravado nesta lápide digital. A revista se despede aqui de seu respeitável público após 18 números, muitos textos, festas, seminários, entrevistas, workshops. Depois de muita presepada,

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Por Igor de Albuquerque

RETRÔ

Selfie sobre a primeira morte da Revista Barril de Artes Cênicas

A DEUS ÃO

 

, como diziam nossos ídolos Torquato Paulo Neto Jards José Macalé na sintaxe sacana dos 70's and 80's tupiniquins. 

 

Tá, vamos com calma. É exagero, é drama, é tensão narrativa. A Revista Barril não acabou com ponto final, nem sequer está dando uma pausa. Na verdade o que está por acontecer é uma metamorfose. Em fevereiro nos reencontraremos, caros leitores, em algum lugar, mas não será aqui, porque nos cansamos deste formato.

 

Vejam a nossa última reunião geral de conselho. Era uma tarde de calor esfoliante na casa de Laís Machado; tinha gente abandonando o barco, olhares de morte, tremedeira – O Evangelho Segundo Mateus mais uma vez –, pranto e ranger de dentes. Em algum momento, eu disparei: se a Barril continuar do jeito que está eu também vou sair. Ora, no ritmo de desistências daquela tarde fatídica, se mais alguém desse pra trás a coisa desabava. Mas era retórica pura. Sempre houve um plano de emergência, um plano que já estava latente em todos os membros da revista. Não era uma intriga urdida na boca miúda de poucos conspiradores, pelo contrário: o monstro era como uma consequência inevitável cuja exuberância emergia aos poucos. Estamos mais para Michael Jackson que para Maquiavel.

 

E qual a fase dois dessa metamorfose? Calma! Porque abertura de processo tem limite. Porque adiantar os planos dá azar. E porque é preciso respeitar alguma coisa, principalmente quando ela é invisível.

 

Superstição? Va lá. Não sou tão iconoclasta assim. Nem posso[2].

 

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[1] Nunca tinha buscado ajuda espiritual antes dessa viagem de Chihiro editorial que é a Barril. Depois de uma série de sinais sinistros dessa ordem, fui finalmente a um terreiro e lá ouvi o seguinte: “Meu filho, você não é do tipo de gente que pode ficar sem trabalho, não”. Desde então tenho feito o possível junto aos santos.

[2] Voltar a nota número 1.

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