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CRÍTICA - RUÍNA DE ANJOS
REVERBERA DE YURI
CRÍTICA ABISMO
REBATE DE THIAGO
CRÍTICA DA CRÍTICA 2
TRETA 2
RIZOMA
ENCONTRO 2
ENSAIO 2
SELFIE 2

O Artista Como Réfem do Pensamento

Crítico Implícito do Prêmio Braskem de Teatro (BA)

Vidro Fumê - Crítica do espetáculo Ruína de Anjos, por Laís Machado

Reverbera de Yuri Tripodi do espetáculo Castelo da Torre

Onde se abrem os abismos - crítica do espetáculo Abismo, por Daniel Guerra

O Artista Como Réfem do Pensamento Crítico Implícito do Prêmio Braskem de Teatro (BA), por Diego Pinheiro

Teor [étic “a” s] - Rizoma Para Lilith In Concert, por Diego Pinheiro

O vento da Cruviana, Por Igor de Albuquerque

Dançar para não surtar, por Laís Machado

NARRATIVA DO AGORA - O diálogo enquanto guerrilha metogológica, por Victor Bastos

Beco Ocupado e Mínimos Óbvios, por Daniel Guerra

Rebata à crítica 'Onde se abrem os abismos' de Daniel Guerra

A Barril – Revista de Crítica das Artes Cênicas chega em sua 2ª edição com a certeza da necessidade do fomento da crítica soteropolitana. Construir diálogos e reverberações são algumas de nossas aspirações, e a Revista é um chamamento para estreitar relações com os artistas e dinamizar a produção de pensamentos críticos em artes cênicas.

 

Para a Barril se torna indispensável a construção dessa rede de contato entre os artistas. Transferir o olhar crítico para os próprios fazedores, acabando com um olhar/pensamento mais frio e distanciado, se torna movimento transcendente, emancipação dos próprios artistas de uma análise calcada numa caduca representatividade. Olhar sobre si e sobre o outro, sem alheamentos. Ou seja, nossa Revista preza pelas mãos sujas daqueles que esquadrinham tais análises – que também são agenciadores do campo artístico.  

 

Nesta 2ª edição temos duas CRÍTICAS: Vidro Fumê e Onde se Abrem os Abismos. A primeira feita por Laís Machado ao espetáculo d’A Outra Companhia de Teatro, Ruína de Anjos, obra indicada a Categoria Especial do Prêmio Braskem de Teatro (BA) 2015 pela sua “intervenção urbana” no bairro do Politeama em Salvador. A segunda, feita por Daniel Guerra ao espetáculo Abismo do Teatro da Queda, que fez apresentações na ocupação Beco Ocupado, projeto também causado pelo grupo. Em

 

 

-ções Artísticas em Salvador, a exemplo das duas citadas, além de abordar outras questões como política, estética e urbanidade.

Em Narrativa do Agora - o diálogo enquanto guerrilha metodológica na Coluna ENSAIO, Victor Bastos propõe

uma irrigação de questões sistêmicas para um oferecimento de novas conceitualizações éticas em arte.

 

Por fim, a SELFIE de Laís Machado, que analisa sua própria “dança da cadeira” ao assistir o bloco de apresentação da Categoria Melhor Atriz no Prêmio Braskem de Teatro 2015 no texto Dançar Para Não Surtar.

 

É com muita satisfação e com muito fôlego que lançamos esta 2ª edição da Barril. Seguimos com nosso intuito de revigorar a produção crítica em Salvador e crendo na composição e difusão de redes entre artistas. Qualquer coisa estamos por aqui.

 

Boa leitura. 

 

 

 

seu REBATE, Thiago Romero (Teatro da Queda) lança seu olhar para os pensamentos delineados por Daniel.

 

A convite da Revista Barril, Yuri Tripodi produz a sua reverberação performativa, arfante e no Contratempo do espetáculo O Castelo da Torre, do Grupo Vilavox, na Coluna REVERBERA.

 

Na Coluna CRÍTICA DA CRÍTICA, Diego Pinheiro coloca como alternativa de análise, devido à escassez de produção crítica na cidade, o que chama de “pensamento abissal” a partir do texto O Artista Como Refém do Pensamento Crítico Implícito do Prêmio Braskem de Teatro (BA).

 

Igor Albuquerque evoca o fantasma do Nobel, “que pesa toneladas”, materializado no figura do escritor Gabriel García Marquez, que serviu de inspiração para a montagem O Vento da Cruviana do Grupo Finos Trapos, na Coluna TRETA.

 

O texto/poema [des]concreto Teor [étic “a” s] de Diego Pinheiro tenta traçar um pequeno mapa de referências do que foi captado ou inventado, ou projetado pelo crítico a partir de sua partilha com o espetáculo Liliths In Concert do Coletivo das Liliths na Coluna RIZOMA.


Daniel Guerra (Revista Barril) encontra Thiago Romero (Beco Ocupado) e Djalma Thürler (Mínimos Óbvios) na Coluna ENCONTRO. O encontro teve como tema a importância das Ocupa-

 

a b r i l

Por Diego Pinheiro

Como salientado na edição anterior da Revista Barril pelo parceiro Daniel Guerra, a coluna Crítica da Crítica se propõe a organizar reverberações de outras estruturas de pensamento crítico sobre as obras artísticas no campo das artes cênicas soteropolitanas. Ou seja, se configura enquanto ensejo de alimentar e problematizar o debate quanto a produção crítica, além de propor uma multiplicidade de visões sugestivas a uma obra. Mais uma vez nos deparamos com a ausência de textos que, em primeira estância, esta coluna buscava depender.

 

A partir desta falta, fiquei esboçando um pensamento decerto abissal, mas que poderia nos permitir a uma análise minuciosa do discurso crítico debaixo dos tapetes estético-políticos de algumas mídias e/ou iniciativas. Seria o caso de organizar o olhar no intuito de entender e discutir possíveis representatividades artísticas e de como estes entendimentos, a partir desses meios de comunicação que constituem um olhar para a produção em arte, ganham a complacência de uma parte significativa da “classe”. Com o advento da ausência de um pensamento crítico e imanente em arte, se abre o espaço para que outras camadas assumam tal responsabilidade sem necessariamente terem condições aderentes – seria o caso de estarmos definitivamente atentos a isso quando nos referimos a problematizações de um pensamento crítico. É essa a condição da maior, e única, premiação no campo teatral soteropolitano: o Prêmio Braskem de Teatro.

 

Particularmente, sustento um grande pavor de competições. Submeter-me a um teste, prova e/ou competição acaba por se configurar numa situação desconfortavelmente nervosa, o que me faz estabelecer uma distância expressiva de tais situações. Além de achar que a competição flerta com uma organização neoliberal, sinto que de alguma forma possa existir de minha parte um certo medo de lidar com o ego em vez de ajuntar pujanças – o ego entendido aqui da forma mais ordinária de seu juízo, o pedantismo. Essa minha condição psíquica quanto a enfrentamentos institucionalizados não significa que para mim tais inciativas devam se extinguir, tendo em vista que competir é uma das condições funestas e mortais de nossa atualidade – condição terrível.

 

No que se refere a única premiação do teatro soteropolitano, o Prêmio Braskem de Teatro, me incomodava originalmente, e ingenuamente, a necessidade de competição aliada a política dos editais. Pensava “como se não bastasse eu competir com colegas para ter dinheiro e executar a minha ideia, tenho que me submeter a uma competição glamorosa e quase sempre dogmática”. Dois de meus trabalhos foram indicados em algumas categorias e em situações bastante diversas, e fui entender a premiação de modo mais relativo (mas não sem desespero) após o meu grupo, em 2011, ganhar o prêmio de revelação, quando um de nossos projetos, anteriormente desaprovado, passou quando anexamos esta condição ao nosso currículo. Foi quando veio à luz uma interferência da premiação enquanto parâmetro crítico-estético, e até marqueteiro. Isso me consome até hoje.

 

É óbvio que as premiações possuem essa importância valorativa e necessariamente midiática, cumprindo uma função de difusão e lançamento de obras e artistas, isso é fundamental, e eu acredito que o Prêmio Braskem de Teatro cumpre, de modo ainda insuficiente, essa necessidade – não prezo pela sua extinção. Porém, observo que há uma blindagem crítica justamente por se tratar do único sistema de premiação em artes cênicas de Salvador, como se houvesse um certo pavor desse privilégio esvanecer, e essa blindagem é bastante fomentada e renovada pela comunidade. Mas, ressaltando o que aponto no começo deste texto, não falo somente de uma crítica estrutural da premiação (adição e subtração de categorias, e cerimônia por exemplo), mas também, e quiçá essencialmente, de uma crítica ao que o Prêmio propaga enquanto pensamento estético na cidade a partir do julgamento de desígnios artísticos em teatro.  

 

É comum que a “classe” se apegue ao que está posto de forma mais material, acessível, imediata e expressivamente midiática ao se tratar da valoração de seu trabalho – e aqueles que não se apegam são vistos como arrogantes dissidentes e marginalizados pela mesma classe em muitas ocasiões –, tal situação oriunda, justamente, do fato da mirra crítica e de diálogos mais intensos entre nós. O Prêmio Braskem de Teatro há anos vem legitimando um único modo de produção, uma forma, e lançando ao esquecimento iniciativas que, mesmo assumidamente teatrais, desbravam outras frequências receptivas. Quando não, acabam por adicionar e enquadrar tais inciativas nas “categorias especiais”, seja por ignorância ou por pressão (ou por força) de referenciar o que se lança fora da curva - quanto a estas situações, ouve-se até um “graças a deus, fomos lembrados”. Na premiação desse ano podemos ver Ruína de Anjos, um espetáculo teatral na rua, ser enquadrado como intervenção urbana. A impressão que tenho é que quando a comissão se depara com obras que se propõe a outros formatos que não os tradicionais, acabando por indica-los – principalmente nas categorias especial e revelação – pensam estar diante de OVINIS. Uma mistura de fascínio e alarme.

 

É também de igual problema a falta de memória e de intimidade com o campo de produção ao se tratar da categoria revelação, quando entre os indicados vemos nomes conhecidos ou de longa estrada no fazer. Em alguns anos isso foi até mesmo vergonhoso. Leandro Villa, por exemplo, já foi indicado a categoria duas vezes (2008 e

 

 

Pobre dos artistas que estão entre a indiferença e os louros.

2014) e Denise Correia, que em um ano anterior tinha sido indicada na categoria melhor atriz (2012), no ano seguinte foi indicada na categoria revelação (2013); como explicar esses casos num currículo?

 

É crucial que os artistas – e falo de mim também – organizem um processo de desnaturalização e até mesmo de desvirtuação da solenidade. Nos forçarmos a diminuir a virtualidade organizada pelo Prêmio para nos entendermos no campo árido de produção e difusão de pensamento crítico-estético nas artes cênicas de nossa cidade – tal construção nunca foi privilégio do âmbito acadêmico, pelo contrário, este espaço depende da dinâmica de produção (artística e de pensamento) do campo. Ou seja, sair um pouco da crítica estrutural da premiação (e cerimônia) e analisar o quanto muitos de nós se tornam reféns deste parâmetro crítico que não consegue acompanhar o fluxo das inciativas artísticas – e eu não falo somente do ponto de vista quantitativo. Acima de tudo, analisar o olhar lançado pelo Prêmio a produção de nossa cidade, pode proporcionar o entendimento de que a existência de uma premiação não é um favor, mas sim, uma constatação do quanto nos mantemos produtivos e mais, agenciando pensamento e discursos. Dosar a euforia dos indicados e vencedores, romper com o silêncio e/ou complacência ao que se vem configurando como um dos insuficientes padrões de pensamento crítico em artes cênicas, é emergencial.

 

Djalma Thürler, numa conversa informal no projeto de ocupação Mínimos Óbvios (Sala de Arte do Museu Geológico), disse que há um movimento – não lembro se em Rio de Janeiro ou em São Paulo – de artistas produzindo pensamento crítico em arte, constatando que cada vez mais esta alternativa vem se alargando. Tal iniciativa possui algumas justificativas; seja pela escassez de textos e outras formas de estrutura crítica em artes cênicas ou pela velha forma de produção que não contempla mais as iniciativas contemporâneas. Já foi citado nesta mesma coluna algumas plataformas em nossa cidade, que hoje ou estão inativas, como o site Papo Teatral ou que raramente se propõe ao debate estético em artes cênicas, como o site do Teatro NU, plataformas extremamente importantes que foram ou são fomentadas por artistas e pensadores do meio. Cito, inclusive, o blog Falando Sobre Cenas de Uendel de Oliveira Silva (pesquisador e dramaturgo) que mesmo afirmando uma estrutura crítica que, geralmente, não abarca algumas das obras nos eixos de risco, com grande fôlego fomentou o site até o ano passado, buscando abranger uma diversidade de proposições artísticas na cidade. Djalma ainda ressaltou que, simbolicamente, essa legitimada forma de fazer crítica morreu junto com sua última e maior representante, Bárbara Heliodora.

 

Menciono estes exemplos como comprovação de que é possível nos emanciparmos da inércia do pensamento crítico e de uma diletante análise tácita da premiação. Se a produção crítica é escassa, se Eduarda Uzeda (Jornal A Tarde) escreve despretensiosamente de vez em nunca (em algumas situações por solicitação dos próprios artistas), se faz urgente uma dedicação na difusão do pensando pelos próprios criadores. Na verdade, é este o movimento. 

 

Em um texto, também escrito por Daniel Guerra, em época da divulgação dos indicados ao Prêmio do ano de 2015, ele fala de uma tomada de posição do evento: assumir que o foco da premiação está num tipo de produção ou de entender a responsabilidade dinamizadora e investir numa renovação de seu formato, no intuito de atender ao que o campo artístico propõe em sua totalidade que, em todo lugar, acredito, é pautada na diferença. Não obstante, defendo que essa problemática não é responsabilidade somente da premiação (que precisa entender o encargo), mas também de nós, trabalhadores do campo, seja por salvaguardar a empreitada que é o Prêmio ou por não fomentar e difundir o campo com pensamentos coesos sobre a produção de artes cênicas de Salvador.

 

Não creio que a criação de novos prêmios seja a única solução de se livrar de um ditame ali difundido pelo Prêmio Braskem de Teatro, apesar de entender a possível importância deste ato. É insuficiente, além de afirmar a formação de grupos que, provavelmente, nunca se manterão em diálogo. Acima de tudo, é necessário fomentar o pensamento, dar espaço a múltiplas visões e enxergar, com disponibilidade, potência no diferente, e isso nós podemos fazer.

 

Pobre dos artistas que estão entre a indiferença e os louros.

SELFIE 1

DANÇAR PARA NÃO SURTAR

Uma militante diante da cerimônia “inclusiva” do Prêmio Braskem de Teatro 2015

 

Hora de apresentar as artistas que concorriam ao Prêmio Braskem 2015 de melhor atriz. Neste momento, toda a agonia sentida até ali chegou a seu ápice.

 

Melhor atriz, melhor momento para falar da questão da mulher. Lógico. Este é o lugar da mulher na cadeia teatral. Atriz. Musa. Por que eu milito pelo entendimento da atriz como pensadora, autora, propositora? Mas vamos falar que antigamente mulheres atrizes eram vistas como putas, porque dessa maneira deixamos claro que estamos do lado da mulher –é sério que precisa voltar tanto para falar das opressões cotidianas das atrizes? Voltava logo pra Grécia quando os homens usavam máscaras para fazerem personagens femininos à lá Femme face.

 

Respirei. Respirei. E respirei de novo. Finalmente as três atrizes e cantoras maravilhosas, que ficaram o tempo inteiro fazendo figuração durante este grande espetáculo que se propõe ser a cerimônia, falaram. Tinham a fala. Agora sim. Vou poder parar de me mexer na minha cadeira. Será?  

 

Vamos perguntar às atrizes concorrentes se já sofreram assédio. Vamos perguntar as atrizes o que elas acham de cantadas de rua. Vamos perguntar as atrizes se já receberam propostas sexuais indesejadas. Vamos perguntar as atrizes se é mais fácil ser mulher ou ser atriz. Vamos expor as atrizes. Vamos. Estamos fazendo um serviço. E estamos sendo engraçados. Para não dizer indelicados. Irresponsáveis. E, principalmente, para não dizer machistas. E é claro vamos colocar os homens para fazerem essas perguntas, enquanto deixamos as três atrizes apresentadoras no palco, no escuro.

 

Nessa hora, não só respirava e me mexia na cadeira, mas executava uma dança de uma complexidade absurda, da qual jamais me julgaria capaz. Tudo isso para conter o impulso de sair correndo. Mantive minha fé. Vai melhorar. Eles irão se retratar. Deve fazer parte da proposta.

 

Mas não. A coisa foi ficando pior. Meu celular começou a vibrar – facebook, whatsapp, telegram – os meus amigos queriam saber o que eu estava achando, ou simplesmente me pedir para respirar. Mais?  O caminho entre uma pergunta e outra era pontuado por inúmeras piadas machistas, batidas, clichês.

Por Laís Machado

Pensei: ou eu perdi meu senso de humor, ou tem alguma coisa muito errada acontecendo aqui. Continuei dançando na cadeira e olhando para os lados tentando verificar qual das duas alternativas me pareceria mais acertada.

 

Então, no meio dessa busca, vejo um rapaz, sentado duas cadeiras a minha direita se mexendo na cadeira também. Ele comentava com dois amigos, que um fulano aí tinha razão em assediar a atriz tal, afinal ela é muito gostosa. Ele ria e se bulia todo. Ele repetia: “com razão. Com razão. Até eu”.

 

Parei de dançar e fiquei olhando para ele. Querendo constrangê-lo tanto quanto ele me constrangia. Mas, a diferença entre nós dois era que ele estava apoiado pela cerimônia – posso jurar que ouvi algum dos atores fazendo um comentário parecido – ali ele tinha senso de humor e eu não. Ele me viu – pelo menos se constrangeu. E eu continuei olhando para ele. Entregaram o prêmio. Saí sem pedir licença ao rapaz. E fumei. Quando voltei, ele tinha mudado de lugar, e eu já não era mais capaz de assistir à cerimônia. Mas fiquei lá. Na minha cadeira. Respirando. Sem dançar. Sem assimilar mais nada, e me perguntando quando vão entender que ser aliado de alguma militância não é aprender a falar sobre ela, é aprender a abrir espaço para que se fale.

 

SELFIE 2

Curta e Grossa

 

Fui assistir à cerimônia do Prêmio Braskem 2015, como boa parte da “classe” artística de Salvador. Fui a contragosto, mas mesmo assim fui. O mais curioso é que não tinha nenhuma arma apontada para a minha cabeça, mas mesmo assim fui.

 

Na verdade, acho que fui pelo tema da cerimônia. Não achando que ia ser bacana. Minha descrença chegou a extremos. Acho que fui para me torturar mesmo.

 

Conclusão: Não era para eu ter ido. Foi racista, homofóbica, machista e machista e machista. Ou não foi nada disso e eu que sou chata.

 

Mais do mesmo na cerimônia. Mais do mesmo nos meus textos.

 

Ponto final

 

- Versão pós-votação da Câmara dos Deputados no processo do Impeachment -

Ah, o Nobel de literatura. As milhões de coroas suecas, os fãs brotando por segundo ao redor do mundo, a garantia de férias eternas. Anti-Sísifo. Esses louros, no entanto, não chegam a mudar a vida de ninguém, porque, amigo, para ser tido em alta conta pela academia nórdica já é preciso ter acumulado tanto prêmio, tanto contrato, tanta tonelada de página impressa nos países mais distantes, que a mais prestigiada premiação do mundo, ao fim e ao cabo, é só mais uma rajada crepuscular numa existência cercada de glórias. Muda mesmo é o modo como o ganhador vai ser lido.

 

Há esse conto longo de Gabriel García Marquez, A Incrível e Triste História de Cândida Erêndira e Sua Avó Desalmada – uma peça de ficção minunciosamente lavrada em torno de um roteiro muito simples.

Avó cruel e neta resignada moram sozinhas em uma mansão cercada de deserto. A mansão pega fogo, avó culpa neta pela desgraça, e, a partir de então, prostitui impiedosamente a pobre Erêndira até que o prejuízo seja pago. Anos passados na forçada condição de puta, Erêndira consegue dar cabo da velha com a ajuda de Ulisses, um homem que conheceu na vida. Acabou. Mas claro, isso aí mas mãos de G.G.M vira uma ópera de Wagner.

 

Aqui em Salvador, o grupo sotero-conquistense Finos Trapos leu o conto e resolveu montar algo a partir dele. O produto final é O Vento da Cruviana (em cartaz até dia 30 de abril no Espaço Xisto Bahia), peça que traz já no título uma das marcas e apostas da trupe, o regionalismo.

 

Logo ao entrar na sala, sente-se o frio da cruviana. O ar-condicionado está ligado no talo e a sonoplastia evoca o som de fundo daquelas cenas de westerns onde há a bola de palha sendo soprada. Depois surge, via iluminação precisa e intermitente, avó sendo carregada por neta – serão só as duas do início ao fim. A esta altura inicial, é possível presenciar um dos recursos mais interessantes propostos pelo grupo: um carrinho de mão modificado sobre o qual o corpo pesadão e mórbido da avó jaz, objeto bem concebido nos limites dados. A poderosa voz de Thiago Carvalho, a avó, toma conta do ambiente em sua explosão de impropérios e ordens gratuitas. O tom é grandiloquente, profundo, cheio de dizeres envoltos naquela aura de sabedoria interiorana. Poliana Nunes, a neta, vai obedecendo: “Sim, avó”. Uma reconstrução linguística é operada, pois a dicção do texto base é transfigurada em expressões e dizeres do sertão, na língua desértica do povo nordestino. O grupo de fato realiza uma recriação formal em relação ao ponto de partida. Outro aspecto da releitura que fica claro é a mudança de foco, posto aqui na relação binária avó-neta. 

 

Embora mudem verbo e plástica, o prosseguimento da ação segue as linhas mestras do conto de Garcia Marquez, com poucas alterações na ordem dos acontecimentos. Está aí o engasgo. São dois atores em um

O Nobel pesa toneladas. É difícil livrar-se dele, inclusive como leitor. Autoridade & Reverência.

Por Igor de Albuquerque

cenário único e magro para dar conta de tudo. Erêndira, que já não é lá uma personagem expressiva, fica ainda mais fraca e capenga, pois interage somente com a avó, sem o mundo. E, sem o mundo, a complexidade não ganha vulto, a música original composta para o espetáculo fica apenas no patamar decorativo. O esforço é grande, o arranjo, vão.

 

Por que o que é que faz a incrível e triste história tão incrível? A riqueza objetal da narrativa, o espetáculo das cores, os motivos fantásticos sugeridos em surdina, as elipses malandras e a magia estridente em mil trombetas. Como, por exemplo, esquecer a rajada de sangue verde na matança da avó, esse maravilhoso recurso cênico encontrado por Gabo? Ou como se desfazer da candura absurda de Ulisses (personagem ausente na peça), sendo ela um contraste essencial para o funcionamento do conto? O convento, os caminhões? Na peça, a potência do texto desaparece.

 

Nada disso seria apontado como problema se tivessem de fato tido “o texto de Gabriel García Marquez apenas como ponto de partida e fonte de inspiração para criar uma dramaturgia e encenação completamente independente do original” (trecho retirado do site www.gruposfinostrapos.com.br). Mas se a intenção – ou a crença – era criar algo novo e independente centrado na relação avó-neta, por que servir de modo tão submisso ao enredo do conto? Por que esse apego ao literário? O teatro pode tanto, sugere tanto, instiga tanto para além da letra. Com ou sem palavras, com ou sem plot. Aquilo que mais atrapalhou o grupo foi ter seguido de cabeça baixa um enredo que não se sustenta sem a batuta e a orquestra do maestro García Marquez.

 

O Nobel pesa toneladas. É difícil livrar-se dele, inclusive como leitor. Autoridade & Reverência. Mais uma vez: por que parar neste único conto quando a ideia seria focar na relação avó sádica/ neta passiva, considerando a vasta literatura a ser desbravada – Clarice Lispector, Pedro Nava, Lya Luft, isso só no Brasil?

 

A chancela de um Nobel sempre soa bacana nos releases, porém.

Por Laís Machado

VIDRO FUMÊ

Vivemos tempos difíceis: Caos político, ameaças de golpes, violência urbana crescente, repressões institucionais várias, assédio urbano, dificuldade em ocupar os espaços públicos disponíveis (que são poucos), protestos, repressão policial.... É cada dia mais difícil gozar da rua, na rua. Mas “a saída é a rua” como nos diz A Outra Companhia de Teatro através de sua montagem intitulada Ruína de Anjos (Indicada ao Prêmio Braskem de Teatro 2015 – na Categoria Especial). 

 

Uma estratégia comum de sobrevivência no contexto explicitado é a total ou parcial insensibilização do indivíduo. Fechamos os olhos, os ouvidos, a pele, o espírito para a rua. De outra maneira, talvez, fosse insuportável estar ali. Não é à toa que cerca de 13% da população brasileira apresenta hoje sinais de fobias sociais (seria este o novo mal do século?), resguardando-se em suas casas. Mas “a saída é a rua”.

 

Assim sendo, qualquer convite à sensibilização é um gozo, mas também nos enche de expectativas, que de uma maneira ou de outra interferem em nosso julgamento.

 

Falo do lugar de atriz, que se incomoda com a insistência em manter um certo alheamento dos contextos políticos por parte das produções artísticas locais, e do lugar de alguém que se autodiagnosticou com fobia social, ao perceber sintomas físicos de desconforto por apenas estar na rua, e por se sentir covarde em todas as tentativas de apropriar-se dos espaços urbanos.

 

Percebem o grau da minha expectativa?

 

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que é impossível, para mim, iniciar uma crítica de Ruína, sem falar do primoroso trabalho de ocupação artística do Bairro do Politeama que vem sendo desempenhado pela Outra Companhia de Teatro, desde o ano de 2013.

 

No ano de 2013, A Outra Companhia passou a sediar na Casa da Outra, uma sala no Centro Comercial Politeama. Desde então, percebendo a dificuldade em conseguir público para suas iniciativas artísticas, diante da periculosidade

Foto de Andrea Magnoni

Estávamos no teatro, mesmo estando na rua. E não havia abertura para dúvidas em relação a isso.

do lugar, e permitindo-se afetar pela realidade que os circundava, começaram a criar várias ações que fizessem com que os moradores do bairro (incluindo os “moradores da rua”) e os vendedores ambulantes os acolhessem e chamando atenção para o abandono do lugar que já foi frequentado pela “nata” da sociedade soteropolitana - com o movimento Poli-Te-Ama, por exemplo.

 

Creio que tenha sido o grupo mais bem-sucedido nessa empreitada, para não dizer que foi o único que se lançou nesse desafio (pois seria leviano de minha parte afirmá-lo).

 

Voltando a Ruína do Anjos, o convite era claro: Tratava-se de um espetáculo itinerante que convocava a mim, espectadora, a refletir sobre o abandono arquitetônico e humano dos centros das grandes cidades.¹ Mas chegando lá, me vi diante dos personagens-Outra e fui capaz de me blindar dos personagens-Rua. A Rua era o cenário e personagem. As histórias daquelas pessoas que vivem na rua eram motes dramatúrgicos. O discurso político me contemplava. Mas eu estava segura e blindada dentro das convenções teatrais. O que é legítimo, e legitimado, mas confesso, não era o que eu esperava. Mas o que eu esperava? E será que tenho direito de esperar alguma coisa?

 

Ao chegarmos na Casa da Outra somos apresentados a ‘Wilson coffee the nigth’, primeiro personagem-Outra com quem temos contato. Recebemos nossas pulseiras que nos identifica como o grupo que chegou para assistir ao espetáculo, recebemos uma lanterna e somos apresentados às “normas de segurança”. Somos também introduzidos ao ‘mote dramatúrgico’: o antigo cinema vai reabrir. A partir daí somos apresentados às histórias dos personagens que serão (in)diretamente influenciados pelo surgimento deste novo empreendimento no local.


O trabalho de composição destes personagens é muito bem feito e tais personagens são facilmente reconhecidos por nós - se em algum momento de nossas vidas saímos de nossa armadura e olhamos a rua. Tanto que passam desapercebidos pelos desavisados que fecham os vidros dos carros quando a personagem-Evelyn termina sua apresentação de malabaris-

-mo na sinaleira.

 

Entretanto, assim como os personagens-outra passavam desapercebidos pelos transeuntes desavisados, os personagens-rua também passavam desapercebidos pelos espectadores desavisados, o que me causava certo desconforto. Não havia enfrentamento com a rua. Era como se houvesse uma parede. Não entre atores e espectadores, mas entre nós – Ruína – e a rua.

 

Ruína de Anjos é uma iniciativa bastante ousada – para os padrões soteropolitanos de produção teatral - por se configurar como um teatro itinerante na rua. Mas diminui o seu potencial de afeto ao abrigar-se em convenções teatrais tão rígidas e calcadas na representação. Estávamos no teatro, mesmo estando na rua. E não havia abertura para dúvidas em relação a isso.

 

Após a itinerância pelo Politeama, voltamos à Casa da Outra. Durante o encerramento do espetáculo os atores ainda vestindo os personagens, se fechavam na galeria e eram aplaudidos. Ao olhar para o lado, vi 4 pessoas dormindo, mas para elas não houve aplausos. E quando o ritual teatral se encerrou, todos voltaram a apertar suas bolsas e seguirem seus caminhos, novamente vulneráveis. Novamente na rua.

Crítica de Ruína de Anjos

C R Í T I C A

Reverberação de Yuri Tripodi do espetáculo O Castelo da Torre, do grupo Vilavox .

R E V E R B E R A

Esse começo vai parecer manchete sensacionalista ou narração de filme noir. Fazer o quê? É noite. Numa casa ao fundo do beco, dois homens trocam porradas. Um rasteja pelo chão enquanto outro o golpeia numa série de chutes certeiros. Há muita gritaria, e isso nos chama mais pra perto. Alguns chegam a entrar. É o mecanismo de uma tragédia cotidiana qualquer: o que deveria repelir provoca curiosidade. “As sociedades do espetáculo…” - falou o papagaio acadêmico - “blá blá blá…”

 

Abismo, espetáculo do Teatro da Queda, começa assim, com um punch inaugural. Lança mão de um naturalismo violento que provoca em nós, humanos, a mesma sensação involuntária que um chinchilidae deve sentir ao ver um caracara plancus em seu encalço (WIKIPEDIA, 2016). Neste momento cria-se uma empatia grave, animalesca. É algo nos corpos que se dá ao mesmo tempo, nos mesmos locais. O coração acelera. Sentimento estranho… Artaud devia ter pensado em algo assim enquanto escrevia seu atletismo afetivo. Dizia o francês abilolado: no que quer que você faça ou fale, ataque o corpo primeiro e aquilo vai dar certo. (Telefone para impropérios provindos do Clube Brasileiro dos Amantes de Artaud: 71 99156-8171)

 

Então, já na rua, um carro de verdade, pilotado pelo ator maior, arranca forte e de súbito pára, porque o menor se joga no capô. É digno de nota o trabalho do iluminador (da Fiat ou Ford), que desenhou a luz do farol para atingir em cheio, justo naquele momento, a interpretação do ator menor. Por outro lado, nesta cena veríamos uma marcação sublinhada demais, não fosse o tradicional coração de chinchila do público que sempre nos salva, e que ainda late muito alto graças à primeira porrada.

 

Neste ponto me sinto na obrigação de alertar aos desavisados e viciados em caixa preta e ribalta que toda a ação de Abismo se passa numa casa real e numa rua real. Portanto, não tratamos aqui de carros de papelão e casas pintadas. As pessoas ao redor são reais, mas também são espectadores e figurantes involuntários, o que se normaliza frente ao fato de que aquele casal de homens é real e também são atores e personagens. Então estamos quites, há um pacto! Se algum de nós se achasse só um pouquinho mais real, estaríamos perdidos. Mas o bom é que no fim das contas é tudo ficção e podemos ficar ali tomando nossa heineken enquanto o maior bate no menor.

 

Enquanto isso o carro vai acelerando sem sair do lugar, fazendo aquele barulhão que faz gozar os aficcionados do automobilismo, e esse ronco é uma fala mais persuasiva que qualquer outra que pudesse surgir de suas bocas na dramaturgia que se seguirá. Ah, o poder das máquinas, tão superior ao das palavras e

 

 

ONDE SE ABREM OS ABISMOS

Por Daniel Guerra

Foto de Andrea Magnoni

O tempo é o de uma sala de estar. Sabemos estar inseridos naquele turbilhão que se tornou o Beco Ocupado, mas de alguma forma estranha me pressionam ainda para dentro de uma sala, de um quarto, de um apartamento.​

corpos, sejam eles com ou sem órgãos.

 

Mas o espetáculo, que começou com um jab-jab-cruzado, não termina com nocaute. Julio Cortázar, el argentino, gostava de comparar o boxe com a escrita, coisa que na minha humilde opinião deveria valer pra qualquer tipo de arte narrativa, que neste caso seria a dramaturgia (e não exatamente a cena). Então é com mestre Julião que vamos analisar o que nos resta do Abismo.


Depois do grande acontecimento da briga, somos todos levados literalmente “pra dentro de casa”. É lá onde se jogam as toalhas, é lá onde finalmente se dá o Teatro (com “t” maiúsculo mesmo, porque seja em Tebas ou Nova Orleans, este sempre se dá sempre “dentro de casa, entre os nossos”). Aqui temos a estrutura conhecida: ao redor os espectadores sentados, dentro desse limite um texto declamado, em cima luzes acendendo e apagando, e nos atores marcações e tempos interiorizados. A casa real se transforma num apartamento fictício, e de repente somos arremessados numa série de D.R’s que se sucedem em espirais ou como em uma matrioska. Nenhuma dessas convenções seriam problema se não contrastassem estruturalmente com todo o panorama descortinado ao nosso redor, tanto pela primeira cena quanto pela própria ocasião do espetáculo.

 

É que Abismo é apenas uma das apresentações do repertório do grupo, dentro de uma grandiosa ocupação e reativação produzida pelos mesmos, no famigerado e outrora renegado Beco dos Artistas. Aqui ocorrem centenas de eventos. Aqui novos corpos vem dar pinta. Sempre que venho neste lugar sinto a respiração de uma transformação: pós-sentimental, pós-moral, pós-católica, pós-apostólica, pós-romana, pós-identidade, pós-política, pós-tudo. Mas então, a quê esse Abismo nos constrange, mesmo cercado de todas essas circunstâncias, de todas essas potências, de todas essas pós-políticas vivas, ativas e incorporadas? Principalmente um tempo fechado.

 

O tempo é o de uma sala de estar. Sabemos estar inseridos naquele turbilhão que se tornou o Beco Ocupado, mas de alguma forma estranha me pressionam ainda para dentro de uma sala, de um quarto, de um apartamento. Mas que coisa, tudo isso soa um tanto familiar. O Teatro da Queda sustenta ou já sustentou o discurso e a busca de um teatro documental. A ação ficcional por vezes era interrompida e o ator vinha “à frente” falar de si. Mas esse falar de si trazia alguns problemas: na procura de um tom mais próximo ao interlocutor, terminava acentuando uma intimidade artificial que contaminava toda a presença. Essa proximidade teatral se revela muito similar a uma intimidade novelesca.

 

Talvez realmente se trate de uma contaminação

inconsciente, já que não chega a ser irônica. Não à toa reconheci isso nos dois atores de Abismo. Tal qualidade faz com que o tom geral seja de uma eterna discussão de relacionamento, e não revelação de visões diferenciais, desnaturalizações e deslocamentos. Vale dizer que essa herança comportamental parece vir muito menos de um cotidiano imediato que de trejeitos emitidos pelas narrativas televisivas.

 

Mas calma, não sou apenas eu quem projeta sobre a cena. Ela mesma nos dá pistas. Em algum momento, durante uma das brigas ou encontros amorosos dos dois personagens, um dos atores vem em direção a um microfone colocado estrategicamente de frente ao público e irrompe com um discurso politizado — expõe a temática subjacente; mas por esta irrupção ser estrangeira à estrutura proposta como base, acaba por implodir dentro de sua própria bolha semiótica, espetacular, inescapável e distante.

 

Saí antes do fim. Isso também devo admitir. Acredito que as decisões dos espectadores são elementos estruturais da cena, e devem ser levadas em conta tanto no momento de criação quanto  no de análise. Saí, certamente não porque tenha achado Abismo um teatro destituído de interesse, mas porque eu mesmo não poderia escutar por muito mais tempo as discussões nos termos ali colocados. Espero que tal sensação não seja só pessoal. Esta se confirma um tanto menos solipsista quando saio pra rua e lá encontro corpos que estavam desde antes vibrando e esperando pelo desfile de drags que se daria logo depois. No desfile das drags minha subjetividade — e com certeza a da maioria — estava voando por outras paragens, já sem nenhuma louça a ser lavada.

 

Abismo deve gerar identificações potentes com quem assim deseje se identificar, ou com quem coincidentemente esteja vivendo um momento sentimental; mas intuo que o buracão impessoal e selvagem que o título promete — ao menos nessa apresentação — se deu menos dentro do espetáculo que fora de seus próprios limites cênico-estruturais; mais exatamente, o vão se abre justo ali onde o Teatro da Queda produz um dos furacões do novo porvir: as ocupações, que são os abismos da história. Que a história tal como a conhecemos seja abismada e tragada. Seria um gran finale.

Crítica de Abismo

C R Í T I C A

Foto de Andrea Magnoni

Abismo nasceu em 2008 e foi montado no Rio de Janeiro através de um prêmio dado pelo Sesc Tijuca para novas dramaturgias. Em 2011, surgiu o desejo de montar novamente este trabalho. Em Alagoinhas, junto aos atores Antonio Marcelo (que a crítica chama carinhosamente de ator maior) e Daniel Arcades (que recebe um outro afeto, ator menor), uma nova pesquisa, uma nova descoberta e outras preocupações partem a partir do trabalho. A concepção da caixa cênica do Sesc Tijuca sai, entram as ideias de apresentações dentro de casas pela cidade do interior da Bahia, e o texto, teatral, fica.

 

Inclusive, este era o novo desejo da equipe: Não deixar de assumir que se trata de teatro, mesmo dentro de um espaço tão realista como a própria casa das pessoas. O texto se manteve com sua linguagem literária, poética e inspirada no vocabulário de Caio Fernando Abreu e algumas ações mudaram. Entrou o punch inaugural, entraram depoimentos colhidos em casas ao qual ensaiamos e, principalmente, entraram atores baianos, interioranos com outra história teatral e outro modelo de formação. O teatro

Rebate à crítica “ONDE SE ABREM OS ABISMOS” de Daniel Guerra

Por Thiago Romero

encontrado em Alagoinhas naquela época em nada tinha a ver com nossos academicismos – nada contra os acadêmicos – e não se fala aqui de pureza nem de inocência no fazer artístico. Falamos de um ofício da feitura que não tem medo de parecer, aos olhos artísticos, piegas, clichê ou teatral demais (do que estamos falando mesmo?). Naquele encontro, ratificamos uma vontade de se preocupar com uma identificação direta com o público, e, principalmente, com o público que nos consome (jovens, LGBTS, e, acreditem, terceira idade são quem mais nos assiste). É óbvio que a necessidade de provocar esta plateia existe e fazemos isso, digamos, que em doses homeopáticas. Acompanhamos o processo de sensibilidade artística de quem nos acompanha e sim, pensamos nisso a todo momento.

 

Nossa ‘intimidade novelesca’ (outra nomeação que agradecemos) é consciente. Sabemos de todos os furos e de todas as necessidades de artificialidade nas ações feitas. Em momento nenhum o Teatro da Queda entende o teatro documental como um jogo de ilusão, como uma necessidade de se mostrar real, pelo o contrário, acreditamos na ação da autoficção, na construção da mentira a partir do que, comumente, achamos que é verdade. A presença de elementos novelescos nos leva para este lugar no teatro (e não, não queremos aqui um efeito de distanciamento brechtiniano, estamos mais para o momento em que sentamos no colo da avó e ouvimos aquelas histórias inventadas na hora).

 

Estamos em um momento que queremos deixar claro, muito claro o que entendemos como o discurso daquele trabalho. Isto coloca em detrimento o valor artístico? Depende do tamanho do olhar, depende de como estamos. Abismo foi apresentado, quase sempre, para público de dez a quinze pessoas dentro das casas, enquanto Revelo (outra obra nossa) teve um público em uma temporada demais de mil pessoas. Toda essa ação e essa quantificação é calculada pelo grupo. Mas insistimos em fazer trabalhos tão díspares justamente por acreditarmos no

ouvido de um grupo de dez pessoas e nos ouvidos de mil pessoas, mas ambos não querem ouvir a mesma coisa.

 

Uma pena que a proposta de fazer uma crítica a um espetáculo não tenha feito o crítico assisti-lo até o fim. O crítico, com certeza, não deve ser um espectador tão doado já que se permitirá a analisar mais do que sentir. A ação de sair da peça para se divertir com o público que chega a nossa ocupação após o horário dos espetáculos, com certeza, é uma atitude, inclusive, prevista por nós quando escolhemos colocar essa peça conflituosa numa ocupação como a do beco dos artistas. Mas calculamos isso de um espectador pronto para se divertir numa noite de sábado, e não de uma proposta crítica. Esperamos muito que possa ver onde aquelas infindáveis DR’s e todo aquele teatrão (adoramos o T maiúsculo e vamos sempre usá-lo junto as mais diversas possibilidades) podem dar. Esperamos que tenha acesso à ficha técnica do trabalho (encontra-se facilmente na internet) com os nomes de todos os envolvidos (não, nem a Fiat nem a Ford pensaram no efeito do farol do carro no rosto do ator, mas um iluminador). De preferência, em outra ocasião, onde o pós não interfira no presente.

 

Parabenizar toda a equipe do Barril pela ação de fomentar mais um espaço de debate e produção do fazer artístico e torcer para que cada vez mais, conscientemente, percebamos a importância da seriedade que é registrar sobre o que fazemos de arte em tempos tão dolorosos como o que vivemos atualmente. Sucesso às nossas ações e persistência nelas!

 

Teatro da Queda

R E B A T E

C R Í T I C A  D A  C R Í T I C A

Liliths, ins[piração] de algo

            destencionado para Meyerhold.

 

Num cabaré, ao fundo do Beco, bebe e come

dele e de seus tempos áuricos e de cabelo platinado.

 

Aqui a platina é menos burgo e menos pequeña plata,

                         por isso é mais o elemento químico

                         sem seu estado sólido e mais seu estado teorético

                                                                                                        ético:

                         Metal e corpo em transição.

 

                         Ductilidade sem limites dados.

 

                         Densidade moral e amoral.

 

                         MALEÁVEL!!!!

 

                            Massa atômica igual a 195u, pequena prata com pouca reatividade...

 

Mas pode ser... Qualquer Coisa.

                             Qualquer Coisa.

                               Qual        Coisa

                                                Coisa.

                                              “É” Coisa.

 

Inês Brasil, vista como freak no descolamento

dos descolados, rasga a qualquer coisa do Freak Lilith.

 

Volta a teor[ética] pelo vômito.

            Vomita contrassensos.

                        - Graças a deus!

            Vomita Cristo.

                        - Graças a deus!

            Vomita ela.

                        - Graças a ELA!

            Vomita perversões sexuais.

                        - Graças a deus!

            Ontem Oswald, hoje Inês.

                        - GRAÇAS A DEUS!

 

Por falar em freak, há espaço para Gordo Freak Show,

                                                             Os Piores Clips do Mundo,

                                                             Space Oddity e Bowie,

                                                             Lauper e

                                                                            Girls Just Want To Have Fun

                                                                            Girls Just Want To Have Fun

                                                                            Girls Just Want To Have Fun

                                                                            Girls Just Want To Have Fun²

 

                                                          MTVs de maneira geral...

 

               ... e meu coração sente falta de um ciclorama verde...

               - Mas não, sem burgo.

 

               Mas pode ser... Qualquer Coisa.

                                           Qualquer Coisa.

                                             Qual        Coisa

                                                               Coisa.

                                                             “É” Coisa.  

 

   Existe um tempo em que se sente um cheiro viansatânico,

   algo de sujo, monstruoso... eloquente

 

                                                         QUENTE!

 

                                                   Revelatio+Donna Haraway+Gaga

 

   Kitsch

              +Walter Pinto

   Kitsch

              +Carlos Machado

   Kitsch

              +Carmem Miranda

   Kitsch

              +Álbum de fotos de Hamilton Lima

   Kitsch

              +Vedetes “des[generadas]” que ainda usam o “A

 

              Mas por isso, pode ser... Qualquer Coisa.

                                                          Qualquer Coisa.

                                                            Qual        Coisa

                                                                             Coisa.

                                                                         “É” Coisa.  

 

   Mas, ora, são  el “a” s   mesm “a” s... TEOR [ÉTIC “A” S], política comportamental!!!

 

   Dzi Croquettes falando por Zaratrustra.

 

                                        (Os únicos que me obrigaram a usar colchetes)

 

 

   Gosto de peixe na boca, maresias muitas... e lembro de Protocolo Lunar,

   sem saber porquê.

 

   ... e numa dança transferiram para mim a saudade de Xan Marçall.

Foto de Andrea Magnoni

Teor [étic “a” s]

Rizoma Para Lilith In Concert​

Por Diego Pinheiro

R I Z O M A

Por Daniel Guerra

O espaço ENCONTRO da segunda edição foi dedicado às duas ocupações artísticas que acontecem simultaneamente em Salvador: Mínimos Óbvios e Beco Ocupado, representadas respectivamente pelas presenças Djalma Thürler (Ateliê Voador Teatro) e Thiago Romero(Teatro da Queda).

 

Foi um papo massa, que buscou dar um panorama dessas ações absolutamente necessárias e pensá-las dentro da conjuntura atual, além de provocar os dois diretores a falarem suas opiniões sobre estética, política, urbanidade, etc.

Revista Barril, Beco Ocupado e Mínimos Óbvios

E N C O N T R O

O que a gente do mundo branco das artes não consegue entender é que, no diálogo que nós, indiasnegroshomossexuais estamos instaurando, as justificativas coerentes e limpinhas que costumam convencer curadores não nos convencem. De tão autocentrada e convencida de seus discursos viciados pela linguagem de projetos, essa gente parece trabalhar com a hipótese de que nossas críticas estético-sociais (pautadas no extermínio das “diferentonas”) se fundam numa incompreensão das obras e que, portanto, tudo ficará bem desde que se possa explicá-las de maneira exclusivamente artística. Comportamento caraterístico de um grupo circunstancial, produto de uma categoria inventada por esta rede de relações na qual artistas, curadores, galerias, instituições, feiras de arte, mídia, coletores, clientes habituais, casas de leilão, fundações e empresas estão aparelhados de modo a garantir a permanência de um sistema de arte fundado em transações capitalistas especulativas. Por isso talvez respondam a tais críticas políticas como se preenchessem a ficha de inscrição de um edital. Vem ficando bem evidente que a arte política atual não passa de um embuste, cuja politização se limita à definição de temas, sem implicar jamais em uma politização ética capaz de excitar processos de desconfiguração do papel do artista engajado, papel esse que já não convence a ninguém, exceto o próprio sistema de arte. Por exemplo: pouco importa se o conceito do trabalho de um Rafucko e todo o aparelho que legitima sua ação consista em ironizar as estratégias de marketing das Olímpiadas no Rio, invertendo a representação idílica da cidade maravilhosa em um escancaramento das políticas de terror do Estado contra a vida das pessoas pretas e pobres nas periferias. Isso talvez sirva para ser dito no discurso de um vernissage, enquanto o público arrota cerveja e palita os dentes sujos de canapê. Pois é  certo que uma mudança na auto compressão coletiva vem assumindo a cena no Brasil. É verdade que os artistas brasileiros despertaram para as questões políticas que estavam esquecidas e até mesmo recalcadas, mas isso não deve ser trazido apenas a nível de ''consciência revolucionária'' artificialmente adquirida. Por isso não devemos acobertar o fato de um crescimento de tendências fascistas, de ódio à alteridade capitalista — a negros, índios, homossexuais. O que importa é que esses tiros (para usar uma metáfora bélica) saem amiúde pela culatra, e como balas perdidas reencontram justamente as mesmas feridas que esta promoção artística engajada prometera vingar. Não dá mais para coexistir com quem naturaliza essas violências.

NARRATIVA DO AGORA

O diálogo enquanto guerrilha metogológica

Por Victor Bastos

Irrigar essas questões sistêmicas tem o sentido de uma descolonização epistêmica importante, capaz de nos fornecer outros esquemas de pensamento e conceitualização da ética e da política que sejam capazes de nos levar além desse esgotamento dos projetos políticos ocidentais que tem, a cada dia que passa, mostrado com mais força os limites de sua retórica. E é isso que o sistema colonizado das artes não está conseguindo entender:

 
Senta que lá vem papo

 

Até quando vamos nos contentar

com esses espaços & discursos de opressão mascarados de liberdade, engajamento & empoderamento?

 

Não só o mundo branco das artes,

mas seja quem for

- homens, mulheres, trans, queers,

branc@s, negr@s, indígen@s, mestiç@s brasileir@s & de todo mundo -

ou quem quer que seja que queira ser legitimado

POR & através desses mercados.

 

Porque não tem outro nome,

é quase sempre o poder, pelo

mercado & pelo dinheiro branco

banhado em suor de exploração

& não pela nossa autonomia de realização,

pelo processo lento de construir junto & nos problematizando.

 

Sim, é cansativo pra caralho trabalhar em conjunto,

ainda mais se sustentar, entender, se aceitar,

se auto-criticar & se auto-afirmar.

 

Mas vamos ter que quebrar a cara quantas vezes pra aprender

que quem faz o rolê - plural - somos nós?

 

Qual o sentido de buscarmos aceitação por instituições de arte & de cultura,

pela academia, pelo mercado de trabalho, &projetos desenvolvidos apenas

por homens que só valorizam o trabalho dos homens,

por brancos que não querem entender seu privilégio,

por ricos que não querem dividir o poder,

por pessoas que preferem competir do que agregar

& ideologias colonialistas, machistas & patriarcais

que não querem se questionar?

Por mídias opressoras,

marcas de roupa, de bebida, suas festas openbar,

mendigar produtos de graça em troca de

hashtags,

sorrir amarelo pra curador interesseiro,

nos selfiar ~bonitinho~ pra ter o abraço

da beleza renascentista & supremacia branca, pelo capitalismo que engole o sofrimento

& transforma tudo & todos

em modelos de uma felicidade colorida que não nos contempla,

em negadores de nossa própria história, nossas dores,

do nosso próprio corpo, da nossa vivência

& elogiadores de tudo que nos mandam ser,

do que parece interessante como temática momentânea.

 

Que compram nosso ego destruído por eles mesmos

& transformam nossas descobertas de identidade fluidas,

miscigenadas, sofridas, plurais, errantes

- que ainda são processos dolorosos de descolonização

em TOD@S nós -

em objetos massivamente lucrativos pra eles, piadas sem graça, arte de palhaçadinha

estética pitoresca & branding

de péssimo tom com o sofrimento nosso & do outro?

 

Quando é que vamos mudar o foco da aprovação alheia

& agregar os discursos de opressão pra nos fortalecer?

Por que & pra quê competir pela quantidade de sofrimento

& utilizar do que é mais fácil - o outro -

em vez de nos ligarmos justamente

aos nossos flagelos

& sermos sinceros com eles?

 

Por que não nos unirmos também pela crítica

& em vez de implorar o elogio do outro,

não tentar compreender o que o incomoda

em nós

& no mundo também?

 

Será que não existe uma dor

que contemple a todos

nós que sofremos pelo esvaziamento da experiência,

da troca

& da solidão

da vida capitalista

online & contemporânea

 

Good morning, working class~~~˜

Uni-vos no debate.

 

***
 

E N S A I O

T R E T A

S E L F I E

editorial ed 2

V.1 n.2 2016

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