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CRÍTICA - A MAÇÃ
REVERBERA DE Alex
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REBATE - COATO

Rebate à crítica “FISSURA DE FISSURA” de Diego Pinheiro

Por Coletivo Coato

ps: Antes de ler o texto, ouça a música abaixo.

 

                                 https://soundcloud.com/karinabuhr/01-dragao

ps²: ela vai especialmente para a mulher que teve a pele mordida ao escolher junto com outras presentes em comer a MAÇÃ.


ps³: música que embala os encontros de MAÇÃ e que nós faz todx o senti(r)do.

Rebate 1.                    

O subtítulo da MAÇÃ, surge como uma provocação as colaboradoras do COATO, onde desejam que tal encontro se torne um acontecimenta para nós. Assim sendo, nos afetamos e buscamos descobrir no fazer – fazendo, que grau de participação a espectadora poderia atuar em nossa composição. Há muita coisa por trás de uma coisa só, e que ainda não se foi explorada devido ao condicionamenta de estar como ouvinte a algo. E que nesta acontecimenta, expandimos a definição do termo para a criação deste compartilhamento de necessidades a serem lançadas, e experimentamos o não rodopiar ou causar cinestesicamente por contínuos espirais de algum estímulo das performers, direcionando um desejo de presentificar esta outra, mas aguçar e abrir – expor – foco – centralizar e/ou minimizar intensidade de cooperação desta que escolheu. 1+1= 3. O que nos resta agora, incorporadas por todas as experiências vividas no Laboratório de Experimentação Estética, é que ainda continuamos pisando entre ar, e

acontecendo para quem deseja vivenciar um dia/dois/três... Porque de ocorrências em diferentes ângulos do espaço de atuação, e da sensação expandida pelo insistente desejo de pipocar a outra pessoa como acontecimenta, nos faz escorrer e cair das estritas e denominadas conclusões estáveis.

Danilo Lima.

Rebate 2.

Já falamos sobre uma acontecimentA?

O que fazemos já aconteceu. Com uma dezena de pessoas Trans, mulheres, héteras, bixas, contempladas em poder ver ali naquele discurso uma aproximação – aproximação - aproxima-ação, tão potente que as faziam voltar e voltar e voltar, não pela necessidade de rodopiar conoscx, mas em se ver. As pessoas ainda vão ao teatro para decifrar enigmas, se ocupar por um tempo sobre algo, quando poderiam apenas viver, para o bem ou para o mau, VIVER. Nós, COAT@S, não desejaríamxs ter que se preocupar com o academicismo que pode normatizar e direcionar a criação, ENQUADRAR o termo acontecimento, “passar por cima de uma coisa que ta no lugar da outra” o acontecimento não pode se manifestar de formas diferentes? (sempre fui menos CDF para termos – Marcus) Gosto da sonoridade da palavra L.o.u.c.u.r.a. gosto da sonoridade de algumas dúzias de palavras de ação. De fato, nós pessoas/artistas poderíamxs conseguir viver a angústia de não dar nomes às coisas, e sim vivê-la, excessivamente e com toda a sinceridade que nos move. É isso, rasgamos a cartilha e jogamos - para o alto as folhas que

definem um acontecimento. Pensamos agora, que talvez, deveríamos ter nomeado Maçã uma acontecimentA cênica, assim estaríamos sendo honestas com x nossx suor dado em corpa/voz. Por fim, já não era mais acontecimento e sim acontecimentA, por que era nosso. Estamos mudando e buscando nomenclaturas menos fechadas já que infelizmente isso é uma tendência das belas artes. As artes feias não são nomeadas. Sugerimos!
Marcus Lobo e Simone Portugal

 

Rebate 3.

A.c.o.n.t.e.c.e que somxs Vadias. Isso mexmo, nxs apropriamos dos termos, conceitos, do significado que os cânones dão a determinadxs signos linguísticos e xs alargamxs, xs

esticamxs... esticamxs... esticamxs... fazemxs nossa bruxaria até suas partículas se mutarem e borrarem as definições ditadas por cartilhas – que nxs fazem espirrar com o cheiro de naftalina.

...pausa para um café...

Ficar presxs à nomenclaturas é coisa de quem acredita em gênero. O que fizemos já aconteceu. Por fim já não é mais o que era, já trocou de pele, mas só revelaremxs o que será quando comermxs novamente dessa Maçã amarga.

Roberta Nascimento e Natielly Santos

 

Rebate 4.

Toca Elis.

Maurício Pedreira.

Por Laís Machado

Todos estamos mais ou menos cientes acerca dos estudos sobre a espetacularidade no cotidiano, e de uns meses para cá estamos acompanhando um dos maiores espetáculos nacionais que me lembro de ter presenciado: o processo golpista de impedimento da Presidenta da República. Com uma audiência tão grande e tão diversa que ganhou cobertura no Snapchat[1], além de todos os meios oficiais de comunicação.

Enquanto assistia ao afastamento, desta senhora de 68 anos, foi impossível não lembrar de um dos dias mais marcantes da minha vida: o dia em que ela tomou posse. Subindo a rampa, acompanhada da filha. Sem homens. Tendo o exército (que a torturou) sob seu comando.

Na época não tinha consciência de feminismo, e pouquíssimo conhecimento político, mas, como quem acompanhava um filme, pensei “Nossa! Que reviravolta desta personagem”.

Me referi ao dia da posse da Presidenta da República pelo poder simbólico daquela subida na rampa.

Não sejamos ingênuos, símbolo é poder. E a maior parte das primeiras medidas tomadas pelo presidente golpista interino, foram tapas simbólicos nas nossas humildes caras, embora, é claro, sentiremos os efeitos reais muito em breve.

O poder simbólico da “destituição” de Dilma também é avassalador, e logo em seguida extinção do Ministério das Mulheres e da Igualdade Racial – outro tapa simbólico – e a extinção de um ministério que ocupava 0,38% do orçamento da União, o Ministério da Cultura, com a justificativa de se estar fazendo uma economia de gastos – mais um tapa simbólico aqui. Tais medidas deixam claro que dentre as prioridades do governo, cultura e equidade serão deixadas de lado, para não ser pessimista e dizer: serão massacradas. Com efeito, pela primeira vez na minha “tenra juventude”, presencio uma discussão nacional do que é cultura.

Até então só tinha vivido a cultura e pensado sobre ela no ambiente acadêmico. Ter que retornar aos estudos etimológicos da palavra ao invés de avançar em novas proposições culturais, revela o grau do retrocesso vivido em poucos dias da posse do governo interino. Por outro lado, ter que lembrar e relembrar que antropologicamente a cultura é maior do que nossas proposições artísticas, pode nos fazer sair deste momento fortalecidos de alguma forma. Forçando-nos enquanto artistas a sairmos do confortável lugar de desligados do mundo ao relembrar a abrangência funcional do Ministério da Cultura. É com tristeza que digo: Não sejamos Caetanos.

Sei que para os leitores desta publicação não é nenhuma novidade o que apresentei até então, mas repito na esperança de que, graças ao atual momento, levemos mais a sério a inserção de outros públicos nesta discussão. Públicos estes que não estão se furtando a criticar este grande espetáculo.

Parte desta crítica do público nos manda buscar o Ministério do Trabalho. Repetindo como papagaios o discurso de políticos “bem intencionados” cientes do tamanho do poder simbólico. Seja o cristo, ou o verde e amarelo, ou o vermelho etc. Por que esta parcela repete o mantra do “Vá trabalhar”? Por não se verem representados? Por não se verem incluídos? Por não se sentirem parte? A sensação 

É com tristeza que digo: Não sejamos Caetanos.

Tapas Simbólicos

que tenho é de que o mesmo público que sumiu do teatro grita para nós, que fazemos teatro, “Vá trabalhar”. “Vá trabalhar”. “Vá trabalhar”.

Não é comum dizer, “Não faço espetáculos para a classe. Faço para o público”? Pois então, o público está criticando. Faremos vista grossa a essa crítica, como fazemos quando raramente alguém se propõe a “criticar” algo, como viemos tentando fazer nesta revista? Ou faremos o que?

Uma outra problemática levantada para nós, trabalhadores das artes, nesta crítica explicitamente realizada pelo governo golpista interino, é o conceito de “classe artística”. Tal termo sempre foi controverso, seja pelo aspecto institucional, tendo um sindicato praticamente inativo ou pela impossibilidade de unificação das proposições estéticas. Mas, de qualquer maneira, um grupo de trabalhadores completamente desarticulado (sendo classe ou não) se vê obrigado a se entender como classe para realizar as ocupações artísticas e pensar junto estratégias.

Por outro lado, tem sido animador ver, perceber e participar de variadas frentes de resistência. Sejam as ocupações artísticas, seja a manutenção de suas atividades como quem diz “continuaremos”, seja a interrupção de seus eventos para acompanharmos as novas peripécias políticas, sejam as problematizações acadêmicas ou as atividades nas ruas. Independente de qual frente de atuação seja mais “eficiente” (digo eficiente por falta de uma palavra melhor), alguma coisa está movimentando o cenário soteropolitano das artes, realinhando e/ou reconfigurando a relação entre o artista e o político. É preciso aproveitar o momento para compreender a complexidade das redes das quais fazemos parte, e evitar a todo custo cairmos na tentativa de homogeneização que aparece sempre tentadora em tempos de crise.

Acredito que o momento, antes de um chamamento para união (embora de maneira nenhuma esteja deslegitimando esse movimento), é um chamamento ao diálogo. Estaremos juntos e diferentes resistindo, ou não estaremos.

 

[1] Aplicativo de vídeos autodestrutivos.

_ se esse texto fosse um espetáculo, ele se chamaria... e este aglomerado de pessoas seria...

e eu faria o papel de ...

 

Esta seria a citação que viria da sinopse:

"O espetáculo é o capital a um grau de acumulação que se tornam imagem.'' (Guy Debord)

 

Esta seria a sinopse

 

No caso, o capital é relativamente pequeno, mas como ele é dinheiro público, todos nos sentimos em divida com a sociedade. Logo, todos queremos apresentar algo muito bonito, bom e digno.

Este seria o seu roteiro

 

Palco vazio, luz apagada. Eu entro meio perdido no palco e digo que não tenho cena. Alguém me puxa para dentro da coxia, pois estariam todos no backstage. A luz se acenderia, o palco continuaria vazio. Um grupo de pessoas escondidas de lado, outro grupo escondido de outro, o grupo da lateral direita entra e se prepara para pular sobre o grupo da lateral esquerda, que vem correndo e agacha no chão.
 

Invertem-se os papeis, o grupo que agachava, agora vira o grupo que pula. Assim sucessivamente. Porém, o ritmo aumenta e tanto os pulos quanto os agachamentos vão se tornando virtuosos.


Pausa: eu penso ''o conservadorismo e autoritarismo ficaram escancaradamente expressos quando se negou o reconhecimento da diversidade cultural e social em sua representatividade política, silenciando diferenças étnicas, religiosas, de gênero, de orientação sexual, de classe, cultural e muitas outras, completamente invisibilidades no atual governo ilegítimo. A fronteira entre eu e o outro se rompeu, pois não creio na representação, pois re-apresenta algo que já é (era?) ou já existe, mas penso que essa falta de representatividade dentro desta politica do agora fomenta ainda mais a intolerância e a discriminação com quaisquer grupos que não o “dominante”, as periferias, gerando um quadro que naturaliza abusos e violências, cada vez mais presentes e comuns.'' Volto para a cena.


Uma voz em off começa a repetir os nomes das pessoas, que dão os melhores pulos e das que fazem os melhores agachamentos. A voz em off diz: ok. As pessoas param de pular e agachar e descansam, ofegantes. Uma pessoa com sete cabeças desce da cabine de som. Vê-se que controla tudo e a todos. Ela atravessa a plateia em silencio, a passos

Por Victor Bastos

Por que não sou um espetáculo (?)

fortes e lentos. Sobe ao palco. Percebe-se que os atletas tremem. Ela passa por todos alternadamente, em uma ordem especial. Alguns ela toca, alguns ela toca várias vezes. Clima de tensão no ar. A pessoa de sete cabeças desce do palco vai ate a plateia onde há um outro microfone que chia. Ela diz, com voz grave: “Aqueles nos quais eu toquei mais de 3 vezes ficam”.

 

Pausa eu penso novamente: '' A ideia de Cultura, gestada no seio  da sociedade moderna, veio sendo desconstruída nas últimas décadas  na direção de uma concepção mais abrangente que diz respeito a  diversidade de formas de vida de toda a gente. A multiplicidade de cosmovisões que escapam à órbita utilitarista do mercado e ao pensamento único opressor. Cultura, paulatinamente, passou a ser entendida enquanto uma dimensão transversal das relações humanas sendo fundamental para a reorientação da política e para uma transformação social efetiva. O fim do Ministério da Cultura significa o fim de qualquer possibilidade de mudança política concreta nesse país dentro deste regime de representatividade. Significa o fim dos tempos? Bem eu penso que não pois creio na autogestão - penso eu – pressupõe autonomia e responsabilidade - e na ocupação - que por sua vez pressupõe participação corporal e territorial -  de ideias e pessoas   E daí pergunto: nós não faremos nada?'' Volto para a cena.

 

Os outros saem.'' Eu fico na rua e pergunto: Mais isso não é um espetáculo? Ela (as sete cabeças) responde: Não, isto é uma audição do senado. Apaga-se a luz. Fecha-se a cortina.  FIM

 

Portando eu penso que Cultura não pode ser pensanda como uma pasta ministerial. Tampouco uma parcela da sociedade conformada por seletos eleitos, educados segundo as altas regras da etiqueta. Já há muito, também deixou de ser o campo das artes, de notáveis iluminados, oriundos das camadas mais abastadas da sociedade, com sensibilidade diferenciada. Não é, jamais, uma fatia da economia. É chegada a hora de uma grande convulsão cultural!!!

 

* montagem critica sobre o espetáculo indigno do golpe politico presenciado por todos nós "espectadores" brasileiro nos últimos recentes meses (estrelado em 12 de maio de 2016). Apoio Rede Globo Produções. Made In EUA.


Ocupatudo!

Obra de Paulo Gaiad, da série Inferno

Fissura de fissura - Crítica do espetáculo A maçã - um experimento cênico, por Diego Pinheiro

Reverbera de Alex Simões sobre o impeachment

Da noite em que fui Alice - Crítica da Mostra de Performance Submerssos, por Amanda Maia

Rebate à crítica " Fissura de fissura"de Diego Pinheiro

Tapas simbólicos, por Laís Machado

Meme-Rizoma de A Bofetada, por Laís Machado

A revolução será limpinha, por Daniel Guerra

Por que não sou um espetáculo (?) , Victor Bastos

Artistas de todo o mundo, emancipai-vos, por Daniel Guerra

Michele Mattiuzi, por Igor de Albuquerque

Rebata à 'Da noite em que fui Alice' de Amanda Maia

Por Diego Pinheiro

FISSURA DE FISSURA

Não tem muito tempo que em uma mesa de bar disse com tom embriagado, e talvez empolado demais, que ninguém no campo artístico, especificamente nas artes cênicas, poderia usar acontecimento sem ao menos ter uma básica noção fenomenológica quanto ao termo – logo eu, um “diletante-simpatizante” da fenomenologia. Embora tenha dito isso numa informalidade incondicional, tenho a sensação de que a arte perdeu sua qualidade de fenômeno há muito. Na verdade, arrisco a dizer que não saberia ao certo localizar em que momento da história a arte alcançou tal qualidade, mas que muitos ultrapassaram aquele limítrofe atraente se encontrando com a tão romantizada loucura artística no lugar de algo “fenomenal”, isso bem que aconteceu.

No entanto – embora muitos romantizem a loucura como o próprio acontecimento – há quem diga que é justamente esta demarcação, este limite, num jogo de contrassensos e paradoxos, o espaço ideal para que algo aconteça, o que não é equívoco. Neste caso, não há, em absoluto, uma ideia de não-lugar à Marc Augé, mas uma interação dual e, a certo ponto, modal – isso para lançar aqui, de maneira elementar, uma análise de Deleuze sobre a obra de Carroll.

 

Nunca senti a necessidade de discorrer sobre este tema com mais vigor, e muito mais fôlego, até ver Maçã, peça de pré-formatura em direção teatral de Marcus Lobo e primeiro adejo do Coletivo COATO, que leva em seu subtítulo Um Acontecimento Cênico. O subtítulo intriga, principalmente aqueles que em algum momento constituíram um confronto maçante com o termo, como eu. Mas seria necessário um espaço mais aberto, mais poroso até, a exemplo da Coluna Ensaio aqui na Barril, para desfiarmos este imbróglio não-dialético – posto que o meu “primeiro escrito sobre Maçã” saiu completamente da obra em si, avançando quase mais do que quatro páginas, para discorrer sobre esse “conceito” que irrompe, inclusive politicamente.

 

Tentarei ser direto, para fugir aqui de minha natural prolixidade: Não considero Maçã um acontecimento cênico. Partirei daqui para não cair nas tentações demasiadas fora da borda. Com inclusão, tenho imensa curiosidade de saber o que levou a utilização deste subtítulo e a leve impressão de que os artistas se consumiram com a definição de “escolha”. Ou seja, o ato de escolher como um verdadeiro acontecimento

 

Mesmo que a escolha possa se configurar em um – muito mais na vertigem, no dinamismo e na cólera da vida ordinária – Maçã, em si, não se configura como tal. Parto do pressuposto que a categoria cogente de verdade que satura

Foto de Talitha Andrade

Pois bem, Maçã está mais para uma conferência performática do que para uma composição que propicie uma vivência da experiência de um tempo oportuno. Não há interstícios, fendas que seja, para esse tempo surgir, muito menos uma intenção, retificando, uma mobilização para tal.

Crítica de Maçã – Um Acontecimento Cênico, do Coletivo COATO

Maçã perpassa, ou é suscitada, por uma proposição artística condicional, circunscrita a uma série de cláusulas do que é entendido, ou melhor, difundido por arte .contemporânea nas cênicas, o que acaba por devorar, inclusive, suas propensas intenções temáticas: relações sociais, gênero, política. Não seria problemático se a verdade emanada não parecesse imposta, tal qual resquícios do “bom teatro”, e muito menos se a obra não assegurasse um acontecimento.

Pois bem, Maçã está mais para uma conferência performática do que para uma composição que propicie uma vivência da experiência de um tempo oportuno. Não há interstícios, fendas que seja, para esse tempo surgir, muito menos uma intenção, retificando, uma mobilização para tal. Trazendo aqui um conceito mais filosófico, o acontecimento pode se configurar num tempo em potencial, que, obviamente, se sente convidado para surgir a partir de alguns possíveis disparadores ou de um rígido agenciamento, que no caso das artes cênicas pode ser feito pelos próprios performers. Já eu, me refiro ao acontecimento como uma incursão de algo que é tão alarmante que uma mudança irreversível se organiza em meu organismo, a partir de uma abertura não-consentida, ou consentida, de “minha consciência”, o que me faz conjecturar se o acontecimento é capaz de ser engendrado, estampado ou pensado a priori (algo categoricamente intencional me parece avesso ao que pode acontecer), pois que ele surge dentro do campo de uma percepção, campo de virtualidade, pois – novamente, deixemos para um futuro texto. O fato é que propiciando ou não um espaço para, o acontecimento nunca está na posse do pobre desejante. Poderia dizer então: Não falem mais de acontecimento, porque ele se boicota e não vem, mas longe de mim atenuar as fissuras estéticas.


A proposição do COATO, lança mão destas possibilidades (filosóficas?), apostando na atraente frequência dos cânones difundidos como pós-dramáticos/performáticos/teatros performativos – atire a primeira pedra quem nunca se sentiu convidado a isso, não é Diego? –, a partir de vídeos com transmissão simultânea, coreografias, belas fotografias, vozes no microfone e etc.   De modo nenhum, não vejo problemas na reprodução destes cânones se eles se propõe a se transformar numa espécie de faca, sustentações para pujantes impulsos e emancipando o artista, e aquele que compartilha da obra, de uma estrutura artística que se mantém alheia e, por vezes, irritantemente apática. Sem este pensamento disparador, a proposição se torna refém da utilidade histórica destes elementos, impossibilitando o acontecimento principalmente quando ele é desejado, quisto,

como as borboletas metafóricas dos haicais e ditados japoneses. É o caso de Maçã que não propicia um espaço para essas irrupções mesmo sustentando o compromisso em seu subtítulo.

 

Embora ache reducionista resumir o acontecimento em arte a “aberturas” e participação ativa-física do espectador-testemunha-partícipe-expectante (ou quaisquer outro nome que se dá para aquele que “vai” até a obra), os artistas de Maçã, entendendo a talvez pesada incumbência ao levar a estampa-acontecimento, não se furtam a tentativa de propiciar essa interação. Em dois momentos há esta aparente e talvez imperativa tentativa. No primeiro, na base de gritos raivosos para as pessoas que se sentam nos colchões espumados (espaço-espectadores), perguntando “(...) e você, vai ficar parado? Vai ficar sentado?”. As perguntas são influenciadas pelos temas levantados nas narrativas, como gênero e política, temas que se evanescem, sorvidos pela boca de lobo estrutural que circunscrita (ou engole) Maçã.  O segundo momento é quando, o

diretor, no microfone, fala sobre escolhas, afirmando que o verbo é o acontecimento, que os corpos eram, além de, e o mais importante, ressaltar que o espetáculo pode continuar se alguém morder a maçã que está posta: “Como vocês escolheram vir, vocês escolhem se continuamos”, é algo mais ou menos assim que é dito por Marcus. Então, “um de nós”, espectadores, vai até a maçã e morde, escolhendo por todos que o espetáculo continue por alguns poucos minutos.

 

É importante frisar que Maçã, uma pré-formatura em direção teatral pela Escola de Teatro-UFBA, justamente pela a sua intenção de se aproximar de algo mais contemporâneo e das questões estéticas/políticas levantadas nesse meandro vertiginoso, propicia uma significativa experiência a nível acadêmico dentro da graduação. Espaço este que é furtado de uma melhor e maior problematização sobre arte contemporânea. Quanto a isso, não sei se me alegra pela inciativa ou se me entristece por Maçã ser um dos poucos empreendimentos.

C R Í T I C A

R E B A T E

Reverberação de Alex Simões do espetáculo Looping de Rita Aquino, Leonardo França e Felipe Assis.

R E V E R B E R A

Tenho esse hábito antiquado de realizar minhas refeições em família. São eventos em regra cotidianos, é claro. No entanto, às vezes não poderiam ser mais extraordinários. Como um dia desses, por exemplo, em que meu filhote mais novo – um menininho danado de apenas 3 de idade – disparou a seguinte pérola. “Quando o vulcão explode no esgoto, destrói a nossa casa”. Isso, assim, do nada. Bem despropositadamente. Ainda me pego pensando nessa frase e descobrindo novas formas de interpretá-la. Refletindo, inclusive, sobre a atual conjuntura desgovernada de nosso país, onde parece que as palavras esgoto, explode e casa não poderiam ser mais acertadas.

Foi ainda envolvida por essa condição que me dei conta do desenrolar dos meus pensamentos sobre o evento Submersos, do Coletivo: A-feto, que presenciei numa noite de lua crescente e metediça, na Galeria Cañizares, no último 18 de Maio.  Na verdade, estava em curso a IV Mostra de Performance A Sociedade da Imagem, realizada pela Escola de Belas Artes da UFBA, a partir da curadoria do professor e pesquisador Ricardo Biriba.

Nesse momento, devo realizar duas confissões. A primeira é do meu declarado olhar hierático sobre as coisas do mundo, sobretudo as artísticas, consequência do percurso ético-poético que escolhi empreender com o grupo de teatro que me tem há 7 anos. Meus olhos estarão sempre manchados pela fé que tenho no Caos, e quis deixar isso explícito logo de entrada, muito embora não creia na isenção da visão de ninguém em toda a galáxia. Somos todos escravos-mestres das perversões que nos constituem humanos, enquanto dançamos os desígnios das inevitáveis, incontáveis e implacáveis mudanças da vida.

E aí, temos a minha segunda confissão. Jamais havia posto os pés na Galeria Cañizares em toda a minha vida. Isso mesmo. Eu, que sou cria da instituição vizinha, a sexagenária Escola de Teatro. Embora reconheça o caráter terrivelmente vexatório dessa declaração, afirmo, deliciada, que esse fato foi brutalmente determinante para a potência do acontecimento que vivi naquela noite. Expectativas são as mães das desgraças, e não ousei, portanto, alimentá-las. Às vezes procuramos propósitos para as coisas, mas são eles, os propósitos, que nos encontram.

Foi a dissonância temporal que abriu, de cara, um crescente absorvedouro diante dos meus olhos. A Galeria funciona num antigo casarão e, na fachada, uma pequena escadaria nos dá a falsa impressão de caminho para o passado. Lá dentro, tudo é ostensivamente iluminado de luz fria e tecnológica. Tudo muito claro. Antes de dar o definitivo passo para dentro, avistei ao fundo, numa sala com um ordenado arranjo de TVs tela plana, várias imagens em movimento, os vídeos-performance. Pequenas janelas para realidades alternativas. Cortes no tempo. Drops de vida. Escolhas fatiadas. O brilho seguro e familiar, acima de tudo, me foi atraente. Então, era isso? Apenas uma exposição imagética? Entrei. Entrei numa casa mal-assombrada.

No curso até a sala das janelas televisivas, uma quimérica mulher existia num pequeno platô entre dois lances de uma escada antiga. Sua pose luxuosa, adornada por saltos, plumas e leque, emanava a aura de uma diva dos tempos do cinema em preto e branco. Seus imensos cílios alongavam o olhar para além de todos os que a observavam. Era um quadro em movimento com algum encantamento que me fazia querer chegar perto. As telas de plasma se dissolveram do meu interesse. Por algum tempo, só houve ela. Fui invadida por uma profusão de fantasias. Uma vozinha bem fina, ao

DA NOITE EM QUE FUI ALICE

Por Amanda Maia

Foto de Izabela Valverde

Era um quadro em movimento com algum encantamento que me fazia querer chegar perto. As telas de plasma se dissolveram do meu interesse. Por algum tempo, só houve ela. Fui invadida por uma profusão de fantasias.

Crítica da Mostra de Performance Submersos

longe, de dentro, gritava que aquilo não estava certo. Meus olhos não pareciam se importar. E então, irrompeu uma festa de aniversário.

Eu não vi a festa, de fato. Mas a vibração dos auspícios foi suficiente para me tirar da dormência. Adentrei o outro cômodo em busca do entendimento. Havia outra mulher, existindo dentro de uma barraca que também era um vestido. Uma outra banhada de cola, me olhou divertida e se esfregava enquanto dissecava um alguém qualquer que aceitasse o seu olhar. Outra, com olhos vendados por espelhos, arrastava o cabelo no chão. Aquelas presenças, coloridas, recortadas, pululavam em desacordo com o lugar onde estavam, como se diminutos portais anômalos se abrissem para que enxergássemos outros lugares, como se o mundo se rasgasse em fendas de espaço. Era muito para fixar a atenção. As telas estavam perto, seriam um refúgio para recuperar a ordem. Mas, então, houve a música.

Não notei antes, mas a paisagem sonora sempre esteve lá. A mulher fez aniversário de novo. Pediu que três pessoas lhe cantassem Parabéns. Cantaram. O alarido das vozes contrastou com a música harmônica que dominava o ambiente. Foi assim que percebi. As pessoas são tão generosas quando estão expostas. Havia outras pessoas, então. Muitas, aliás. Os verdadeiros petiscos de uma vernissage. Não me interessaram muito além da apreciação de suas carinhas de entendimento. Durou pouco, me julguei logo. Quão arrogante eu era. Não fazia também eu parte da exposição? Afinal, não estava em uma galeria? Melhor que me concentrasse nos não-espelhos. Cada um que adentre o seu próprio País das Maravilhas. Passei então ao cômodo maior.

Lembrei-me dos mapas antigos que retratavam o Oceano Atlântico. Tantos monstros, tão criativos. Entendi o porquê do Submersos. Eram ali, todos seres fabulosos, das lendas do submundo dos mares do Mundo Virtual. Todos tinham um quê cyberpunk decadente. Peças desencaixadas, lixo tecnológico radioativo, regurgitado de algum fractal obcecado por padrões de ordenamento. Claro que li o encarte da mostra com seu interessantíssimo texto de apresentação, explicando tudinho. Mas, foi depois.

No centro do espaço, uma mulher deitada com os pés para cima. Desfez-se, provavelmente, dos saltos imensos que estavam ao lado. Mas, não andou mais. Nunca mais. Nunca mais sairia dali. Encalhada, na companhia de um pepino. Tinha um olhar tão cansado que chegava a fazer os meus pés doerem.

Noutro ambiente da mesma sala, a taça de champanhe onde a palavra ‘democracia’ estava à deriva num pedaço de papel era oferecida por uma mulher toda de preto, dos pés à cabeça. A cada proposta de brinde, o perigo do naufrágio nas rachaduras do frágil cristal. Apenas um olho à mostra fazia o convite. Aquilo me trouxe um gosto amargo na língua. Eu parecia participar de um velório. Precisava sair da presença daquele dementador antes que minha alma fosse sugada pela tristeza.

Um som se soltou da paisagem e me atraiu. Agradeci em silêncio e parti. Uma outra mulher parecia fazer suas muitas agendas cantarem em coro. As agendas não respondiam nunca, por mais que ela entoasse um inebriante canto de sereia. Mal pude acreditar na infinidade de minutos que passei fitando fixamente as agendas, esperando que acompanhassem a canção. Agendas malditas. Teimosas. Cretinas. Aí, um toque me trouxe de volta. Um toque. Dedos roçando a minha pele. Lembrando que havia um corpo-calabouço da minha mente. Um 

toque.

Era uma mulher de fitas. Sorria como uma ninfa. Olhos antigos carregados de uma sinceridade que não era dali. Um acolhimento absurdo. Fitas que me envolviam. Fitas de cetim. Lembrei-me dos meus domínios. Quase flutuei. Ela tinha um cheiro de abraço quente. Deixou-me um laço roxo no pescoço antes de partir. Quis ir junto. Sorria de volta, feito boba de coração acelerado. Cheguei a dar meio passo para frente. Alguém gargalhou ao lado. A mulher fez aniversário de novo. Parabéns pra você!

Desliguei do devaneio e me percebi. Exposta. Daí, veio a cereja no bolo. Uma antiga aluna me viu e tivemos um daqueles fortuitos encontros capciosos. O Caos, sempre ardiloso. Falou do meu cabelo novo (minha secreta parte mutante) e disparou a preciosa pergunta. “Você é uma das performers?” Embasbacada, cheguei a pensar o contrário. Essa é a performance dela? Fingir-se de cotidiana e invadir assim a experiência alheia? Ri meio amarela. Respondi que não. Daquela vez não. Estava só apreciando. Julguei-me de novo. Não era verdade. Eu estava nadando no meio de assombrações. Mas, naquele momento, acabou. Saí do acontecimento e entrei no modo analítico. Vesti-me de artista diletante novamente, encarei o lugar de encenadora, dramaturga, intérprete. Uma sensual feiticeira em paetês e plumas ainda me encontrou e me batizou de crossdresser. Nem pensei em recusar. Estava feliz por eles e por nós, tão abertos, tão inescusáveis. Já não eram mais monstros, eram artistas corajosos dialogando com a atualidade. A Sociedade da Imagem. Juntei-me aos meus amigos, rimos juntos e muito das frugalidades e extravagâncias. Vi mais, havia outras mulheres quiméricas, havia seres berrantes envoltos em plástico e socialites de araque e fotografias brilhantes nas paredes. Era tudo muito bom e pronto. A luz da lua, por fim, não deixou dúvidas. Já era Salvador, novamente. Fomos para o bar.

Lá pras tantas, muitas cervejas depois, saboreando uma bela carne do sol e discutindo acaloradamente o assunto que nos faz arrastar correntes, a situação política do país, me perguntei. Por que não estamos falando do que vimos em Submersos? Por que não estamos fazendo os nossos links impregnados de nossos planos de dominação mundial? Deveria haver agora uma rica reflexão a respeito, para amainar minha alma atormentada. Não há. Apenas é seguro que dizer que terminei a noite alimentada. Ainda penso nas tocas de coelho por onde mergulhamos desavisadamente. Ainda penso sobre espelhos nos olhos, fitas que queimam, barcos de cristal à beira da destruição, tempos-espaço sobrepostos. Ainda penso sobre os vulcões que explodem nos esgotos. Ainda penso em quantos universos podem conter um único instante manifesto. Ainda penso que não há nada maior que cada segundo tragado pela imaginação. Não há brilhantismos aqui. Só vida acontecendo mesmo. Só a simples escolha de dar mais um passo. E ver.

C R Í T I C A

Ama(n)da Alice,

 

Quer me acompanhar neste chá?

Preciso te dizer sobre aprender a ficar submerso. É um exercício de resistência, mas também um movimento suave como essa hora do chá. Vou compartilhar com você(s) um trecho do texto “O dia em que Gottfried Been pegou a onda” de Alberto Pucheu:

 

[...]

É preciso aprender a ficar submerso,

é preciso aprender a ficar lá embaixo,

no círculo sem luz, no furacão de água

que o arremessa ainda mais para baixo,

onde estão os desafiadores dos limites

humanos. É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, a persistir, a não desistir,

a não achar que o pulmão vai estourar,

a não achar que o estômago vai estourar,

que as veias salgadas como charque

vão estourar, que um coral vai estourar

os miolos – os seus miolos –, que você

nunca mais verá o sol por cima da água.

[...]

É preciso aprender a ficar submerso

por algum tempo, é preciso aprender

a aguentar, é preciso aguentar

esperar, é preciso aguentar esperar

até se esquecer do tempo, até se esquecer

do que se espera, até se esquecer da espera,

é preciso aguentar ficar submerso

até se esquecer de que está aguentando,

é preciso aguentar ficar submerso

até que o voluntarioso vulcão de água

arremesse você de volta para fora dele.

Há muitas saídas no antigo casarão. Alguns lugares que te levam para becos, para mistérios, para escuridão, nem tudo tão iluminado e clean como as salas da galeria.

Rebate à crítica “DA NOITE EM QUE FUI ALICE” de Amanda Maia

Por Leonardo Paulino

Uma das muitas portas do casarão abre-se para um mergulho no mar. Descemos as escadas e servimo-nos de uma deliciosa hora do chá. Muitas mulheres reunidas para a hora do chá. Duas mulheres de preto, uma feiticeira e, talvez, a aniversariante.

Perceba que essa é a história de muitas mulheres. Mulheres que habitam as ruas, os becos, as escadas, o plâncton. Mulheres com agenda, vagina com plástico, pau e pepino, democracia e espelhos. Mulheres trans, mulheres meio-bichas, meio-monstras, meio-plástico, meio-escada, meio-lagarta. Juntas, dançando em um mesmo espaço, somos uma multidão. Um bando-devir. Matilha pronta para borrar os lugares de desejos, dilatar as conexões entre corpo-espaço, submergir na experiência daquele momento como água-viva.

 

E nós mergulhamos, saímos pelas portas, pelas janelas, pelas escadas, saímos da toca. Fora desse espaço delimitado para você(s) ver(em), uma feiticeira sair na rua lança seu feitiço em brasa. Todas as mulheres estão nas ruas! Muitas querendo salvar a democracia que se afoga em taça de vidro. Outras tantas querendo seus direitos a se identificarem socialmente como desejam. Algumas outras dançam a valsa da insensatez e depois despe(de)m-se dos saltos, mas nunca deixam de mergulhar. De uma das janelas da casa, ouço uma sereia cantar. Ela vem subindo as escadas, arremessando sua voz para fora do mar, para fora da casa, para fora.

É necessária a nossa multiplicidade, o nosso desejo de afetação, a nossa vontade de afecção. Tantos corpos que se atravessam, afetam-se e são afetados. Quantas paisagens sonoras, quantos olhos que nos veem, quantos espelhos nos olham, sem querer nos ver.

Você não me pega

Você nem chega a me ver

Meu som te cega, careta, quem é você?

Que façamos um exercício antes de tomar o chá. Nenhum lugar pode ser delimitado, nenhuma parede pode ser tão fixa, nenhum pé pode ficar tanto tempo para o alto. Só pode ter cheiro de mirra solto no ar, evaporando. Cada tempo, sua intempestividade.

No fim, que não está tão próximo da gente, quando termina a hora do chá, eu ainda continuo; mergulhando como escafandrista. Sentindo as frequências e sintonias em meu corpo que são proposta pela tentativa de submergir. Nós todas dançamos em bando, bacantes saudosas, enlouquecidas com fervo, com cantos abcessos. Estamos estourando, sendo lançadas pelo vulcão aquífero para outros lugares, para abrir e fechar outras portas, para inaugurar novas brancas agendas, para nos melarmos e gozarmos com goma, para também confundir e incomodar os destemidos son(h)os.

Aqui, fundo do mar, cheio de conchinha.

Agora, odoyá!

Com a-feto,

Leona_do Pau____

R E B A T E

C R Í T I C A  D A  C R Í T I C A

Meme-Rizoma de A Bofetada

Por Laís Machado

R I Z O M A

Igor Albuquerque (Revista Barril) encontra Michelle Mattiuzzi (Musa Mattiuzzi) na praia da Ribeira (Península de Itapagipe em Salvador), para uma conversa incendiária sobre performance, racismo e mulher negra

Igor de Albuquerque encontra Michelle Mattiuzzi

E N C O N T R O

Antes de qualquer coisa, permitam-me: escrever sobre performance não é traí-la. Performance como gênero já é sua própria escritura. Portanto, nada há de anacrônico em teorizar performance. Podem dizer: “performance resiste à definições”; eu direi: “mas é justamente a performance que não resiste à definições”. Porque performance é esse falar sobre si mesma, é esse falar como processo de sua própria constituição. Para além do verbo. Performance não é uma prática específica nem um conjunto de práticas heterogêneas. É a delimitação simbólica de um gênero. Na verdade, é o gênero em sua feição mais radical — pura superfície. Puro gênero artístico: performance. Performance não é interdisciplinar. Não é o encontro entre múltiplos campos artísticos. Performance é a revelação estrita da auto-consciência artística, fotograma congelado em seu momento crítico de exposição e intimidade. Afinal, o que pode o artista senão inventar territórios?

O artista em performance é o artista em sua radicalidade estrita: aquele que produz demarcações. O artista não é o arauto da liberdade. O artista é o um dos grandes delimitadores da experiência humana; o incansável marcador de círculos. Nunca apenas um grito de revolta. Com o dedo indicador ou qualquer outra coisa, um pincel, um tablado, um cubo branco, uma tela, ele sempre designou seu próprio círculo, o da arte. Mas é claro. O artista, como a sublimação maior e mais bela do cinismo civilizatório, sabe: não existiria acontecimento sem uma designação que lhe nomeasse. Não existe belo, terrível ou vida em si. É necessário um dedo que os aponte, ou um olho solitário que sussurre para si: veja essa paisagem. Qualquer lugar é um recorte no espaço. O espaço não existe, ao menos fora de sua palavra.

Daí o corpo como objeto. Face à cotidiana ameaça de desaparição total, melhor voltar a revelá-lo. Já que não está mais demarcado a ferro e brasa pela força da tribo ou do Estado, já que por sua vez outros poderes praticamente invisíveis lutam pelo seu território (o sistema atual tem o “cuidado” de não causar muito dano aparente), melhor demarcá-lo eu mesmo. Então ela, Esther, a performer, a artista in essentia, diz: já que não posso fazer outra coisa senão produzir limites e molduras, melhor que restaure as coisas, e entre elas meu próprio corpo. Então sentada numa cadeira e ao lado de uma mesa (já neutralizadas por uma demarcação teatral convencional), começa a revelar – usando e abusando do fluxo temporal linear e tradicional – as coisas; o corpo. Não se sabe muito bem se são as coisas que devém coisas quando postas no marco da sua cabeça ou se é o contrário. Sim, pareceria por vezes que é justo o avesso. São as diferentes coisas colocadas sobre sua cabeça que estão designando, a cada diferença de aparição, “a artista”.

Então ela inverte o jogo. Revelo o meu corpo por meio das coisas, e não o contrário. As coisas são o marco do meu corpo, elas o revelam. Um rádio, portanto, é a moldura de Esther. Depois um desentupidor de pia, um espelho, um pênis de borracha. Tudo isso vira nome lá em

Artistas de todo o mundo, emancipai-vos

Por Daniel Guerra

cima. É a assunção da diferença. Mas também a designação da igualdade. Um corpo humano, sempre. E a mesma expressão. Não se sabe muito bem do que se trata, tristeza, alegria, etc, tudo que possam nomear na sua cara. É igual a tudo mais. Diferente como todo o resto, as múltiplas micro expressões de Esther lhe dizem: “Descubra o que descobri, o acontecimento só acontece quando é delimitado. O mundo interior é uma falácia, não me venha com esse papo de personalidade. Coragem! Delimite seu próprio significado, não se amedronte com a presença do artista; não ouça os essencialistas do corpo ou os mensageiros da razão, tudo é moldura, e veja, o melhor de tudo é o seguinte: eu sequer estou presente!”.

E é verdade. Esther é o avesso de Abramovic; sua sombra. Em Esther a artista está ausente. Aliás, um bom título para uma retrospectiva estheriana: the artist is absent. A artista está ausente porque aqui a artista significa “todxs xs artistas”. Esther é a artista em geral, uma idéia de artista: quero dizer, “aquele que cria territórios”. Seu corpo não é seu corpo, não é o corpo de Esther. É um corpo a serviço de um acontecimento. O acontecimento aqui não é forçado a entrar num campo. Não é seduzido por estratégias chocantes, não há sangue ou olhar penetrante. Nenhum cristianismo de fundo. Nada recalcado que precisasse ser revelado. Tá tudo aí: todo um nada em potencial.  Abre-se uma fissura no tempo e no espaço para que o acontecimento se efetue nos corpos. Mas também não nos venham com afetos e sensações. É claro, tudo isso vem: apenas depois da demarcação. Depois do “isso é arte”, tudo vem, pode vir.

Daí que a performance pode ser uma porta aberta para um pensamento materialista da arte. Porque performance não é avessa a essencialismos. Muito pelo contrário. Performance é a essência mesma, surpreendida em seu momento de trabalho: auto-construção. Performance é a mais cínica expressão civilizatória, é a elevação da capacidade de produzir limites e campos, e capital acumulado. É a essência de si mesma. Não necessariamente suporte de energias transcendentais ou dores reveladas a corpos crentes e anestesiados que lotam as galerias de arte. Tudo isso pode até ser. Mas antes, performance é, é, e é. Perceba, olhe honestamente pro assunto: performance nunca não é. Performance sempre está dizendo para si e para todos os outros: nós somos graças ao próprio fazer.

Performance, como materialismo estético, não aponta para fora do terreno da arte, nem esboça uma saída. Aponta para dentro, e é lá dentro que se mete. Designa as forças de produção, os corpos, os procedimentos. Observadora de todas as artes, nasce do meio da merda civilizatória, falogocêntrica — e se erige absurda, como o pau na cabeça de Esther. Diz: eu sou de borracha, mas sou o olho que tudo vê. Sou aparência: a essência de tudo. Sou o fantasma, a arte, o artista. A grande mentira. Sou o destino e meta da humanidade, sou todo o capital acumulado, sou o capital transformado e abusado, e é por tudo isso que lhes digo:  artistas de todo o mundo, emancipai-vos!

E N S A I O

Uma das melhores coisas das colunas Selfie, Rizoma e Treta é que nelas não sou obrigado a justificar nada. Só teria que dar minha idéia, na lata. Entretanto, inicio com um prelúdio a la Pero Vaz de Caminha.

A nossa revista deveria pensar exclusivamente produções locais, tanto pela necessidade interna do campo quanto pela possibilidade de gerar diálogos. Mas constatando de maneira cada vez mais clara que arrancar pensamentos, idéias e críticas dos artistas dessa terra é quase sempre um milagre, e não querendo me aproximar nem um pouco dessa interlocução de fachada que é o meio-elogio, a meia-simpatia e o meio-afeto, permito a mim mesmo transgredir a regra criada pelo editorial. Capturo portanto um pássaro estrangeiro que por aqui pairou, na esperança de que esse encontro valha para além de sua especificidade efêmera. Isso porque não vi nada na agenda da cidade que valesse uma treta, mas também porque aquelas produções que mereceriam ser tretadas já possuem a avacalhação por fundamento (o que constituiria redundância), e principalmente porque o objeto do presente escrito me afrontou com olhos de lince.

 

Treto, portanto, com os habitantes de um lugar muito, muito distante, abrindo a partir daí um panorama maior, brotado da vivência nos nossos tempos. A passagem da Companhia Brasileira de Teatro pela província de São Salvador confirmou-me o quanto o sul do país pode ser tão distante de nós quanto o Japão. Graças à experiência vivida esta noite, me dei conta que, confrontado um mapa, saberei exatamente onde fica a terra do sol nascente, mas dificilmente apontarei de primeira a elegante Curitiba. Estes chiquérrimos companheiros de ofício trazem ao povo nordestino um espetáculo chamado Projeto Brasil. Entendamos portanto esse Brasil projetado.

 

Enquanto escrevo, há no Senado uma votação sobre o destino da presidenta Dilma Rousseff. Por outro lado, na internet, parece que se criou, concomitantemente a uma assunção generalizada da tagarelação sobre assuntos políticos, uma classe de gente que se sente no dever de educar, catequizar e introduzir-nos na burocracia democrática. É como se, nos dois casos, a única forma de luta estivesse encerrada no miserável jogo dos acordos, memes e leis; e subitamente, tanto os parlamentares quanto os vermelhos e verdeamarelos, transformam-se todos numa legião unificada de legalistas ferrenhos. Compartilham linguagem, estrutura e campo de coordenadas. É estranho pensar que em plena, flagrante e espetaculosa derrocada de todo um sistema representativo, a crença neste mesmo modus operandi como única via tenha aumentado de maneira assombrosa. Então, naturalmente, existe uma grande parcela dos artistas — essa gente propícia por definição — que incorpora tais formas de articulação. Retrucam sobre leis justas, direitos, representatividade, vontade do povo etc, como se nenhum destes termos se excluísse diretamente, ou como se o raio de ação esteticopolítica se restringisse a esses parâmetros. Tudo faria crer estarmos, inescapavelmente, num estágio último da evolução política. Portanto, não nos assustemos quando a constituição brandida pelas mãos endiabradas da advogada do golpe for a mesma levantada pelos defensores da democracia. É uma questão de estética.

 

Se a intenção do espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro foi refletir essa dinâmica, acertou em cheio. O começo do espetáculo é embebido em legislação. Todos trajados com esse minimalismo elegante e contemporaneamente tardio que é o pretinho básico, oferecem-nos  — logo a nós, o povão — uma cachaça nada convidativa. Sei lá, tudo soava como uma festinha classe média-alta. E então dão início a um blá blá blá cravejado de legalidades, que se de início parece engraçadinho, depois dá lugar a um hino à Lei que faria Kafka corar. E não contentes em recitar a lei de cabo a rabo, olhando nos nossos olhos com aquele ar de intimidade que só os melhores charlatões conseguem produzir, põem-se a sublinhar tudo de novo, mas agora com o corpo, primeiro beijando-se cheios de paixão teatral e depois distribuindo besos calientes na platéia, que atônita, não sabe se permite ou recusa tamanha demonstração de afeto forçado. Slogan:

 

Tudo faria crer estarmos, inescapavelmente, num estágio último da evolução política. Portanto, não nos assustemos quando a constituição brandida pelas mãos endiabradas da advogada do golpe for a mesma levantada pelos defensores da democracia. É uma questão de estética.

Por Daniel Guerra

Foto de Elenize Dezgeniski

A REVOLUÇÃO SERÁ LIMPINHA

A partir do “Projeto Brasil”, da Companhia Brasileira de Teatro

“Celebramos a livre união & a diversidade”. Mas ironicamente, a cena toda se passa como um apelo persuasivo à Família e à Constituição, ao qual só faltaria Deus para que tivéssemos o triângulo perfeito — tão pacífico e harmonioso quanto as ilustrações evangélicas da Bíblia.

Esse progressismo miguxo — nossa enfermidade conjuntural — vai atravessar todo o espetáculo, brotando aqui e ali de variadas formas, porém o mais assustador de tudo é o tom pedagógico (outra doença grave). O ápice dessa sensação dá as caras no meio da peça, quando achei que testemunhava a Primeira Missa do Brasil. Depois de executar uma imagem-bonita-de-difícil-definição-em-cima-de-um-palco-giratório-envolto-em-fumaça, um dos atores aparece ao microfone recitando em espanhol um discurso político talvez originalmente falado pelo democrata modelo, José Mujica. Mas como para selvagens deve-se sempre sublinhar as coisas, presenteiam-nos com mais uma legenda, desta vez num telão acima do ator, onde a peça retórica é traduzida simultaneamente para o português. Depois de uma eternidade o ator finalmente pára de falar, a luz baixa e ficamos todos olhando para o telão lá em cima, onde continuam a passar as palavras humanitárias que el uruguayo costumava proferir. Na atmosfera pesava o mesmo silêncio grave que os nativos devem ter feito frente à primeira cruz de madeira do Brasil. Quanto a mim, sentia um sono ostensivo. As palavras finais tinham algo a ver com destruição ou salvação do mundo, o que — seja nos quadrinhos ou na macro-política — dá sempre no mesmo.

 

No mais, há a exploração incansável de um tipo de tônus usado e abusado em produtos cênicos de qualidade. Já existe um padrão contemporanóide universal (e como sabemos, universal é sempre europeu ou norte-americano) que consiste no seguinte mandamento: faça o que quiser, contanto que não esteja ali. É a famosa dignidade da cara-de-nada. É assim que a cena do estupro da mulher é de uma esteticidade gratuita, é assim que as quedas e lapsos desconstruidões soam tão coreografados, é assim que a cena da festa ébria desiludida, em vez de parecer brotada da desilusão geral, vem na verdade da cobertura de um edifício em Copacabana. Finalmente, foi assim que o signo da cachaça me chegou como champanhe e a tinta preta simbolizando sujeira soava tão limpinha. Eis o espírito dos tempos.

 

No projeto de Brasil proposto pela Companhia só existem brancos e índios (infelizmente a alteridade local mais distante, e portanto mais segura). O negro não dá as caras. Ao final o grupo nos diz, numa voz em off, misteriosa como vinda de um deus do black-out, algo como: “Só quem pode entender é o homem nu. Ele flutua no ar”. Ora, com toda certeza esse homem nu não é o mesmo de Viveiros de Castro ou Levi-Strauss, o primeiro um anarquista confesso; está mais pro bom selvagem dos tempos clássicos. E é claro, esse bom selvagem, o homem nu da Companhia, continua flutuando no ar, leve como uma idéia distante.

 

Enquanto isso, aqui na Terra, especificamente em Salvador, onde uma população negra leva bala todos os dias, os cidadãos e cidadãs, vestidos, seguem suas vidas para além do teatro. E durante a escrita desse texto, depois de apenas duas páginas e dois dias, o Senado já havia decidido: num golpe de leis, o país está tomado.

T R E T A

S E L F I E

O Brasil entra numa de suas grandes efervescências políticas desde os movimentos da redemocratização ou do impeachment do “caçador de marajás”. Pensando nestas questões, é admirável perceber o quanto estes momentos históricos são demasiadamente recentes e o Brasil um eterno enamorado de um sistema representacional. As querelas políticas assolam e transbordam, seja na rua ou nas redes sociais, estas se configurando no verdadeiro parlamento – talvez aqueles, bem atenienses –, e, com obviedade, uma grande parte da população brasileira se sente impelida para as mobilizações.

Não seria diferente com os artistas, com inclusão dos agentes e trabalhadores da cultura. A extinção do Ministério da Cultura (MinC) é a confirmação da grande intenção do governo interino golpista: cortar uma das principais raízes das mobilizações de esquerda no país. Ainda, não se enganem, a reintegração do MinC pode se configurar na estratagema “cooptante” de manter a desarticulação pelo desgaste. O que mostra, mais do que nunca, que as ocupações das sedes do MinC por todo o Brasil se tornam ainda mais necessárias, configurando-se em umas das grandes frentes de resisten-

 

 

O poeformer (poeta e performer) Alex Simões, foi nosso convidado para a coluna REVERBERA. Alex expõe suas reverberações ao espetáculo Looping, de Rita Aquino, Felipe Assis e Leonardo França, sem esquecer as curvas do labirinto estético-político brasileiro.

 

Laís Machado, de forma lúdica, cria um Meme rizomático do espetáculo A Bofetada, da Companhia Baiana de Patifaria, na coluna RIZOMA. 

 

Igor Albuquerque (Revista Barril) encontra Michelle Mattiuzzi (musa performática) na praia da Ribeira (Península de Itapagipe em Salvador), para uma conversa incendiária sobre performance, racismo e mulher negra na coluna ENCONTRO.

 

Por final, na coluna ENSAIO, Daniel Guerra propõe uma emancipação dos artistas do mundo rumo ao materialismo estético, movido pela performance de Esther Ferrer, de dezembro de 1993, no texto Artistas de Todo o Mundo, Emancipai-vos.

 

O Barril está triplicado! Isso é sabido.

 

Boa leitura.

-cia ao governo do golpista Temer. Prontamente, não estranhem o reboo que a situação política do país causa na 3ª Edição da Revista Barril, principalmente nas colunas que explodem a qualidade analítica para além obra de arte.

 

Nas colunas CRÍTICA DA CRÍTICA, SELFIE e TRETA, respectivamente compostas por Laís Machado, Victor Bastos e Daniel Guerra, está lá, posto, a imbricação e enfrentamento espetaculosos entre política/artista, e espectadores/política. Ecos dos tempos conturbados a partir dos conceito de “classe”, cultura e do Projeto Brasil, da Companhia Brasileira de Teatro (SP).

Na coluna de CRÍTICA temos dois textos: Fissura de Fissura e Da noite em que fui Alice. O primeiro feito por Diego Pinheiro, sobre o espetáculo do Coletivo COATO, Maçã – Um Acontecimento Cênico. O segundo, pela nossa queridíssima convidada desta edição; a encenadora, dramaturga e integrante/fundadora do Núcleo Viansatã de Teatro Ritual, Amanda Maia, que lança seu olhar a mostra de performance Submersos. Para completar esta coluna, o Coletivo COATO e Leonardo Paulino (em nome da mostra Submersos) REBATE(M) os textos de Diego e Amanda.

a b r i l

Editorial ed 3

V.1 n.3 2016

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