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CRÍTICA O Bispo
REVERBERA Thor Vaz
CRÍTICA - O Sentido e o Homem Torto
REBATE Homem torto
CRÍTICA DA CRÍTICA - Entre o político e o estético (6)
RIZOMA - Para Nina Codorna(6)
ENCONTRO com Hamilton Lima (6)
ENSAIO Espectro das divindades (6)
SELFIE - Maloquêro

O sentido e o Homem torto, por Diego Pinheiro

Reverbera de Thor Vaz do espetálo Efeito Vortéx

Sob o manto de Bispo - Crítica sobre o espetáculo O Bispo, Por Igor de Albuquerque.

Rebate à crítica " O Sentido e o Homem Torto "de Diego Pinheiro 

Entre o político e o estético, por Laís Machado

Para Nina Codorna, por Alex Simões

Malôquero, Por Bárbara Pessoa

Espectros das divindades, por Thor Vaz

Hamilton Lima, por Alex Simões

Na Coluna CRÍTICA DA CRÍTICA, Laís Machado problematiza a crítica sobre obras assumidamente feministas, propondo uma visão além da questão temática, a partir da análise das críticas de Daniel Guerra e Alex Simões, sobre as obras Isto Não é Uma Mulata, Paulada Silva Selva e Obsessiva Dantesca, no texto Entre o Político e o Estético.

Alex Simões apresenta o seu poema rizomático, sob a luz negra da performance da drag queen Nina Codorna, Bohemian Rapsody, no texto Um Rizoma Para Nina Codorna, na Coluna RIZOMA. Alex também encontra o ator, figurinista, cenógrafo, aderecista e enciclopédia viva do teatro baiano, Hamilton Lima, no Beco dos Artistas. Veja na Coluna ENCONTRO.

 

Por fim, na Coluna SELFIE, a arte educadora, dramaturga e pesquisadora, Bárbara Pessoa, nossa mais nova colunista, traça suas vivências durante a apresentação de Maloquêro, espetáculo de Jhoilson de Oliveira, apresentado durante o evento Terças Pretas, projeto do Bando de Teatro Olodum, no Teatro Vila Velha.

 

Se joguem!

 

Boa leitura!

Sobre o senso crítico soteropolitano.

 

A cidade é dividida em três polos: a canonização, a cooptação e a indiferença. Dentre estes polos, a canonização crítica é a mais nefasta, pois é ela que promove os outros dois polos. Acima de tudo, a canonização possui a característica da manutenção de um determinado tipo de feitura cênica, propagando a ideia do que seria a linguagem teatral. Consequentemente, a produção crítica se disponibiliza a vigiar e dizer se aquilo é ou não teatro a partir dos chavões críticos que os artistas soteropolitanos estão acostumados a receber e/ou produzir. A canonização crítica também é responsável pelas reproduções, que ganham forma via alguns assaltos estéticos, de modo que em Salvador se diz: “Fiz um Brecht.”, “Fiz um Shakespeare.”, “Fiz um Nelson Rodrigues.”, “Fiz um Beckett.”, “Fiz um realismo.”, “Fiz um absurdo.”. A canonização crítica é um professor de história do teatro autoritário que preza pelo mais do mesmo.

 

A crítica da cooptação está na lógica do mercado, do próprio capital. Se efetua na tentativa de absorver algo novo, ou algo que ganha foco “no momento”, em sua própria feitura caduca. Salvador é experiente nessa colagem sinistra. Geralmente essa cooptação, que também pode se configurar em um assalto estético,

 

rouba quem ao seu redor produz; o artista roubado fica sem saber do assalto e não ganha referência, como é de praxe, no que se refere aos grandes teatrólogos do século XX.

 

Já a crítica da indiferença se justifica pela birra estética dos mantenedores do “bom fazer”. É a ferramenta crítica mais eficiente contra uma ameaça à supremacia das reproduções. A esse polo também chamamos de silêncio. Salvador é uma cidade aferrada e não seria diferente no que se tange a obras e outras inciativas culturais. Por isso, a BARRIL tenta lutar contra o silêncio crítico, esse gigante que defende o portão do cânone estético e crítico.

 

Na 6ª edição da Revista BARRIL temos duas CRÍTICAS: O Sentido e o Homem Torto, sobre a performance coreográfica de Eduardo Fukushima (SP) no IC – Encontro de Artes 2016, e Sob o Manto do Bispo, sobre o espetáculo Bispo, solo de João Miguel. Críticas compostas, respectivamente, por Diego Pinheiro e Igor Albuquerque. Eduardo Fukushima compõe o seu REBATE à crítica de Diego Pinheiro.


O ator e dramaturgo Thor Vaz, a convite da Revista BARRIL, atua em dose dupla nesta 6ª edição a partir de seu REVERBERA In Completo, movido pelo espetáculo Bispo (João Miguel) e na Coluna ENSAIO, com o texto Espectro das Divindades.

j u l h o

Rebate à crítica "O Sentido e o Homem Torto" de Diego Pinheiro

Fico feliz que conseguiu visualizar outros sentidos que vão além da semiótica ou de símbolos, que estou consciente que a performance sugere. Enxergo em seu texto um sentido inominável sobre o Homem Torto. E isso me mais feliz ainda.

Tive muitas dúvidas ao intitular esse trabalho como Homem torto pelo simples fato de ser um nome muito concreto e que carrega uma ideia clara de um conceito em relação aos movimentos tortos que estava trabalhando. No entanto, resolvi persistir nessa por também gostar de reconhecer o conceito na ação ou conseguir enxergar uma proposta clara onde o corpo se resolve e proporciona diferentes direcionamentos ao olhar e às possíveis leituras.

Sempre busco sentidos para cada gesto que realizo, uns sentidos são mais racionais ou por imagens e outros são puramente corporais (onde a sabedoria do corpo como um todo se manifesta e as palavras não dão conta). Homem Torto são vários homens em um, é um corpo em constante mutação. Sobreponho imagens e movimentos em frações de segundos, por isso acredito que pode gerar uma bagunça na percepção, onde um sentido fixo não permane-

Por Eduardo Fukushima

-ce e ao mesmo tempo não possui nenhum sentido escondido por traz. Amo a dança, pois é de sua natureza a abstração e não precisamos agregar muitos sentidos para ela ter sentido, saca?  Quem constrói o sentido é cada espectador, e isso já é a natureza da dança.

 

Ao mesmo tempo, comparo a criação de performance como a criação de um texto, onde escolhemos as palavras e o modo de distribui-las. O Vocabulário do Homem Torto é diferente do de Como Superar o Grande Cansaço? E assim por diante.

Gosto de apresentar um vocabulário de movimento que se repete e que durante a performance as pessoas vão se familiarizando com eles, reconhecendo-os e tomando-os pra si, como num discurso, um ato de fala. Mas ao mesmo tempo o movimento já carrega um sentido próprio onde as palavras não dão conta, embora proporcionem um exercício interessante de percepção e leitura.


Acho que o grande lance do homem torto são as milhares de imagens sobrepostas que apresento em um constante fluxo rápido. Enxergo um vômito de gestos também, e gosto que no final sugiro um apagamento desse

vômito através de uma corrida concreta para trás, como se tudo aquilo ou todo aquele esforço atrás não importasse de nada, não tem mais sentido em continuar.

 

O legal da arte é que brincamos com os sentidos sem criar um sentido claro e definido, como a vida é!

UM RIZOMA PARA NINA CODORNA

Por Alex Simões

Nina Codorna é uma drag órfã

que aprendeu a ser drag com o youtube

e não esperem que eu negue o fã

que sou dessa consequência de Ru

Paul Drag Race, nem que esconda que Gina

D’Mascar e que Michelle Mattiu-

zzi são minhas musas, como também Nina

Codorna, que, além de ser Drag Queen

e designer, não faz a linha fina,

ela é fina, meu bem, e dubla o Queen.

e  tá pensando que ela dubla hit?

também. mas dubla muito e até o fim

Foto de Marcos Xotoko

o Bohemian Rapsody e te

conto mais: trabalhada na luz negra

no lugar do microfone e de ti-

 

rar o fôlego : maquiagem

e   figurino bem fluorescentes,

compondo com rigor a personagem.

 

Malayka é real? drag é gente?

música e artista interagem

para dizer de modo contundente:

 

“Mother, matei o boy, sou drag, não filha!”

e quem não entendeu o meu bas-fond,

foda-se! e viva a Elke Maravilha!

Alex Simões entrevista Hamilton Lima. Um bate-papo com a memória do teatro baiano regado a cerveja no eterno Beco dos Artistas

Alex Simões encontra Hamilton Lima

Lembro da primeira vez que vi Jhoilson de Oliveira. Escola de Teatro, talvez 2008; éramos colegas de turma. Àquele tempo, não saberia definir o sentimento que seu sorriso largo e, às vezes, debochado me trouxe de imediato, mas ao reexperimentá-lo no espetáculo assistido, tive que retornar à outra escola: a Picolino de Artes do Circo, na década de 90.

Turmas particulares e Projeto Axé: assim, recordo-me que, por um bom tempo, eram divididos os grupos no circo. Em algum momento, todos nos misturamos e lá estava eu diante do sentimento que Jhoilson, mais de 10 anos depois, me  faria reviver. O fato é que, a essa época, não estabeleci relação alguma com os alunos do Projeto Axé: sentia-me boba em relação a eles, sentia receio que falassem de mim, que rissem de minha timidez e, por isso, baixava a cabeça sempre que nos cruzávamos – em síntese, eu não era maloquêra. Alguns anos depois, um pouco mais madura, quando retornei ao circo, pude reencontrar as mesmas pessoas e falar sobre esse sentimento que me desconcertava o olhar. Alguém me disse “você era muito fechada naquela época”, ao passo que respondi, querendo me referir a tudo de insegurança que carregava comigo: “eu tinha medo de vocês”. Imediatamente, percebi que minha fala era extremamente violenta: olhos assustados, sorrisos estancados e uma certa decepção naquele início de amizade em construção. Não me expliquei e carrego comigo o constrangimento meu, mas, sobretudo, do outro, provocado por essa fala, há muitos anos, ao mesmo tempo que, em Maloquêro, descobri exatamente o que significava, para mim, o sorriso de Jhoilson: o sorriso do abismo que não consegui ultrapassar na década de 90 e que tampouco soube descrever alguns anos depois, em diálogo. Foi esse sorriso, já mais tarde, na Escola de Teatro, e tudo que ele significou sensivelmente e que eu nem sabia, que iniciou, em mim, soteropolitana, apaixonada pela cidade em que vive, o processo de entendimento de que, definitivamente, eu não sou neguinha.

 

Ser maloquêro, sabemos, tem a ver com rua, tem a ver com frio e também com fome, mas tem, principalmente, a ver com ser caricatura sem, na verdade, caricaturar. É ser aquilo que julgam caricatura e não representar em caricatura, como, a muitos, pode parecer. Jhoilson, em cena, ginga a nossa capoeira pra falar dos corres que um maloqueiro faz, usa todos os termos que a Soterópolis nos ensina diariamente e isto só pode parecer caricatural para quem não conhece Salvador. Não há nada mais soteropolitano, em Salvador, que sua própria caricatura. Isso é Salvador. Né, não? E Jhoilson, simplesmente, é aquilo que quer ser do início ao fim do espetáculo: Salvador. O maloqueiro está diante de nossos olhos, não apenas por ser Jhoilson um homem negro, de sorriso largo e debochado, como dito, e por ser negra a cor de nossa pobreza, de nossa maloquêragem, mas porque o maloqueiro soteropolitano é aquilo ali e não teria como ser de outro jeito. Nesse sentido, considero Chumbinho, único personagem do espetáculo, superior ao Bispo (interpretado por João Miguel em espetáculo de mesmo nome, que assisti na semana anterior). O Bispo demorou, ao menos, 30 minutos, para ser, em cena, o Bispo; antes desse tempo, parecia-me alguém, num cenário bonito, falando, contando, narrando... sobre o que seria ser o Bispo. Jhoilson começa e termina maloquêro, sem explicar nada para tanto.

Terças Negras, 16 de agosto, Maloquêro, Teatro Vila Velha

Por Bárbara Pessoa

Somado a isso, posso dizer que Maloquêro é uma peça educativa. Frases simples, como “Drogas são tudo aquilo que bate onda: café, dorflex, seu remédio pra dormir, açúcar”, mostram a capacidade deste monólogo de transitar em direção oposta à do discurso padrão de uma sociedade injusta (que criminaliza a pobreza e elege traficantes e usuários pela cor de sua pele, pelo lugar onde moram) e hipócrita,  que se droga para acordar e para dormir, para sentir fome e para saciá-la, mas não se considera drogada, já que a maioria de suas drogas são lícitas e, por falta de interesse em entender sobre o assunto, baseiam seus argumentos na lei, aquela mesma que costumam infringir quando lhes interessa - como quando escolhem beber e dirigir, por exemplo, mas, podendo pagar dois mil reais em multa, podem também não se considerar criminosos ETC.

 

Vários aspectos, que seguem a mesma lógica educativa, descrita no parágrafo anterior, chamaram minha atenção em Maloquêro. Em todos os momentos, fui remetida a meus privilégios. A peça prossegue bem humorada, sem deixar a nós, plateia, nos esquecermos diante do que estávamos: ao final das contas, da loucura que é imposta àqueles que, fora de qualquer situação de privilégio, são impelidos a viver, como se isto, viver, fosse a tal dádiva, irrecusável. Pensar assim, em dádiva, só pode ser um privilégio – parece-me, à medida que a peça segue. Maloquêro é um espetáculo monólogo porque monologam os maloqueiros, os loucos; uma peça sobre incomunicabilidade, sobre abismos, sobre impossibilidades.

"Olhava para os seus companheiros de trabalhos forçados e ficava apreensivo: como todos eles amavam a vida, como tinham apreço por ela! Ele mesmo teve a impressão de que na prisão ainda a amavam e apreciavam mais, e a tinham em maior apreço do que em liberdade. Que terríveis tormentos e torturas não teriam experimentado alguns deles, principalmente os vagabundos! Será possível que possa valer tanto para eles um raio qualquer de sol, um matagal, uma nascente fria em confins ignorados, marcada há coisa de três anos e que o vagabundo sonha encontrar como sonha com uma amante, vê a nascente em sonho, a grama verde ao redor, um passarinho cantando num arbusto? Escrutando com o olhar ainda mais longe, ele percebia exemplos ainda mais inexplicáveis." * Fiódor Dostoiévski em “Crime e Castigo”.

Por Diego Pinheiro

O Sentido e o Homem Torto

Em 2009, quando eu era um calouro do curso de direção teatral na Escola de Teatro da UFBA, fui ver uma série de performances na Escola de Dança, da mesma universidade. Dentre muitas das ações performáticas, acabei ficando vidrado numa “coreografia” na qual o dançarino ficava durante mais ou menos 30min pulando num pequeno pula-pula. Os pulos, ora muito altos, ora bem encurtados, tinham me hipnotizado. Algo muito além das interpretações e decodificações tinha me consumido. Me interessei pela performance a ponto de ir conversar com o dançarino e fazer algumas perguntas – que eu não me lembro –, e ele, com uma jactância, um misto de Gerald Thomas com Rogério Skylab, disse: “Besteira. Eu só queria me movimentar”.

Não sou um entendido em dança, mas sempre me pareceu que a dança contemporânea, enquanto área de experimentação estética, era um espaço pronto para ser o grande traidor de qualquer convenção absoluta. Obviamente, como qualquer outra iniciativa estética que busca pelo novo, a dança contemporânea também é um espaço passível de canonizações, de modo que podemos ouvir se isso, ou aquilo, é contemporâneo ou não. Mas há um aspecto nessa área que sempre me interessou.

A obra de Eduardo Fukushima, que sustenta em seu nome a síntese estético-discursiva, Homem Torto, sustenta uma das maiores provocações que a Dança Contemporânea nos oferta. Tal qual o “pula-pula”, mas com o bônus de um corpo que vibra todas as suas complexidades, há uma espécie de circunscrição, uma lupa sobre uma homeopática e periódica manifestação que transcende a qualidade física e ou orgânica na performance de Eduardo. Sobretudo, excede o entendimento simbólico como estamos acostumados a nos posicionar em arte. Seria, pois, uma “estética da vazante”, do refluxo.

Há o pensamento acadêmico de que as obras que lidam com as redundâncias optam por este excesso para atingir um esvaziamento. Diriam

Foto de Inês Correa

Assim vi a passagem do Homem Torto, um corpo vazante, vomitando “o torto”, um mesmo código que, uma vez esgarçado, me leva para outras paragens sem perdê-lo de vista.

Crítica Sobre Homem Torto, de Eduardo Fukushima (SP), desenvolvida a partir da CRÍTICA IMEDIATA, proposta pela Revista ANTRO POSITIVO, para a cobertura do IC – Encontro de Artes 2016.

os acadêmicos: “esvaziar o sentido através de recursividades”. Assim se fala sobre os absurdistas, em especial os dramaturgos absurdistas. Existe nisso tudo um grande equívoco estético, filosófico inclusive. Ora, um Beckett entende o encargo filosófico que é a execução do movimento contrário, a vazante. Realizar o movimento contrário seria usar o código, devolvendo-o à extensão dos excessos, o sentido. Não há como esvaziar sentidos, mas sim o símbolo e seus significados. Vomitando-os. Estar vazio dos significados, ou seja, agenciar um esvaziamento simbólico, é transcender o símbolo, verticalizar até chegar no campo dos excessos.

Por essa via, o sentido nunca é vazio, nunca é inerte e nunca será indolente. É o espaço da superabundância de relações. Via contrária das leituras, das interpretações e da decodificação do expectante. A linguagem tem dessas, ao mesmo tempo que é a areia movediça para todos aqueles que se fascinam pela performatividade nua e crua; o sentido, é o caminho para o sentido.

Para Fukushima, há transcendência simbólica no “vergar-se”, “entortar-se”, que se apresenta num corpo aparentemente frágil/vigoroso/entorpecido/ágil/frenético/lento, e nos lança uma gama de outras repercussões. Em contraponto à explicação do projeto, em minha crítica imediata disse que não é só o corpo frágil que é aparente, mas tudo aquilo que se performa em Homem Torto. Retificaria dizendo que a questão não é o “aparente”, mas sim o enredamento, a complexidade de cada uma dessas qualidades. A superabundância que se produz a partir dos movimentos em repetição.   

A circunscrição, organizada por duas ações, ir e vir, responsáveis técnicas do espaçamento da performance, emoldura essa manifestação íntima reverberada em movimentos recursivos por Fukushima, a base de uma música incidente e irruptiva que me faz lembrar de algumas iniciativas do Louis Andriessen. Essa vazante, esse vômito lançado em movimentos, se torna a

performance de um corpo que recebe e continua recebendo muitas coisas.

 

Quando Fukushima para em minha frente, estabelecendo assim um contato visual comigo, há ali um vácuo, espaço de múltiplas relações e momento de fomentação da própria performance, consequentemente, fomentação de minha própria expectação. É difícil para mim, enquanto crítico, dizer, clarear o que ali passou. Eduardo diria, então, que é um corpo, “uma dança que passa” aos meus olhos; assim, simplesmente e inexoravelmente abstruso.

 

Assim vi a passagem do Homem Torto, um corpo vazante, vomitando “o torto”, um mesmo código que, uma vez esgarçado, me leva para outras paragens sem perdê-lo de vista. Foi uma interessante experiência, diga-se de “passagem”, performar minha visão ali, e confirmar que a visão de uma plateia imersa na penumbra de um teatro, também pode ser justificada de maneira estética. Sobretudo, o corpo em Homem Torto me diz que “há muito mais coisas dentro de um símbolo do que supõe nossa vã semiologia.” 

C R Í T I C A

R E B A T E

O ator e dramaturgo Thor Vaz, reverbera o espetáculo Bispo, solo com direção e atuação de João Miguel.

R E V E R B E R A

Por Igor de Albuquerque

Sob o manto de Bispo

Os versos das velhas cantigas entoadas pelo Bispo chegam primeiro aos ouvidos mais bem posicionados na arena do Vila. Há algumas poucas esteiras no chão, deitadas quase dentro do cenário e, mesmo sendo uma das últimas pessoas a conseguir o tão disputado ingresso, ainda é possível sentar ali. Será vergonha, medo ou amor à cadeira a razão daqueles lugares privilegiados estarem vazios?

“Passarinho tá chamando, Passarinho tá chamando.” Aos poucos surgem as palavras cantadas que terão destaque no decorrer da próxima hora e meia. São as canções apreendidas por Arthur Bispo do Rosário desde seu “aparecimento” neste planeta até seu internamento na Colônia Juliano Moreira, fase embaciada que até hoje intriga seus biógrafos. O esforço de explorar com dignidade e potência a faceta musical de Bispo compensa, pois se acaba criando uma espécie de boia abstrata, em meio ao mar revolto a ser vencido, de modo que o espectador terá onde se agarrar. A voz de João Miguel materializa os versos simples e cintilantes da música popular mais remota cuja beleza muitas vezes escapa aos ouvidos megalometropolitanos. São cantigas, ladainhas, música sacra. Um mergulho nos mistérios da cultura que a própria obra de Arthur Bispo do Rosário propõe, processo que leva à conclusão de que o olhar que divisa alta e baixa cultura só serve mesmo para revelar a estatura tacanha de quem enxerga o mundo assim.

 

Porque a lâmina da vida adulta nos corta um pedaço a cada ano que passa. Crescemos, crescemos e já não cantamos mais, paramos de desenhar; tocarmos uns nos outros então, só nos abraços protocolares, e olhe lá. Adeus, pega-pega. As construções (casinhas, fazendinhas, cidades) que outrora montávamos com madeira, lego, tecido ou pedras, são substituídas pelo planejamento de nossas carreiras e da interessantíssima vida afetiva.

 

Recriar o mundo em miniatura seria mesmo maluquice?

Bispo tinha lá seus problemas com a palavra arte: “Tão dizendo que isso que eu faço é arte, isso não é arte, é minha salvação na Terra”. Mas havia um sentimento que ele compartilhava com muitos artistas: uma certa obsessão de ordem. Ou de reordem, isto é, uma inquietação que faz o sujeito agir no sentido de reorganizar os elementos do mundo para dar-

Outro aspecto que diz respeito ao andamento do espetáculo é o humor. Uma das reações comuns diante do louco é o riso, um riso automático em resposta ao fascínio, mas que também forma um escudo de espinhos que fere o outro.

lhe novas formas. O Coletivo Bispo encena cuidadosamente a agonia que bate nas veias de Bispo e de seus pares. Os deslumbres transmitidos pelos olhos do ator ao fundo do tablado chegam em lampejos claros: “vai ser tudo plano”, ele diz em seus devaneios estético-proféticos. Isso em meio ao cenário móvel composto por objetos/instalações, que cresce a cada nova fala. Assim  o espectador vai sendo engolido pela nova harmonia desfiada através das mãos de Arthur Bispo do Rosário. Talvez a cena que mais adense esse complexo processo cênico seja o segmento no qual, em crescendo, o artista faz sucessivos ajustes nos elementos do cenário até esgotar todo o barbante que tem para desenhar um painel vertical ao fundo.

Como é de se esperar, a dimensão filosófica explorada pelo espetáculo vem aliada à religião. “Existe três verdades, a minha verdade, a sua verdade e a verdade”. Uma das monomanias de Bispo era a “passagem”, o dia do Juízo Final, quando todos os nomes bordados em seu manto ressurgiriam para fazer-lhe companhia na eternidade. É no mínimo curioso observar que a plateia ri bastante dessas doidices, desse papo de Salvação, sendo que boa parte dos que ali estão é cristã, ou em alguma medida crê no além-túmulo. Como posso afirmar? Ora, mera questão de estatística. Um dos momentos mais divertidos da peça é quando a libido de Bispo vem amalgamada à sensualidade dos objetos, bem como à sua mística exótica: ele exibe os porta-seios e os sapatos extra-finos que coleciona; no paraíso de Bispo Nina Hagen vira Nina Hagen Maria de Jesus; Vera, Vera Fischer Maria de Jesus.

Outra de suas Marias de Jesus é Rosângela. Embora aqui a coisa não seja engraçada. Rosângela Maria Grilo Magalhães era estagiária de psicologia quando conviveu com Bispo na Colônia Juliano Moreira. Foi a mulher pela qual ele se apaixonou. O afeto nutrido pela profissional de saúde se espalha pelo teatro como névoa trágica, pois, para além da condição do esquizofrênico curvado ante a paixão inconveniente, resta a débil condição humana, sem pé de apoio para permanecer firme após a rasteira.

 

Pausa.

 

Respire, inspire.


Talvez seja escusado dizer que a respiração correta seja fundamental para o funcionamento de todos os elementos aqui

analisados, mas para sentir os poderosos arquejos de João Miguel sem se maravilhar, só mesmo sendo um espírito muito técnico. Principalmente na primeira metade do espetáculo, quando se é sugado para o redemunho do universo de Bispo, os devaneios são vociferados de maneira tão intensa – o sopro arfante, a tez rígida –, que as frequências de pele e de sangue desenfreiam – em todos. Os seres que dividem o lugar com João-Arthur habitam temporariamente outro espaço.

Outro aspecto que diz respeito ao andamento do espetáculo é o humor. Uma das reações comuns diante do louco é o riso, um riso automático em resposta ao fascínio, mas que também forma um escudo de espinhos que fere o outro. Não pretendo ser profundo a esse respeito, entendam comum como construção social preconceituosa e problemática que precisa ser revista. No entanto, todos nós já rimos do doidinho da rua, e continuamos a rir quando ouvimos loucuras. Justamente nesse terreno movediço, o texto de Bispo (escrito por Edgar Navarro) reelabora criticamente os dispositivos da comédia, através de frases irreverentes e repetições (“O sujeito quando é meu...”, “Eta, pau”) seguidas de reprimendas (“Muito riso, pouco siso”). Tudo muito rapidamente, como se fosse o jogo de se olhar no espelho alternando humores via expressões faciais. Desse modo, os monólogos cômicos emulam a célula rítmica dos pentâmetros iâmbicos: a batida fraca é o riso, a forte, o baque reflexivo. Nada de gargalhada solta.

 

O final a la Fellini eu me recuso a descrever. Deixo a lacuna para ser completada por quem ainda puder ir a “Bispo”. Antes da passagem.

C R Í T I C A

Por Laís Machado

As discussões acerca do feminismo vêm se popularizando. O número de obras teatrais/performáticas assumidamente feministas vêm crescendo. Entretanto, todas as tentativas de problematização da misoginia nas artes ainda permanecem num campo estrutural (de formação, de composição, de produção, de mercado e etc). Diante do número crescente de obras que tratam desta temática, está na hora de aprofundarmos na discussão poética destes acontecimentos.

Para que isso comece a acontecer, acredito serem necessários dois fatores: 1- que feministas passem a criticar obras feministas. 2- Que nos atentemos às conexões entre forma e discurso engendradas por essas criadoras.

 

O primeiro texto que escrevi aqui foi UMA DOR DE DENTE E "CONFISSÕES DE MULHERES DE 30" na coluna Treta. Onde questionei a representação sócio-política da mulher naquele espetáculo. Escolhi denunciar um espetáculo incômodo ao invés de afirmar outras potências. O que fez com que três obras assumidamente feministas que foram criticadas pela Revista Barril, na distribuição das colunas e interesses, não fossem criticadas por mim. Mas por homens.

Assumo aqui o Mea Culpa, que positivamente foi o motor do presente texto.

A partir das críticas Das Fissuras Sincopadas (Crítica de Isto Não É Uma Mulata – escrita por Daniel Guerra), Paulada da Selva (Crítica da performance Paulada Silva Selva de Paula Carneiro – escrita por Daniel Guerra) e Notas Musicais Para Uma Obsessiva Dantesca (Crítica do meu solo Obsessiva Dantesca – escrita por Alex Simões), pretendo apontar aspectos que poderiam ser aprofundados mas que deixaram de ser por esbarrarem na parede do que ela diz X como ela diz.

É preciso sempre lembrar que o feminismo é uma ideia. A ideia de que é necessário a criação de um mundo onde os direitos sejam distribuídos de maneira mais equânime entre os gêneros e ao mesmo tempo o fim da classificação de gênero. Assumir-se feminista é uma ética. Uma escolha de um posicionamento na vida e diante das opressões, onde paulatinamente vamos nos sentindo mais seguras de nós mesmas.

 

Quando esta ideia e ética são colocadas em obras de arte nos deparamos com experimentações poético/estéticas.

 

É importante destacar o termo experimentação aqui.

 

Em sua crítica à Obsessiva Dantesca Alex Simões destaca: Arte e vida misturadas significam. Se na vida estamos experimentando formas de enfrentarmos as estruturas misóginas do cotidiano, das relações, dos afetos e etc, temos experimentado maneiras de enfrentarmos as estruturas misóginas e colonialistas que organizam nossas criações. O que acontece em uma acontece na outra.

Todas as três obras criticadas esbarram na estrutura de sua performatividade pretendida - que afinal encontra-se concentrada no aspecto autobiográfico - e a superfície de representação simbólica, discursiva. Este é o lugar da mulher que se assume feminista. Entre a sua subjetividade e a autoimagem produzida por uma sociedade que a simplifica. Entre sua individualidade e um coletivo que a representa. E ainda se tratando de mulheres negras, entre a animalização a qual a mulher negra é submetida e a estereotipação que as mulheres de maneira geral o são.

Mas na crítica de Daniel sobre Isto Não É Uma Mulata, ele preferiu analisar os aspectos performativos X os aspectos representacionais. Embora diga que pretende permanecer [...] justo na fissura entre, o entre escapa ao crítico. O entre na obra de Mônica, na de Paula e na minha, é forma e é tema. O entre é potente, criador e desnormatizado, logo um espaço propício a experimentação.

Ainda no texto Das fissuras sincopadas, o crítico apresenta um paradoxo presente na obra de Mônica Santana “a morte da representação e uma busca de representatividade”.

Estamos falando de outra representação. Uma representação política. Uma representação de outras possibilidades de existência. Abandonando a passividade do “estou falando em nome de algum grupo ou de alguém”, para um “estou aqui (dentro de um contexto), isto é um signo e eu falo”. Mas ainda assim, representação.

ENTRE O POLÍTICO E O ESTÉTICO

Se tratando da discussão da mulher (e em principal da mulher negra), que é multidimensional, morte da representação e busca pela representatividade, são a mesma coisa. Não há paradoxo senão num olhar também colonizado pela branquitude e misoginia, como é nosso olhar de maneira geral. Para quem nunca se viu, complexamente, representado, matar o sistema de representação é ser representado.

 

Mesmo na obra de Paula Carneiro, que se aproxima mais da performance, tais elementos também se apresentam. Segundo o crítico: Distingue e apropria-se do inominável no acontecimento, e não do descritivo do fato. Troca o policialesco pelo comunal, a denúncia pela invocação, a repetição pela diferença. Mas ainda assim, representa uma mulher, representa todas as mulheres que declararam se sentirem estupradas quando o estupro dos 33 homens aconteceu, ou no mínimo representa uma buceta.

Estamos falando de outra representação. Uma representação política. Uma representação de outras possibilidades de existência. Abandonando a passividade do “estou falando em nome de algum grupo ou de alguém”, para um “estou aqui (dentro de um contexto), isto é um signo e eu falo”. Mas ainda assim, representação.

 

Outro fator importante de destacar é que das três obras, duas são de mulheres negras, cuja circunstância dentro do feminismo diferencia-se em um aspecto importantíssimo: Enquanto mulheres brancas gritam “eu não existo assim”, mulheres negras ainda precisam gritar “eu existo”. O que coloca o caráter de denúncia ainda muito presente nas obras, uma vez que muitas denúncias ainda não foram feitas. E a denúncia no contexto da cena, não é apenas denúncia é um posicionamento estético. E dentro do contexto de experimentação, será em breve qualquer outra coisa, mas antes de ser é preciso tornar-se.

 

Temos aí outro trabalho em paralelo: Demos tempo a denúncia para que esta transforme-se livremente e sem pressa. Mas estejamos atentas para os sinais de mudança dados por ela, para não incorrermos na lógica vigente de cristalização dos elementos que compõem a cena.

 

Em Notas Musicais Para Um Obsessiva Dantesca, Alex Simões destaca um aspecto do espetáculo que tomarei emprestado aqui para pensarmos a resistência que os artistas contemporâneos têm com o elemento denúncia:

As armadilhas são muitas e as reações são mais ou menos as mesmas. É importante apontar que o monotematismo está mais na reação de quem diz “lá vem ela falar sobre a questão da negra” ou  pergunta “existe arte negra?” do que em quem diz seu lugar de fala. As armadilhas da linguagem podem ser rasuradas com a expressão “dicotomias da linguagem”. Talvez uma das maiores perversidades do processo estruturante de exclusão das subjetividades minoritizadas seja responsabilizar as insurgentes por uma dicotomização, por um pensamento binário, como se a dicotomia não estivesse sempre ali, hierarquizando e silenciando.

 

E ainda acrescenta: As dicotomias estão postas e ressemantizá-las é preciso.

O como é devir.

C R Í T I C A  D A  C R Í T I C A

R I Z O M A

E N C O N T R O

Estava lendo, isso sempre faz o sujeito refletir e lembrar. Então, primeiro me lembrei de Daniel, que o tempo em que passei confinado com ele e com meus oito companheiros foi muito marcante. E, indiscutivelmente, ainda desfilo as cicatrizes desta época.

Agora as reflexões. Na verdade venho, cada dia mais, enraizando os conceitos que me aparecem menos nebulosos, acerca da minha própria essência. Pra mim estão cada vez mais claras, (talvez sempre tenham estado) as máscaras que usei constantemente no passado como ferramenta para transitar em diversos meios, e me comunicar em todos os aspectos. Em minha juventude, servi a um circo social como um macaco adestrado, e com isso tive êxito em meus empreendimentos mais diversos. Fazem parte também da arte da atuação a manipulação e dissimulação. Estes são conceitos de construção de estruturas sociais, e para um ator competente é importante o seu domínio. Eu fui um homem espetacularizado cotidianamente, pois acreditava que através da exacerbação alcançaria o êxtase. E não fui equivocado neste ponto.

 

O caso, é que com o passar dos anos, eu cansei deste personagem. Um personagem assim tão intenso, detalhadamente excessivo, ainda que encantasse e causasse furor, era cansativo em demasia, e eu não podia sustentá-lo por mais tempo. Ao passo que o meio também me possibilitou que o abandonasse por completo, e com isso pude estudar o meu contínuo desnudamento até que o espelho mirasse a minha essência.

 

Se eu remontar o passado, posso concluir que esta experiência se dá desde anos atrás. E não poderia ser diferente, tal processo é enfadonho e requer uma explosão interna contida, em que tudo precisa corroborar para que aconteça, e não acontece de uma hora pra outra.

 

O caso é que agora, neste momento, me vejo sem máscara, tanto que tenho extrema dificuldade de comunicação. Preciso lembrar-me, constantemente, como falava com fulano ou que gestos usava para interagir com ciclano, e por isso é mais cômodo ficar em casa. Entretanto, realizando o meu trabalho – quando o faço – tenho tido mais facilidade para compor uma personalidade conveniente. Existe um peso imenso em estar despido, mas na hora em que é necessário “fantasiar-se”, ou, melhor dizendo, construir o corpo a partir da essência exposta, encontro maior facilidade.

 

Devo dizer, com certo medo de ser equivocado, que tenho buscado a santidade.

 

A santidade do dia-a-dia é a mais trabalhosa. Romper os vícios. Descaracterizar os débeis desconfortos. Assumir a importância dos seres que te rodeiam... E a mais prazerosa e fácil (quero falar desta) é a santidade dos eventos extracotidianos. Que nos transportam pra fora do nosso não-mundo. A ideia do teatro como meio de transporte. Ao que chegamos a estes relatos que expõem minha arte cênica:

RELATO 1

 

Fez-se imenso. Coeso, inteiro. E assim tudo tomou aos seus braços e tudo era os seus braços e assim tudo acalentou e ninou e bendisse. Quando a evolução se deu, e o produto de seu poder – por magia e beleza – pareceu crescer mais que O CRIADOR intuiu dividir-se e multiplicar-se e vivenciar-se enquanto outros. Sendo outros, clamou a si mesmo, bendisse a si mesmo e a si mesmo amou. Ao passo que sendo outros também, odiou ao próprio si, praguejou contra o próprio ser e também matou-se, um ao mesmo um. Ainda em sarcástica beleza de magia, fingia-se esquecer de ser a si e ser o outro, porque perdoava a si mesmo enquanto um outro si à si julgava e condenava e punia e prendia – e prendendo torturava e matava. Enquanto a magia da multiplicação fazia voltar ao inicio o homem – em outro ponto de partida, como que indicasse que o homem nasceu no passado e por isso nunca surge do zero.

 

Ao longo de toda longa estrada, vem mais um e mais outro e ainda outro e outro multiplicado do mesmo ser original a quem desconhecem e chamam de pai. Qual pai não reconhece e acalanta o próprio filho? Qual pai se cega a ver-se multiplicado em filhos? Ao que alguns reconhecem: -Somos galhos de uma mesma árvore. – E a todos trata por irmãos.

 

Hoje sinto algo como o vazio. O oco.

 

É uma saudade enraizada da lembrança do futuro. Ás vezes tenho a impressão de que todos temos a necessidade de nos descobrirmos mortos a longos anos. Como quem de repente se dá conta que morreu há 20 ou 30 anos atrás. Por isso essa estranha necessidade de ouvir a mesma música repetidamente. E permanecer ligados ás mesmas pessoas. Como se tu tivesses a alma dividida. Repartida entre irmãos – não de forma justa, cabendo a um ou a outro um quinhão maior.

Espectro das Divindades

Por Thor Vaz

Foto de Thor Vaz

RELATO 2

 

A questão não é (e nunca foi) formar uma supremacia aqui. Não existe sentido lógico pra isso, esta supremacia do paraíso já existe em diversos espaços/tempo, primo/irmãos deste, até mesmo em graus nem sequer imaginados. Existe um aglomerado que emana uma energia em uníssono- que não posso chamar de energia de cura porque não existe enfermidade.

 

A questão é auxiliar. Sempre auxiliar. Não somos os protagonistas aqui, não se trata do nosso bem estar, não se trata da realização dos nossos desejos. É a realização da necessidade deles. Dos enfermos. Viemos propiciar a construção da estrada para cura, a qual precisa ser percorrida por eles. Existe sim uma ansiedade, até uma privação da lógica, um frenesi pelo fato de detectarmos certa lentidão na evolução dos processos de emancipação mental/espiritual. Isso ocorre, provavelmente, por termos a nossa noção de tempo/espaço completamente nebulosa, temos os olhos embaçados de fumaça justamente por estarmos em meio ao fogo. Contudo é necessário lutar contra estes instintos primitivos que tanto nos perturbam neste contexto tempo/espaço específico.

 

Também não devemos nos compadecer em demasia pela condição sensível daqueles que desistiram. Desistir é compreensível, mas não faz de nenhum de nós vítima do processo.

 

Não existem vítimas. Existem homens e mulheres que esperam acessibilidade. E a acessibilidade tem chegado ao encontro deles, cada vez mais, também por nosso intermédio.

 

Devemos ter em mente também, que as castas de segregação comumente utilizadas entre eles, aquelas que os definem entre si, para nós nada representa. São ilusórias, ingênuas, menos que medíocres. Por isso tenhamos em mente que homens e mulheres (de espírito) esperançosos transitam em todas as classes sociais e intelectuais, gêneros e idades, credos, raças, nações.

 

Devemos ter cuidado ao aceitar que existem homens melhores que homens. O melhor é que não aceitemos, pois quase sempre erramos nisso. O que hoje chamamos de raça humana, talvez possa ser diferenciada apenas em dois nichos: Espíritos de acesso e espíritos em acesso, sendo os segundos 99% dos homens.

 

Essa é a exposição grosseira, obviamente. Que de fino só o tato toca. Só o atrito. O ato. A via é o conteúdo. O ator é a cena. Tudo está contido no óbvio, mais que uma cabeça de alfinete que condensa o universo conhecido e desconhecido, pronto à explosão. Eu sou o átomo, e eu carrego a responsabilidade de ser. Devo concluir com o diálogo que encerra o meu derradeiro texto escrito, em que tento desenvolver a ideia da função do ator:

 

UM ATOR

Eu sou uma divindade.

O AUTOR

É uma representação de. Você é uma representação de.

UM ATOR

Isso já é muito.

O AUTOR

É. Todos os homens são a representação de. É a função do divino. Dar função ao homem.

UM ATOR

Mas eu sou um ator. É a minha função.

O AUTOR

Essa é a função de toda mulher e homem. O ator, por si só, não tem função. A não ser essa. A medíocre função de apenas ser humano.

E N S A I O

S E L F I E

editorial ed 6

V.1 n.6 2016

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