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agosto #15

V.2 n.6 2017

Para quem se interessa pela estrutura do texto dramático clássico, fica evidente, no teatro, quando a encenação partiu de um texto que foi cuidadosamente construído por alguém que arquitetou seu escrito a partir de conceitos como ação dramática, peripécia, reconhecimento, caráter etc. Neste tipo de encenação, na qual o texto é dito tal qual foi grafado, prediz-se que um dos elementos que mais saltará aos olhos será o diálogo entre as personagens.

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Sendo eu uma dessas pessoas com tal interesse, chamo atenção aqui para o deleite que pode ser acompanhar, a cada curva, o descortinar dessa paisagem verbal/sonora que parece nos chegar por itinerário semelhante ao da música.

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Para Cleise Mendes, “A frase dramática é em si mesma um gesto. Ao lê-la, imaginamos simultaneamente a atitude da personagem que a profere. É o que Brecht nos lembra ao citar o famoso exemplo da Bíblia: ao invés de ‘Arranca teu olho esquerdo que te serve de escândalo’, lemos ‘Se teu olho esquerdo te serve de escândalo, arranca-o!’ Em vez de um período iniciado pela ação, amarrado pela lógica sintática, a frase gestual, proferiu uma condição, um aviso, um efeito de leve hesitação e, bruscamente, a ordem de agir.”[1] Se a escolha é trabalhar com esse tipo de texto e ao mesmo tempo se despreza suas estratégias próprias de relação, corre-se o risco de transformar o espaço cênico em um ringue onde os elementos da obra lutam entre si.

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Os criadores do espetáculo Minha Irmã trazem, além do texto dramático como descrito anteriormente, outra escolha dramatúrgica que também irá reclamar especialmente pela atenção do espectador: a mímica corporal dramática ou dramaturgia do corpo, que se baseia nos movimentos ou gestos como principal forma de expressão. Já aí, somamos a convivência de duas escolhas gestuais.

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O terceiro componente que chama atenção na obra citada é o tom de voz utilizado pelas duas atrizes para pronunciar suas réplicas do início ao final da peça, em cada fala. Um tom denso, grave, como imaginamos ter sido proferido o texto de Fedra em sua primeira montagem em 1677.

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Quando perguntado em suas aulas sobre dramaturgia se “podia colocar” isso ou aquilo no texto, Marcos Barbosa (autor do drama Minha Irmã) respondia: “tudo pode naquilo que fortalece”, apontando para o quesito intuição quando a empreitada diz respeito ao ato de criar. O texto, o corpo, o tom de voz e, com vinte minutos de espetáculo, três já me pareciam ser demais. Isso tornou-se manifesto no instante em que um teatro aconchegante como o SESI – Rio Vermelho pareceu insuficiente; quando cinquenta e três minutos de peça soaram insustentáveis. Nenhuma duração e nenhum espaço seriam capazes de abarcar a exobitância daquela montagem.

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Em busca de uma matemática possível, meditei sobre qual elemento poderia ser o resto na operação de subtrair que se impôs. A primeira tentativa consistiu em omitir o texto, restando apenas a mímica, já que, excluindo-o, retirou-se também o tom de voz. Atentei-me então às imagens produzidas a cada cena. Como a performance das atrizes partia de uma presença cênica e de uma expressividade que se mantiveram inalteradas realçando uma solidez primorosa, a experiência foi

Por Bárbara Pessoa

Assim também já é demais também

Sobre o espetáculo “Minha irmã”, direção de Marcos Oliveira 

O texto, o corpo, o tom de voz e, com vinte minutos de espetáculo, três já me pareciam ser demais. Isso tornou-se manifesto no instante em que um teatro aconchegante como o SESI – Rio Vermelho pareceu insuficiente; quando cinquenta e três minutos de peça soaram insustentáveis. Nenhuma duração e nenhum espaço seriam capazes de abarcar a exobitância daquela montagem

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interessante, pois os quadros formados pela mímica corporal dramática atendiam à apreciação. Porém, se uma obra como Minha Irmã é escolhida para tecer a composição cênica, o enredo não é algo desprezível nessa montagem e, sem texto, ele desaparece.

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Na investida seguinte, fantasiei “o mesmo espetáculo” sem a mímica corporal, restando assim o texto de Marcos e o tom conferido pelas atrizes para pronunciá-lo. Fechei os olhos e a cena em si, os movimentos corporais/cênicos, ficaram por conta de minha imaginação. No entanto, alguns minutos adiante e o desejo de vedar os ouvidos se estabeleceu como urgente.

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A essa altura, não se fazia mais necessária a investigação sobre o elemento excedente: o tom de voz impresso pelas atrizes começou a tomar todo o espaço, toda a minha atenção, nada mais existia e, por pouco, o texto e a mímica, que nada tinham com isso, não sucumbiram também.

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A recomendação do professor Marcos Barbosa quanto ao que “pode e o que não pode” na criação resulta no indiscutível de que tudo pode e, nesse sentido, sabemos que hoje vemos de tudo. Que bom. Apesar disso, uma reflexão, que a mim mesma soa tacanha, mas que por enquanto encontra apenas uma saída, perturbou meus pensamentos desde que deixei o teatro na noite de Minha Irma: qual situação cênica, em 2017, seria “fortalecida” por esse tom de voz, senão uma situação de comédia na qual o objeto de riso seriam os velhos e conhecidos costumes, neles incluso esse tom de voz mesmo?

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[1] Cleise Mendes em As Estratégias do Drama, 1995.

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