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CRÍTICA Crítica a Negras Utopias
REVERBERA Caio Araujo
Crítica - Entre os dedos - Crítica das Loucas do Riacho
REBATE Loucas do riacho
CRÍTICA DA CRÍTICA - O caso Wagner
RIZOMA - Estranha Civilização
ENCONTRO com Orlando Pinho
ENSAIO Questões sobre arte contemporanea negra
SELFIE - "Maradona" ou Deus não toma Coca-cola
TRETA -White privilege and corpos que importam
Rebate -Negras Utopias

O Caso Wagner, por Daniel Guerra

Alex Simões encontra Orlando Pinho

White privilege and corpos que importam, por Val Souza

Questões sobre arte contemporanea negra, por Diego Pinheiro

Rebate à Crítica a Negras Utopias, de Alex Simões

Caio Araújo reverbera o Ballet Vip

Crítica a Negras Utopias, por Alex Simões

Rebate à Crítica Entre os dedos, de Laís Machado

Entre os dedos - Crítica de As Loucas do Riacho, por Laís Machado

Foto de Andrea Magnoni

EDITORIAL

março

Por Laís Machado

Entre os dedos

Crítica a partir das Loucas do Riacho

Loucas do Riacho, coordenada criativamente por Raiça Bonfim, não se caracteriza como uma obra de fácil acesso, e acredito ser difícil formar uma opinião estando lá apenas uma vez. É preciso se despir de muita coisa, inclusive da necessidade de manter-se na zona do entendimento. A obra propõe uma experiência estética a partir de uma imersão sonora e imagética. Preciso deixar claro antes de seguir que é impossível falar das Loucas sem mergulhar na minha própria experiência ali dentro, uma vez que tentar me distanciar para atender a determinados parâmetros da crítica da cena seria criticar uma impressão da obra e não a coisa em si. Estive lá duas vezes. Sinto por não ter estado a terceira antes de escrever este texto, pois, de minha parte, foram percepções e sensações muito distintas. Em uma mergulhei num lago morno e acolhedor e em outra num poço frio que ora me relaxava, ora me fazia ranger os dentes. Queria ter ido tirar a prova dos nove. Tirar a média. Se é que isso seria possível.

Dentro de um casarão do no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, encontramos seis corpos nus espalhados pelo espaço com seus rostos cobertos por uma enorme cabeça de algas. O mais relaxado que se pode estar ao receber alguém. Podemos nos colocar em qualquer espaço da casa (esta é a instrução), mas automaticamente se formaram (nos dois dias em que estive) uma espécie de arena. E se inicia a expectativa. A espera de que alguma coisa acontecesse. Durante muito tempo nada acontecia, e dava para sentir, como se fosse possível tocar, a atmosfera de expectativa crescer e começar a gerar um incômodo.  Então a vista viciada procura qualquer tipo de movimentação nesses corpos. Como se uma troca de peso indicasse que alguma coisa iria começar, e nada acontecia. Nesse jogo de expectativa e frustração, a escuta se amplia. Reflexo de seres tão desesperados por relações e sentidos, como somos. Ouço, então, pela primeira vez, a goteira na bacia de metal.

Aos poucos essas criaturas aquáticas despertam e caminham pela casa. Trocam entre elas, usando de códigos desconhecidos por nós. Códigos que só haviam sido estabelecidos entre elas. Códigos a que fui atribuindo significado na medida em que se repetiam, e que só foram estabelecidos de mim para elas.

...descobrir, investigar, testar, explorar, ir e entender os limites da minha interferência no espaço pode ser uma experiência muito agradável e reveladora. E esse caminho era guiado, facilitado ao compartilhar a exploração delas. Quando elas descobriam, investigavam, testavam, iam, entendiam os limites da própria interferência no espaço.

Na medida em que se diminui o tempo necessário para se formarem as conexões entre nós, o espaço e as Loucas, uma atmosfera sonora começa a ser composta com a interferência de André Oliveira nas programações. Além dos sons, resmungos, cantos, havia ali uma programação que parecia jogar na hora com o que era produzido por elas. Esse é um elemento muito importante em toda a composição. As atmosferas sonoras estimulavam e interferiam na percepção das imagens escolhidas para serem contempladas, recorte que era feito a partir do lugar de onde se escolhia ver. Era um dos bisturis mais afiados para a imersão.

Saí do primeiro dia refletindo sobre a importância desse elemento e, coincidentemente, na segunda vez em que fui assistir, André não foi, e a mudança das texturas sonoras programadas ficaram a cargo de Raiça Bonfim, que também estava em performance, mas que, para atuar nesse espaço, precisava romper o próprio fluxo. E mesmo eu tendo reconhecido os sons, dessa vez, soavam apenas mecânicos.

Um de meus primeiros pensamentos ao encontrar as Loucas foi: Nossa! Que bonito. A imagem inicial, o espaço, a vista, os corpos, suas explorações do espaço. Com isso, senti-me impelida a explorar os meus modos de contemplar. Quais eram os meus limites naquele espaço? Isso não ficou claro para mim. Por outro lado, descobrir, investigar, testar, explorar, ir e entender os limites da minha interferência no espaço pode ser uma experiência muito agradável e reveladora. E esse caminho era guiado, facilitado ao compartilhar a exploração delas. Quando elas descobriam, investigavam, testavam, iam, entendiam os limites da própria interferência no espaço.

Nesse ponto, todos os elos criados eram frágeis, finos, tênues. E aí é que está a dificuldade de acesso. Porque demanda uma escolha: ou você cuida desses elos, vela-os, nutre-os, ou eles se rompem com o mínimo de esforço.

Entretanto, algumas intervenções e atitudes tornaram por vezes essa experiência constrangedora: a presença do registro fotográfico e do produtor

O registro fotográfico vibrava em outra energia e por vezes invadia o quadro que eu tinha escolhido criar. Ao mesmo tempo que as vezes me tirava da paisagem que contemplava, por ter passado rápido demais para capturar alguma imagem, me fazendo crer que eu estava deixando de ver alguma coisa que eu deveria estar vendo. E quando eu percebia que não, e tentava voltar ao fio que tinha sido criado entre mim e a paisagem, ele já tinha se rompido.

Já a presença do produtor era mais sutil, mas de mesma intensidade em poder. Quando eu tentava um deslocamento mais ousado, ele me olhava. E mesmo que não dissesse nada, por alguns segundos eu me perguntava: será que eu não podia ter vindo para cá? Tempo suficiente, novamente, para romper o fio que me ligava a alguma Louca.

Considero a presença da água (literal) absolutamente dispensável. Uma vez que tudo é água em atmosfera. O próprio acontecimento o é. Assim como a água, não pode ser segurado nas mãos. Se fria, contrai os vasos; se quente, os expande. Se passa muito tempo, pode ficar mareada; se pouco, sente-se frio. Um mergulho nunca é como outro, mesmo que mergulhe no mesmo ponto. Existe algo além do visível que está sempre em movimento.

É engraçado que a crítica comece falando de Loucas do Riacho pelo o que ela não é (uma obra de fácil acesso). Penso também no que seria essa ideia de acesso. Trata-se de uma obra em que não é fácil entrar, em que não é fácil estar, em que não é fácil entender? Adoraria que Loucas fosse sentida como um território em que as portas estão abertas para entradas múltiplas, estados variados, convivência, vislumbres, sem a urgência de entendimento.

 

Ao ler que foi difícil formar uma opinião, me pergunto pra que serve uma opinião formada? A fruição de uma obra artística não prescinde de opiniões? E a crítica, precisa mesmo trazer opiniões formadas? Lembrei de uma passagem de Jorge Larrosa, em suas “Notas sobre a experiência e o saber da experiência”, em que ele diz que “a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. O sujeito moderno é um sujeito informado que, além disso, opina. É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes, supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo. Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião. Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça.” É interessante essa fala de Larrosa porque ela se conecta justamente com o que você diz em seguida, do que você sente que Loucas de Riacho é: “uma experiência estética, uma imersão sonora e imagética”. Acho que as experiências se traduzem em algo como relatos, não como opiniões.

 

Tampouco acredito na possibilidade de tirar uma prova dos 9, como se conhecer fosse apreender com clareza numa perspectiva final que desmascara o que a coisa é realmente, para além do que ela é em cada ato, em cada momento, na conexão com cada jeito de corpo-espírito que encarnamos a cada dia. Ou como se a verdadeira percepção fosse resultado quantitativo das vezes que sentimos mais assim ou mais assado. A frequência das sensações que temos é muito reveladora de nossos apetites e necessidades, mas acredito que a experiência não seja equacionável.

 

Loucas do Riacho surge da possibilidade de criar a partir da vulnerabilidade, da perda, da fragilidade, do encontro. O principal objetivo é diluir os contornos que pessoalizam cada corpo, que demarcam cada identidade e que objetivam a linguagem (essa linguagem que é ordem, poder e que é bem macho), para deixar emergirem, ainda que por um instante fugaz, novos modos de ser, novas gramáticas. Aqui a Ofélia louca e afogada se faz presente enquanto mote: um corpo de mulher (e o que é um corpo de mulher? quais os borrões possíveis nele?) cuja linguagem transborda em loucura e cuja matéria se dilui nas águas.

Na construção do trabalho, não pensamos no que causar ao público - quebra de expectativas, incômodo etc. -, mas em como estar disponíveis para encontrá-lo, permitindo-nos silenciar,

Por Raiça Bonfim

Rebate à crítica "Entre os dedos" de Laís Machado

não há uma direção focalizada. Mari integrou o processo das Loucas de modo muito fluido e o seu corpo também esteve imerso no trabalho. Mas percebo que há um paradoxo da coisa em si, na incidência da fotografia que captura imagens num acontecimento que é de diluição. E compreendo a decorrente imposição de olhar que o gesto de fotografar pode gerar no público. É um tema que ainda vai render boas confabulações com Mariana. Em um dos dias de apresentação, cheguei a brincar que seria lindo se ela também estivesse nua, com a cabeça de sargaços, fotografando, tal qual fazem os cegos, a partir dos sons e sensações. Mas esse percurso, o de desnudar-se e assumir-se enquanto performer, precisaria ser construído aos poucos e em conjunto, se fosse o caso.

 

Já sobre o olhar de Júnior (produtor), leio como uma percepção muito individual. Mas entendo que Júnior, como integrante da equipe e anfitrião, é um dos faróis do público para pescar permissões e impedimentos nos modos de colocar-se e agir. Durante a temporada é que fomos percebendo essa dimensão e compreendendo as nuances dessa comunicação quase que involuntária.

 

Sobre a presença material da água, quando montei o solo “OFÉLIA: sete saltos para se afogar” conversei com Erick, responsável pela cenografia, que não queria em absoluto usar a água propriamente, uma vez que toda a composição do espetáculo metaforizava esse elemento. Ali, usar a água seria uma grande redundância. Em Loucas do Riacho, sinto o contrário. Não estamos lidando com metáforas, mas com variações da possibilidade de emergir e com o sentido expansivo da loucura. E nisso, a sensação de umidade, o banho de cheiro, a temperatura da água são muito importantes.

 

Pensei numa frase bonita para terminar esse rebate e me ocorreu um poema de Jorge Luís Borges que Felipe (Benevides) levou para as apresentações. Pra mim, esse poema responde a tudo:

 

"O segundo crepúsculo.
A noite que mergulha no sono.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo.
A manhã que foi a aurora.
O dia que foi a manhã.
O dia numeroso que será a tarde desgastada.
O segundo crepúsculo.
Esse outro hábito do tempo, a noite.
A purificação e o esquecimento.
O primeiro crepúsculo…
A aurora sigilosa e na aurora
a inquietude do grego.
Que trama é esta
do será, do é e do foi.
Que rio é este
pelo qual flui o Ganges?
Que rio é este cuja fonte é inconcebível?
Que rio é este
que arrasta mitologias e espadas?
É inútil que durma.
Corre no sonho, no deserto, num porão.
O rio me arrebata e sou esse rio.
De matéria perecível fui feito, de misterioso tempo.
Talvez o manancial esteja em mim.
Talvez de minha sombra,
fatais e ilusórios, surjam os dias."

esvaziar e articular sucessivas aberturas. E em como criar uma estrutura que o convidasse para despir-se dos temperamentos cotidianos e mergulhar conosco no riacho das loucas. O roteiro é: aceitar o vazio, estar; deixar que as águas do corpo ressumem; buscar afluências; invocar o rio; ser rio; alagar. Esse roteiro nasce depois que, em cada etapa do processo, a possibilidade de ditar, de acertar, de conduzir, de dominar era arrastada pra mais longe. O que restou como procedimento central, arriscado e sincero foi trabalhar para que o rio corra entre nós, entre os corpos que habitam a casa a cada dia, e que, a partir das afluências sutis entre desejos, olhares, silêncios, movimentos, as ações despontem.

 

Quais são os limites dentro de um espaço de abertura? O que pode alguém frente a outro alguém que não lhe diz o que fazer, mas tampouco lhe diz que não. Quando os pactos de respeitabilidade e boa convivência não estão claros somos requisitados a olhar atentamente para o outro, para entender nossos limites e possibilidades na relação dinâmica com ele. Essa desorientação que acontece nas Loucas talvez represente uma grande demanda para o público, mas acredito que é uma demanda necessária e que pode ser transformadora realmente, ainda mais em tempos de re-conhecer quem somos e quais são nossos aliados.

 

Acho triste pensar que “durante muito tempo, nada acontecia”. Se estamos falando de acontecimento, acontecer nada é um fracasso. No entanto, pensando no nada de modo substantivo - “durante muito tempo, O nada acontecia” - e isso corresponde exatamente às buscas das Loucas. A invocação do nada como possibilidade de despojar-se dos cansaços, expectativas, ansiedades, do excesso de discursos. Livrar-se da exigência de produzir gestos cênicos para dar vazão ao que se cria naturalmente enquanto cena: o pôr do sol na baía de todos os santos, as cigarras que começam a cantar em coro, as paredes brancas e descascadas da Casa de Castro Alves, o teto alto, um vestido azul brilhante pendurado, um matinho que cresce lentamente de uma trama de tecido que pende no centro da sala, o lustre antigo de lâmpadas quentes, corpos nus sem rosto, que sentam, deitam, levantam, ficam, ficam, ficam... E tantas outras coisas, cuja voz precária não precisamos traduzir, mas apenas abrir passagem pra ressoar.

 

A pactuação de códigos, enquanto gatilhos pré-acordados cuja compreensão é partilhada por todos, foi dispensada. Trabalhamos com exercícios de escuta sutil, a partir da qual o que uma produz, antes de ser “decodificado” pela outra, provoca-a e gera reverberações imediatas.

 

Para criar o riacho, muita gente se misturou (você, inclusive). Entre essa gente, Fábio Pinheiro, com os detalhes preciosos de uma cenografia/figurino que aderem ao espaço e ao mesmo tempo transfiguram-no. Márcio Nonato, trazendo na iluminação uma linha tênue entre a casa e um espaço fundo, abissal. E André Oliveira, com uma sonoplastia que forma essa rampa pela qual o público vai sendo lançado para dentro das águas.

 

Sobre a sensação diante da ação de Mariana (fotógrafa), de fato, é um desafio entender como esse olhar fotográfico que enfoca e que emoldura o instante pode conviver num espaço que é de pulverização e turbidez, onde

Por Alex Simões

Crítica a Negras Utopias

“Há algumas eras nosso amor vive por fazer

afrofuturismos”

(Marcelo Ricardo, Satélites. In: Enegrescência.)

 

Estamos em plena Galeria Cañizares, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, participando, como artistas e espectadores, da VII Mostra de Performance que, neste ano, traz a temática “Performance Negra, imagem, empoderamento e dissonâncias contemporâneas”.  É o terceiro dia da mostra, que vai de segunda a sexta. Por ser um dos artistas participantes, tenho acesso ao camarim por onde passo para ir ao banheiro dos artistas. E é lá no camarim que vejo dois jovens do sexo masculino, negros  e cis, se acarinhando. Acho bonito aquilo.

Já do lado de fora do camarim após o anúncio de Ricardo Biriba, o organizador da mostra, me dou conta do que tinha acabado de ver. Os dois jovens negros, Bruno Novais e Eduardo Guimarães, estudantes-pesquisadores da Escola de Dança da UFBA, estavam se preparando para mostrar um experimento: Negras Utopias. Os mesmos jovens, ambos de calça jeans, tênis e camisa regata preta, deambulam entre nós, esses seres esquisitos que fazemos e apreciamos a performance art, cada um escolhendo um eventual espectador (como é difícil arrumar uma palavra para quem está vendo e interagindo com uma performance!) para ou olhar fixamente ou acarinhar ou simplesmente olhar e dar as costas. Posso estar enganado, mas a impressão que tive é que quanto mais negro ele fosse, mais demorada e amorosa seria a interação.

Pausa para a metalinguagem: fui escalado para escrever uma crítica, eu sei, e não uma selfie. Mas devo admitir que além de ser um crítico que não sabe escrever crítica, escolhi um evento do qual participo como artista e uma performance que fala de e para pessoas como eu (vocês já vão saber por quê. calma!). Por isso a primeira pessoa e a autorreferência vão dar a tônica do texto. Afinal de contas, performance é uma ação artística que se dá no aqui e no agora e que, em geral, e é o caso, acontece na interação com os espectadores participantes. Falar dessa experiência na terceira pessoa ou com instrumentos de análise mais objetivos não daria conta de uma performance-experimento.

Esse primeiro momento da performance leva uns dez minutos e as reações são tão variadas quanto são as ações dos performers. Olhar nos olhos não chega a ser bem uma provocação numa cultura como a nossa e ainda mais no contexto em que a ação se deu. Mas o carinho incisivo de um homem com outro pode gerar algum mal estar. Claro está que fora da galeria Cañizares alguns gestos que os performers fizeram poderiam gerar agressão física e até assassinato. Os leitores da Barril são devidamente sensíveis e bem informados e por isso serão dispensados de lerem, aqui,  sobre as estatísticas de homolesbotransfobia no nosso país. E ainda que a ação tenha sido nesse contexto, digamos, propício, houve pelo menos duas situações de desconforto de homens acarinhados. E vejam bem, não estamos falando de nenhum carinho exagerado, desrespeitoso, sexualmente ostensivo. Estamos falando de toque, fricção,

Ali está um esboço, um experimento de algumas reflexões e vivências, no corpo e no coração de pessoas negras e homossexuais. Ainda se fala muito pouco sobre a interseccionalidade entre raça negra e sexualidades não heteronormativas

Foto de Fábio Duarte

política em tempos que o candidato que se projetou com a pressão, bem sucedida,  para vetar o kit homofobia tem 8 % de preferência e o menor índice de rejeição entre os presidenciáveis. Se se está falando de amor entre homens negros e homossexuais, mais ainda. Porque nós, negros e homossexuais, negras e homossexuais, bissexuais, trans, intersex, somos as maiores vítimas de preconceito e agressão. E de silenciamento, e sorriso de canto de boca, e de boicote, menosprezo, subestimação, todas essas estratégias de apagamento que sabemos que acontecem, mas não temos como provar.

Talvez também por isso,  e por algumas reações naquele dia, e de outras em que tiveram no experimento que fizeram em praça pública, os gestos são, na minha opinião, excessivamente tímidos. Não esperava confronto, nem beijo gay que a novela da globo não comprou. Escolhi esta performance por motivos óbvios: sou negro e gay e entendo que pensar a relação entre sexualidade e raça-etnia não hegemônica é mais que importante, é urgente. Toda iniciativa de pensar esteticamente (e não só) sobre o tema é bem vinda. Mas tem uma potência ali, que é nos contaminar pelo amor, a ponto de não termos dúvida da beleza do afeto, que ficou, na minha sensação, só como um esboço. O outro motivo de eu ter escolhido essa ação foi justamente por ser um experimento e haver a possibilidade de intervir positivamente, e talvez até de modo pretensioso, confesso, nos caminhos dessa experimentação. Precisamos falar mais sobre o assunto e, mais que isso, trocar e potencializar as experiências mais recentes de discussão sobre o caráter político do afeto. Eventos recentes promovidos por e com a participação de intelectuais negras como Denise Carrascosa, Cidinha da Silva, Livia Natália podem trazer contribuições importantes para a pesquisa que os dançarinos-performers estão desenvolvendo. Assim como buscar as referências literárias próximas, para além de James Baldwin. Não que o experimento vire sarau, mas que possa se contaminar com a poesia de um Waldo Mota, e das já citadas Cidinha e Livia, que escrevem sobre a temática aqui e ali.

Encerro mais uma vez recorrendo a Marcelo Ricardo,  um poeta, negro, gay, soteropolitano, com palavras que servem tanto aos performers quanto aos que estávamos lá os vendo:

“Lembre-se sempre que olhar uma bicha preta:

Toda bicha preta é antes de tudo beleza forte, viado!”

contato entre peles, estar próximo fisicamente por mais de um minuto. Risos nervosos, leves constrangimentos transpareceram para olhares mais atentos. Além do mais, quase que não havia música (em algum momento uma trilha incidental, que servia mais como música de fundo).

A iluminação era geral, não foi usado projetor, não havia nenhum elemento de cenário, adereço, nada que retirasse aqueles rapazes de seus cotidianos de jovens negros e homossexuais.

Bem, agora vocês já sabem por que não dá pra falar na terceira pessoa. Se não sabem, tirem suas conclusões.

Na segunda parte da performance, volta um pouco da música incidental e os performers se encontram e fazem evoluções tímidas, circulares, acenando para um carinho entre dois rapazes. Parece que querem nos dizer, com alguma cautela, que as negras utopias dizem respeito ao direito de sermos negros e gays e falarmos disso com tranquilidade. Nos anos 70 havia uma campanha “Beije o seu negro sua negra em praça pública”. O que vi parecia uma versão homoerótica e performática dessa campanha.

Num terceiro e último momento um dos performers se dirige a um espectador – participante, artista, Negro e gay, que é convocado para a dançar em trio, no que parece uma alusão a um ménage a trois, mais uma vez, bastante recatada. Essa é a parte mais breve da performance que logo se encerra.

Mas não acaba. Ali está um esboço, um experimento de algumas reflexões e vivências, no corpo e no coração de pessoas negras e homossexuais. Ainda se fala muito pouco sobre a interseccionalidade entre raça negra e sexualidades não heteronormativas. Os movimentos sociais ainda exalam uma herança na maioria de suas histórias de formação, que tendia a privilegiar as questões de classe em detrimento das outras questões. Depois, as outras questões passaram a ser tidas como a principal de seu movimento. Feministas privilegiavam a questão de gênero, ativistas do movimento negro privilegiavam as questões de raça-etnia. As coisas estão um pouco diferentes neste tal do contemporâneo. Mas ainda há resistências. Talvez por isso ainda seja delicado falar em certos segmentos dos movimentos negros, sobre a urgência de se falar da LGBTQfobia. Há, sim, exceções, como o Movimento Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, que sempre menciona as pessoas LGBTQ e relaciona o vetor de raça e sexualidade como elementos importantes para entender a tragédia do genocídio do povo negro.

É importante fazer a ressalva de como é delicado, ainda, falar dessa questão. E como é importante que, em performance, dois jovens negros falem de um ponto de vista afirmativo, propositivo, sobre o amor. “O amor cura”, disse bell hooks, num texto em que analisa como a escravização do povo negro impactou até os dias de hoje a dificuldade de muitos de nós expressarmos afeto. Falar de amor é fazer

‘‘Licença pra chegá, seu moço!’’

Primeiramente, fora Temer e toda sua corja de ratos corruptos.

 

Gratidão ao Alex Simões e à Revista Barril. É o sentimento que temos pelas palavras de afeto sobre o nosso sensível trabalho, que está numa fase embrionária ainda, ou melhor, em desenvolvimento. Agradecemos também aos nossos amigos e professores Eduardo Oliveira e Fernando Ferraz (professores do curso de graduação em Dança da UFBA), que estão nos provocando e orientando sempre que possível, e ao dançarino Dermesson Oliveira, que está colaborando no processo.

 

O ‘‘Experimento de Dança: Negras Utopias’’ está nascendo aqui em Salvador, assim como nós, dois paulistanos recém-chegados em território baiano. O primeiro ponto de partida foram algumas inquietações como: quais os impactos da colonização e da escravidão na maneira de se relacionar dos brasileiros? Diante de tantas vulnerabilidades a que o povo negro e a comunidade LGBTQ ainda estão expostos, quantas guerras teremos que vencer por um pouco de afeto? Em tempos de processos de descolonização, por que projetar utopias? E por que negras utopias? Em seguida, pensamos um recorte sobre afetividade entre homens gays negros. Vivências, segredos, confissões, reflexões, desabafos e discussões partilhadas entre pessoas começaram a esboçar os caminhos desta pesquisa. Como Alex aponta

Rebate à crítica "Negras Utopias" de Alex Simões

estados de igualdade, legitimando a luta. Mesmo focado em nos desdobrar sobre o tema homoafetividade e negritude, consequentemente levantamos outras bandeiras.

 

Significado de utopia: s.f. Local ou situações ideais onde tudo é perfeito, harmônico e feliz; refere-se especialmente a um tipo de sociedade com uma situação econômica e social ideal. Que está no âmbito do irrealizável; que tende a não se realizar; quimera, sonho; fantasia. Quando tratamos de “negras utopias” estamos idealizando um mundo no qual as populações homossexuais, bissexuais, trans e intersex negras não sofram mais com o genocídio e, tratando também de afetividade e sexualidade, nem com a hipersexualização, fetichização, descriminação, codificação dos corpos, enfim, todas as mazelas sofridas por nós.


É uma grande felicidade que esses primeiros experimentos da pesquisa estejam reverberando desta maneira e estamos mais do que abertos e disponíveis para compartilhar as experiências, a fim de potencializar, fomentar e problematizar mais a discussão acerca desses temas. Afinal, acreditamos que pensar coletivamente, articulando processos e fazeres artísticos de forma colaborativa, é também pensar políticas de enfrentamento contra o racismo e a LGBTQfobia. É sim, projetar Negras Utopias.

em seu texto, infelizmente ainda se discute muito pouco sobre interseccionalidades entre negritude e sexualidades não heteronormativas, e sim, sabemos que existem resistências e queremos nos aproximar dessas iniciativas e nos deixar contaminar e atravessar pelas mesmas. Aguardem!


Estamos em uma universidade que enfatiza o quanto viver o processo muitas vezes acaba sendo mais interessante que o “produto” final. Pensando nisso, nos arriscamos em apresentar um experimento com apenas um mês e meio de pesquisa. Porém, o fato de estarmos trabalhando no nosso lugar de fala ajuda muito, pois é algo que cada vez mais nos motiva a aprofundar. O interessante de estudar esse tema através da dança e da performance é a possibilidade de se deparar com outras questões que surgem naturalmente de acordo com o nosso contato com o público. E, realmente, em vários homens com os quais interagimos, percebemos o quanto uma simples ação de encostar uma mão em um braço, por exemplo, pode gerar um desconforto instintivo. Crescemos em uma sociedade na qual o toque entre homossexuais, às vezes, só é justificável quando é oferecido para fins violentos ou sexuais. Entendemos a necessidade de falar com tranquilidade dessa questão, mesmo sabendo que as estatísticas homolesbotransfóbicas são hediondas, porque entendemos que todo ser humano tem direito ao afeto, e manifestar isso de uma forma positiva e afirmativa é projetar lugares e

Estranha civilização, por Bárbara Pessoa

Se, de repente, começarmos a ouvir os artistas[1] que falam e produzem arte contemporânea negra[2] em Salvador, corremos o risco de termos um dos maiores abalos sísmicos no meio artístico da cidade. Não seria injusto se isso acontecesse na cidade mais negra fora da África. Salvador possui essa potência, de ser um dos grandes focos dessa discussão, não só no que tange às políticas raciais, como também nos vórtices da produção artística soteropolitana, principalmente, no debate e produção de performances afro-diaspóricas.  Contudo, estamos falando de uma cidade colonial, e ouvir esses artistas seria romper com o modo monolítico. Num momento em que tudo passa a ser uma questão de representação, muitos ambicionam ser o herói civilizador.

 

Hoje, quando se fala em arte negra (ou teatro negro, ou dança negra, etc.) possíveis imagens-síntese vêm à cabeça. Há o entendimento torto de que a produção artística negra se associa, somente, à religiosidade de matriz africana ou a males sociais, lançando muitas das produções num folclore (estático e histórico) e criando uma espécie de essencialismo negro, dando arcabouço para um negro religioso ou um negro flagelado – não há, aqui, um pingo de retidão crítica. Imediatamente, o pré-entendimento de que essa produção possui formas e “conceitos estéticos rígidos”, que, uma vez estabelecidos, propagam a falsa acepção do que é e do que não é arte negra.

 

É de tal circunscrição, estética ou arte negra (e do outro lado toda a pluralidade de empreendimentos artísticos), que se cria a linha de mercado, que enquadra o que é e o que não é, o que deve ser consumido ou não; e é nessa área propícia que o frenesi pela representação vem à luz.

 

Parafraseando o professor Carlindo Fausto Antônio (UNILAB), não basta um negro ou uma negra possuir um significativo status, ocupando os chamados espaços de poder, para que estejamos salvaguardados, limpos de nosso desprivilégio. É importante, e doloroso, assumirmos que fomos (ou seremos) assimilados por um sistema de exclusão, próprio e inerente à colonialidade[3]. Devemos nos desvincular do que foi assimilado e do que nos ensinam sobre o conceito de “representação”; é a partir daí que deixaremos de ser apáticos, deixando de engrossar o coro de “você me representa!”. Se analisarmos a partir dessas sutilezas, o termo e conceitualização de arte negra – muito cara em um período e tão inspirada pelos pensadores pan-africanos – trata-se, hoje, de uma modus operandi, uma cartilha de produção estéril e ensimesmada, que possui o bucólico desejo de criar/assimilar representantes e acalmar as massas – para não dizer, enfraquecê-las.

 

Na contramão disso, a arte contemporânea negra é capaz de apresentar um dos elementos primais para o possível abalo sísmico, o desmoronamento da necessidade do “representante”. A ideia de contemporâneo já nos obriga a analisar, produzir e estar disponível para outras possibilidades éticas, subjetivas e estéticas em arte; nos obriga a dialogar com um território de vasta e incessante experimentação artística, já que assumir-se contemporâneo é assumir o processo como obra. É uma área disponível para as variadas subjetividades que, agindo em paralelo, afirmam as passadas e as do porvir.

 

Se a arte contemporânea nasce de um mundo fragmentado e polarizado entre capitalistas e comunistas, da efervescência das vertentes pós-estruturalistas e desconstrutuvistas, a arte contemporânea negra vem à luz com um programa de construção futurista, criando espaços para novas epistemes, novas narrativas. A arte contemporânea negra é, pois, um ethos decolonial, senão uma iniciativa epistêmica da produção dos desejos, uma espécie de revolução haitiana das artes em constante transmutação que decide acabar com a passividade.

 

A relação entre arte contemporânea negra e decolonialidade deve ser analisada aqui pelo viés fundamental da segunda proposição, uma atitude transdisciplinar de emancipação econômica, política, cultural e, neste caso, artística. Adentrar a zona da arte contemporânea negra é submergir numa performance que, em exposição de sua autoconsciência, busca mudar padrões coloniais do ser, do saber e do poder em ato estético-performativo. Em todo caso, é necessário corpo, uma dose significativa de exposição física e psíquica. Se para Fanon a decolonização é atitude e processo dentro das ciências humanas, diferindo dos pensamentos pós-coloniais que se atêm ao estudo crítico das reverberações do sistema colonial/territorialista, é nas artes negras contemporâneas que podemos encontrar isso num caráter mais radical – talvez, algo próximo das críticas de Soyinka aos pensamentos políticos, estéticos e culturais de Césaire e Senghor[4].

 

Essa radicalidade não se origina nas possíveis formas e técnicas não-convencionais, mas na escolha ética, de uma nova ética – analisar somente a partir da fruição, ou seja, a partir de algum método hermenêutico (interpretativo), seria apequenar de modo cruel a experiência. É dessa escolha ética que tudo pode sobejar. Contudo, se a obra do artista contemporâneo negro propõe uma nova ética no que se refere a um determinado corpo negro, ela assume a sua total fragilidade. Essa é a condição da decolonização enquanto atitude (performance) e processo, a total exposição do artista negro.

Questões Sobre Arte Contemporânea Negra

Primeiro Estudo – O Espaço

Por Diego Pinheiro

“Sun Ra, The Shadows Cast by Tomorrow”

Essa escolha expositiva se encontra em um entendimento precioso do artista, o protagonismo de sua própria obra. Não há interesse mítico em tais obras que coloque o artista no lugar de alegoria ou representação de uma comunidade negra – isso não significa que ele, em performance, não lance mão de expor essas questões; elas surgem de sua intangibilidade, o motor primeiro. Esse artista não está coberto e/ou protegido pela periferia negra, ele não ocupa o lugar dela, ele não é a periferia, mas um corpo negro vindo dela, com suas questões e éticas, com sua subjetividade em caráter performativo, trazendo à luz outros posicionamentos e atitudes. Novíssimas epistemes, novíssimas narrativas, outras vozes. Isso muda tudo.  

Isso posto, a relação com a obra de um artista negro contemporâneo demanda também um novo posicionamento crítico. Se essas obras correspondem a uma atitude decolonial, logo, epistêmica, consequentemente se organiza uma outra forma de relação que não a clássica. Temos então uma dupla responsabilidade agindo no momento de fruição dos acontecimentos artísticos; uma delas, de modo óbvio, está com o artista.

 

A responsabilidade do receptor não se encontra, somente, na aceitação de um novo contato com “um objeto” para sua análise, mas na aceitação ou não aceitação de um convite, o encontro com um posicionamento ou uma lógica performativa decolonial a partir da experiência de um corpo negro. Por essa via, aceitando ou não o convite, não há distanciamento possível do receptor para com a obra, ele é visto como um dos elementos poéticos, também em caráter expositivo, passível de sua própria crítica. Analisar a obra do artista negro contemporâneo pelo grosso viés hermenêutico é recorrer aos métodos já pré-estabelecidos, logo coloniais. Isso seria uma sabotagem estética.

 

Por último, lanço algumas poucas palavras sobre o tema do próximo texto desta série de estudos, o tempo.

 

Acima de tudo, há também um turvamento de tempo nessas obras, em seus temas, em sua forma, em sua supressão, dilatação ou mescla. Isso não deve ser visto como algo estranho, se levarmos em conta a amnésia histórica que temos quanto à condição negra no Brasil e, paradoxalmente, em Salvador. Dentro da área da arte contemporânea negra, existe a criação nas lacunas, nas vagas, nos vazios. É um terreno perigoso e, quase certeza, para iniciados. Para o artista negro contemporâneo, criar seria lembrar. Um retorno ao futuro[5].

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[1] Esses artistas são oriundos de diferentes áreas. Entretanto, suas obras se configuram enquanto plataformas multiartísticas e/ou transdisciplinares, criando e propondo novas epistemologias. Muitas delas borram as fronteiras entre as vertentes artísticas e a relação espaço-tempo, apresentando-se como poéticas contemporâneas decoloniais, seja pelo caráter poético-metodológico ou poético-temático; a exemplo das produções das artistas baianas Sanara Rocha, Diego Alcantara, Laís Machado, Alex Simões, Diego Pinheiro, Aline Brune, Tina Melo, Michelle Mattiuzzi (SP/BA) e Malayka SN. Pretendo analisar caso a caso nos próximos textos deste estudo.

 

[2] Não pretendo setorizar, como: teatro negro contemporâneo ou dança negra contemporânea.  Para mim quando se fala em arte contemporânea negra, se fala numa mescla contundente entre as disciplinas artísticas. Essa é a condição transdisciplinar do processo decolonial em arte.

[3] O termo é amplamente discutido pelo grupo latino-americano Modernidade/Colonialidade. Entende-se por colonialidade a continuação dos métodos de exploração, na modernidade, nos países que que sofreram com o colonialismo, assim definida por Walter Mignolo (em citação no artigo América Latina e Giro Decolonial de Luciana Ballestrin) como sistema que “reproduz em uma tripla dimensão: a do poder, do saber e do ser. E mais do que isso: a colonialidade é o lado obscuro e necessário da modernidade; e a sua parte indissociavelmente constitutiva.” (Mignolo, 2003, p. 30).

[4]  Aimé Césaire (poeta, dramaturgo e político ) e Léopold Sédar Senghor (político e ex-presidente do Senegal) são considerados os criadores do termo e conceitualização da ideia de négritude, movimento estético, cultural e político afro-franco-caribenho. O conceito foi crucial para alavancar os processos decoloniais na África. Apesar desse motor, alguns intelectuais e artistas da diáspora africana e da África, como o dramaturgo Wole Soyinka, criticavam o pensamento, achando-o ingênuo e simplista, tornando-se famosa a citação de Soyinka “O tigre não declara sua ‘tigritude’ na selva. Salta sobre sua presa e a devora.”.

[5] Referência ao livro de Walter Smetak, Retorno ao Futuro (ao espírito).

"Maradona" ou Deus não toma coca-cola, por Hayaldo Copque

Na cola de Márcio Meirelles, parte 2

Foto de Mariana David

O cineasta Caio Araujo reverbera a companhia de dança Ballet Vip. Caio tomou como provocação shows do Ballet durante o evento #B_T_VERÃO #FAROF_DA (apresentações do grupo musical B_t_pgdão, em janeiro de 2017, na praça Tereza Batista, no Pelourinho)

Dançarino: Cristian Beell

Por Daniel Guerra

As coisas do mundo estão uma loucura e é quase um problema, frente à urgência geral, ainda ter de escrever sobre Henrique Wagner. Mas fazer o quê. O autodenominado “crítico impressionista” é tão persistente que, entra ano, sai ano, vai se transformando num pequeno calo em meio à vulnerabilidade teatral. Termina cagando regras e confirmando aquela velha imagem da crítica personalista, despropositada e judiciosa.

A despeito da ingenuidade de suas argumentações, cada novo texto do resenhista de boteco dispara fuxicos e silêncios suspeitos, isso sem falar na implacável ala dos ressentidos, consumidores principais do seu estilo.

Frente aos ataques alguns se calam, supondo uma superioridade genérica, que é, honestamente, difícil de comprovar. Esses optam pela máxima “o silêncio é a melhor resposta”, entoada com com a nobreza de um Dom Quixote em seus melhores momentos de delírio. Outra boa parte — inexplicavelmente intimidada, dada a envergadura da ameaça — simplesmente se retrai.

Quanto ao seu trabalho sobre as artes cênicas, imagino que a exposição do corpo dos artistas em tempo real, particularidade ausente no mundo das letras, deva ter lhe dado a coragem e o conforto suficientes para a prática da covardia intelectual. Mas não é difícil perceber a fragilidade dos textos. Se pegamos pela raiz, procurando tutano, tudo vira pó. E se diz “Márcio Meirelles não é um homem de teatro”[1], podemos retrucar: “Henrique Wagner não é um crítico”. Silogismo básico, mesmo que a primeira assertiva esteja longe da verdade. Aliás, que tipo de mentalidade se aferraria a essa mitologia batida do “homem de teatro” ? Seria o mesmo que adorar monstros sagrados.

Grande parte da covardia wagneriana começa na apresentação do site onde escreve atualmente[2]. Assim está inscrito no umbral da nova Wagnerlândia: “A coluna Martim Gonçalves pretende publicar textos deliberadamente impressionistas sobre peças de teatro baianas”. Ora. É lugar comum entre escritores de críticas reais, encarar “críticos impressionistas” como pequenos parasitas. Esconder-se sob as próprias impressões sem expor suas pulsões é o equivalente exato ao tiro dado pelas costas ou ao golpe no saco durante uma luta com regras claras. É certo que qualquer pessoa está apta a escrever suas próprias impressões. Mas sensações todos possuem de bom grado e, como diria o injustiçado Descartes nas palavras iniciais do Discurso do Método, gosto é que nem cu, cada um tem o seu. Nada disso justificaria o tempo doado à execução de uma crítica.

Ou seja, se Wagner quisesse ser levado a sério, teria de começar a desenvolver qualquer pensamento que fosse, em vez de viver na base da polêmica fácil. De modo que quando o leio, procurando qualquer traço de inteligência a serviço de outra que coisa que não a tiração de onda, não encontro absolutamente nada, a não ser fraseologias espirituosas, todas voltadas ao louvor da própria capacidade intelectual, como por exemplo: "Barulhento e visivelmente sujo, com excesso de movimentos (quase todos gratuitos) por parte dos atores, o Romeu e Julieta de M.M. acaba por legitimar a hipótese de que Shakespeare ‘não existiu’ ”. Aqui vemos até que ponto a vontade infantil de ser afagado e chamado de sabidinho pode chegar. A maioria dos seus períodos são construídos assim. Começam num tartamudeio adjetivesco violento, para depois investir toda a energia numa piadinha espirituosa. Não tem mistério: o núcleo de seu estilo é a derrisão engraçadinha — o que o escrevinhador faz muito bem — e só.

Sequer sobra tempo para sopesar a potência de qualquer coisa que seja estranha a ele mesmo. A prática da alteridade é um dos grandes trabalhos do crítico; possivelmente, o principal. Não há como abrir espaços para a análise se não se deixa que certas estranhezas, como no seu caso, o “barulho” ou a “sujeira” emitam suas próprias potencialidades, ou que não testemunhem contra suas acepções negativas, na maior parte das vezes, projeções de quem escreve. Deve-se deixar a obra viver por si mesma durante um tempo, de modo que a subjetividade do autor se modifique ao contato, mesmo que não substancialmente. Pressionar obras contra a parede, inquiri-las e julgá-las são práticas totalmente alheias ao campo da arte, sendo muito mais afeitas à prática policial ou militar.

O Caso Wagner

A partir da coluna Martin Gonçalves, do site Feminino e Além (http://femininoealem.com.br/category/noticias/cultura/martim-goncalves/).

Esconder-se sob as próprias impressões sem expor suas pulsões é o equivalente exato ao tiro dado pelas costas ou ao golpe no saco durante uma luta com regras claras

Como em toda crítica mal embasada, ficam mais evidentes os problemas do crítico que os da obra. Seu corpo fica exposto. É como se o texto virasse seu próprio diagnóstico. Por isso fica fácil entender o que para Wagner significa uma obra saudável. Se entendemos o que para ele significa a saúde e a doença, entendemos de que matéria é feita sua crítica. Portanto, diagnostiquemos o rapaz em apenas duas frases, justamente quando ele consegue “gostar” de um espetáculo: “Com essa estrutura, com esses tipos, Egotrip nos leva a gargalhadas intermináveis – a casa, cheia, não parava de rir nem para ir ao banheiro verter o resultado de algo tão saudável, diurético”. Ou: “(…) sai-se da peça de João Sanches com o fígado desopilado”[3]. Todos sabemos que classe de espíritos precisam o tempo inteiro de diuréticos e desopilações. Algo preso insiste ali dentro; algo que precise ser lavado, expurgado.

A ideia de encarar a estética e o pensamento como questões de saúde pública não é nova. Nietzsche, por exemplo, recomendava que só se manipulasse a Bíblia usando luvas. Também sugeria ao leitor caminhar enquanto pensa, e a preferir ambientes abertos, por onde passassem brisas frescas, em lugar de alcovas fechadas. Quando falava de Schopenhauer, diagnosticava-o como vítima do tédio que o próprio filósofo tematizava. E, finalmente, defendia que os gregos antigos adoravam tragédias porque esbanjavam demasiada alegria, enquanto seus contemporâneos, bichos neuróticos e entediados até a morte, preferiam contar com a comédia mais idiota como uma de suas salvações. A redenção dessa espécie de gente, como vemos, é de natureza basicamente diurética. E se intestinal, nada que não se resolvesse fazendo uso de um bom laxante.

Por essas e outras é que Henrique Wagner não carrega sozinho a culpa do azedume que expele a cada comentário. Ele é apenas um dos sintomas dessa enfermidade geral. Lendo seus textos, consigo até sentir um misto de pena e esperança, como se seu estilo me levasse a pressentir algo mais que queixumes, ataques gratuitos e lamentações. Em outras circunstâncias, escritores de frases ágeis, diretas e claras geralmente produziram obras plenas de vida. Por isso consigo vislumbrar aqui e ali, pelas frestas, uma certa quantidade de raios solares. E como seria bom se um escritor como Wagner, que claramente possui uma intimidade com as palavras, conseguisse expor outra coisa que não uma vida repleta de ressentimento. E principalmente, que não empurrasse suas próprias neuroses goela abaixo daqueles que observa, como se o problema estivesse sempre no outro, e não na pena de quem escreve.

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[1] “O Romeu e Julieta de Márcio Meirelles”, crítica de 23 de janeiro de 2017, no site “Feminino e Além”.

[2] Entre as curiosidades do site “Feminino e Além”, há uma coluna de nome “Príncipe Sapo”, na qual um sombrio e “romântico” historiador, comentador de relacionamentos, declara: “O casamento faz bem, a família é a base de uma sociedade complexa e próspera.”

[3] “Egotrip”, crítica de 15 de fevereiro de 2017, no site “Feminino e Além”.

Alex Simões Encontra Orlando Pinho

Na primeira edição de 2017, Alex Simões encontra o poeta, performer, músico e agitador cultural Orlando Pinho.

Como diria um amigo meu, quero iniciar este texto dizendo que vou cruzar tanta informação aqui que vai precisar de uma auditoria externa pra vocês acharem a porra toda que eu juntei pra dizer o seguinte:

 

Como falar de coisas invisíveis: as performances de corpos de negros em cena, em ação?

 

No dia 14 de março de 2017, participei, como ouvinte, da mesa conversa - Performance e Pensamento Contemporâneo, que compunha a “VII Mostra de Performance: arte negra, imagem, empoderamento e dissonâncias”. Um evento que envolveu mais de 30 artistas entre exposição de fotos, vídeos e apresentação de performances na Galeria Cañizares; ao meu ver, uma importante iniciativa, pois não compunha o que chamamos de calendário festivo (maio - abolição da escravatura e novembro - consciência negra), fruto do sublinhamento de corpos de negros na universidade e de suas inúmeras maneiras de fazer e dizer em forma de arte.

 

Na mesa estavam Ayrson Heráclito (UFRB), com a temática - Imagem Negra e Performance e Lucio Agra (UFRB) – O que é Fazer Performance no Brasil, ambos estavam ali para debater sobre o estudo da performance a partir do tema sugerido: arte negra, imagem, empoderamento e dissonâncias (isso é importante não percam essa informação!).


O professor Ayrson iniciou salientando o quanto ele estava feliz pelo evento e por ter sido convidado para compor a Bienal de Veneza, mas com um tom bem didático expôs que, na mesma proporção de sua alegria, também estava em alerta, pois todos ali presentes sabiam que não é todo dia que um artista baiano, que um artista brasileiro, que um artista negro e/ou que um artista nordestino era convidado para a Bienal de Veneza. Essa fala inicial é uma aula e por aí poderíamos continuar utilizando os corpos de negros como categorias de análise para obras estéticas e eu terminaria tranquila e feliz esta coluna. Mas, não! Esta aqui é a Treta e nada será como antes.

 

O evento continuou com a fala do Prof. Lucio Agra, que iniciou se autonomeando contra o governo em exercício e bradando um: FORA … (aquele que não deve ser nomeado). Durante sua explanação de especialista que é, ele propôs um recorte regional e de raça (falar de performances e grupos do Sudeste e fora do Brasil prioritariamente e de corpos brancos). Ao final e também por querer entender que raios ele foi fazer ali, perguntei a ele: como as performances dos corpos de negros podem contribuir para o pensamento em artes?

 

A resposta foi que ele não poderia contribuir com a minha pergunta, pois ele não é negro, mesmo tendo escolhido viver na "Roma Negra". Ora, meu caro, caso não tenham te avisado, a mesa da qual você estava participando compunha a “VII Mostra de Performance: arte negra, imagem, empoderamento e dissonâncias”. Seria no mínimo educado que você estudasse um pouco para responder essa questão que me espanta não ter sido o abre-alas de sua fala. É questão prévia de quando se vai a um evento, estudar como se pode contribuir, etc. Pelo menos deveria ser, né? Mas não, a branquitude, como lugar social do privilégio, não tem medo de escancarar sua inflexão. E eu volto a perguntar: como falar de coisas invisíveis, performances de corpos de negros, como convocatórias? As performances de corpos de negros como convocatórias podem colaborar com o pensamento em artes? Michelle Mattiuzzi, Rosana Paulino e Rubiane Maia foram algumas das indicadas para o Prêmio Pipa 2017. O que elas têm em comum? Corpos de Negras!

 

Corpos de Negras !

Corpos de Negras!

Corpos de Negras!

 

C

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N

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Por Val Souza

White privilege and corpos que importam: como falar de coisas invisíveis?

Afinal, se estamos aqui nesse evento escancarando a falência da academia em lidar com nossa presença, nossos corpos, nossas estéticas, é porque tudo que vem sendo criado e pensado por vocês sem nossa presença mostra o quanto nossos corpos são invisíveis e, para vocês, não existem.

A fala do Prof. Lucio me lembrou que nos mês anterior, entre os dias 13 e 17 de fevereiro, aconteceu na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, o “I Fórum Negro das Artes Cênicas”, e já na mesa de abertura os alunos chegaram botando ferro quente pra cima da passabilidade branca que impera na academia. Na mesa 01 - culturas negras, ensino, pesquisa e formação em artes cênicas - um convite à reflexão, o professor Luiz Marfuz questionava como criar um currículo que dê conta das questões da negritude? “Era a brecha que o sistema queria…”. Rapidamente um aluno pega o microfone e diz: “que pergunta mais ingênua, heim, professor? (viiiiiiiixe! iiiiiiiiié). Afinal, se estamos aqui nesse evento escancarando a falência da academia em lidar com nossa presença, nossos corpos, nossas estéticas, é porque tudo que vem sendo criado e pensado por vocês sem nossa presença mostra o quanto nossos corpos são invisíveis e, para vocês, não existem.

 

E a pergunta “como falar de coisas invisíveis: as performances dos corpos de negros e o pensamento em artes?” não quer calar, bem. Se o professor Marfuz tivesse acompanhado os outros dias do fórum teria visto quando na mesa “Negras Poéticas em Processos II: Cultura Negra -  Poéticas e Processos Criativos em Artes Cênicas”, uma pergunta dirigida a escritora mineira Cidinha da Silva, poderia ser um pilar para o pensamento e/ou construção de um currículo ampliado. Uma voz levanta a mão e diz:  “Cidinha, você poderia responder o que é que não pode faltar na sua dramaturgia?”. Achei aquela pergunta incrível, haja vista que dois dias antes nós estávamos num debate de como as experiências estéticas dos corpos negros podem modificar e deslocar os discursos cênicos.

 

Calmamente, Cidinha explicou que existiam três coisas fundamentais para ela e que não podiam faltar na escrita de sua dramaturgia: dignidade para as personagens negras, complexidade humana e singeleza no olhar!
POOOOOOW!POOOWWW! POWWW!


 

         É isso!!!

 

O que a academia e os professores ainda não entenderam ou fazem questão de desentender é que o currículo e a maneira como as escolas de dança, teatro, artes cênicas e belas artes foram e continuam sendo pensados para atender a um público branco com currículo branco que bebe de fontes e referências eurocêntricas. Essa impossibilidade tanto do professor Lucio quanto do Professor Marfuz de enxergar nossos corpos pretos, de negros e que de longe se veem, denota a impossibilidade - paradoxal - do sujeito negro como humano.

 

Ao entrarem nas universidades, o que esses nossos corpos de negros estão fazendo é subverter todas essas lógicas, é colocar em xeque toda uma estrutura e questionar um lugar de produção e comunicação da arte, de um modo de fazer que invisibiliza seus corpos. São militantes sim, esses negros, mas da criação, da investigação, dos incômodos cinestésicos criados a partir da experiência de seus corpos de negros negados.

Encontro um amigo que me dá carona até o centro da cidade. Em pouco tempo estou na praça Ruy Barbosa. Dou uma volta, converso com alguns conhecidos e depois sento numa mesa para comer pastel e beber Coca-Cola. Depois de conseguir me livrar do excesso de óleo nos dedos, levanto e caminho até um ponto mais distante onde noto certa aglomeração. Uma jovem andrógina faz beatbox com o auxílio de um pequeno aparato eletrônico. Começo a assistir.

Estou na praça porque quero. Ver as pessoas de Jequié e as atrações do 13º Festival Internacional de Artistas de Rua da Bahia me dá um prazer que não teria em Salvador, cidade onde nasci e cresci. A cada vez que assisto alguma atividade artístico-cultural na cidade onde hoje resido e trabalho, entendo melhor os motivos do meu desinteresse para com o “meio” teatral soteropolitano. Mas também estou na praça porque tenho que fazer este texto e os pensamentos sobre o que escrever estão, inevitavelmente, junto com a jovem russa que faz seus jogos vocais ao microfone.

 

Assim sigo nos primeiros momentos: corpo numa desconfortável rigidez, esforço para compenetrar-me, para estar ali. Há também certo desconforto por não saber o que virá a seguir. Não posso perder nada, a praça é grande, são muitas atrações, preciso escrever sobre isso, o que vou escrever?, “a larva só me parece sábia enquanto se guarda no seu núcleo”, ela é homem ou mulher?, será que estão percebendo meu desconforto?... Droga! É óbvio que eu deveria ter tomado umas cervejas ao invés da Coca-Cola.

 

Mas ela está nervosa também. Talvez mais do que eu. Acho que ela percebe que o público não parece responder como o esperado. Ela canta músicas em inglês que não parecem fazer parte do repertório de quem a ouve. Ela sente isso e enfim encontro alguém. No nervosismo dela, nos pequenos sinais de fracasso, eu encontro uma amiga, um alívio. Eu me encontro.

 

Assim como me encontro na placa colocada num poste próximo e que demoro para enxergar: Ponto 1. Parece que há um itinerário marcado, não irei me perder, provavelmente conseguirei assistir tudo. Tenho aquela sensação de sentido que possivelmente os religiosos devem ter ao acreditar em deus.

 

Abandono a minha amiga russa, não sem antes postar algo no Instagram, e sigo. Há uma estátua viva ali perto. As crianças se divertem colocando moedas e recebendo bilhetinhos em troca. Definitivamente, a melhor coisa da arte de rua não é a arte de rua em si, mas a rua. Tenho

Por Hayaldo Copque

“Maradona!” ou Deus não toma Coca-Cola

certeza de que foi algum artista egocêntrico que, cansado de ver crianças, bêbados e loucos roubarem sua cena, criou as plateias mudas das salas fechadas. Aliás, sinto falta de um louco ou bêbado nesse festival. Não que as atrações não sejam interessantes, mas acho que a produção, para uma próxima edição, deveria investir num borracho.

 

Voltando, é claro que num dado momento deus revelou sua verdadeira face e atrações começaram a acontecer simultaneamente, me deixando aflito com relação ao que assistir. Havia um ponto com bastante gente ao redor. Óbvio, estamos no Brasil e há um humorista (argentino) fazendo brincadeiras com o futebol. Num momento de palmas, grito um estúpido “Maradona!”, que, ainda bem, quase ninguém escuta, e logo saio pra ver outra atração.

Não sei se foi esse grito libertador, mais conhecidos chegando ou a descoberta do livre-arbítrio. Mas o fato é que já não pensava mais sobre o que escrever ou me sentia desconfortável ali. Passei a transitar tranquilamente entre o casal que fazia música e recitava poesias, as estudantes fazendo performance, uma musicista alemã, outro do Reino Unido. Aliás, este último, que estava lá no mesmo ponto 1 em que topei com a minha amiga russa, encontrei quando já estava um tanto cansado de circular e ver tantas atrações (somado ao fato de que acordei cedo no dia e fui a Vitória da Conquista, que fica a cerca de 150 km de Jequié). Peguei sua apresentação já do meio para o final. Poucos o assistiam, mas sentei num banco e estava no meu melhor momento da noite: voz, violão, gaita e descanso.

 

Dali, voltei ao esquema anterior. Ao sabor dos ventos. A musicista alemã ainda estava lá e depois me deparei com uma mulher mexendo com fogo. Ainda haveria um “homem banda”, um show de tango, uma acrobata e mais música. Mas já não me sentia mais na obrigação de ver tudo. Ainda vi uma argentina que misturava humor com contorcionismo. Ri das maiores bobagens e percebi que já não podia mais ser o amigo da russa. O que tínhamos em comum se perdeu e eu nem gostava muito das músicas que ela tocou, na verdade. O que eu estava adorando era aquela argentina. Acho até que gritei novamente “Maradona!” antes de sair.

 

Não queria deixá-la, no entanto precisava ir para a despedida de uma colega. Antes, olhei de volta a praça e vi que ainda havia um bom público. Sorri. Juro por deus. Depois, no bar, entre uma conversa e outra, aparece um garçom. Peço um suco de limão. Já tomei Coca-Cola e no dia seguinte dou aula cedo. Nada de cerveja.

ENCOSTO - NA Cola de Marcio Meirelles parte 2

Estranha Civilização 

Sobre Mágico Mar

Por Bárbara Pessoa

O escafandro é a cidade submersa.

Açolina e Espiga, as borboletas...

 

Habitando uma ilha, das flores

 espremem, como os amantes, um futuro findado

 desde o princípio.

 

 Não fossem figuras como o Jayme,

 acusaríamos o quadro de mera abstração:

OS JETSONS! BLACK MIRROR! 2222!

 

Equívocos.

 

Vê-se

a lama é o agora

&

ainda que zumbis,

ofertam-se ao caos

para despedaçar um horizonte

- em horizontes -

com a cautela que nos exige

o navegar.

São as águas de março trazendo a nossa primeira edição de 2017. Depois de um breve recesso, voltamos com fôlego renovado, todos ávidos pelos acontecimentos em teatro, dança e performance, como ávidos devem estar nossos fieis leitores à espera de novos textos.

 

Esse mês, além de acompanhar produções locais, fomos a Sampa fazer a Barril Festiva, nossa cobertura crítica do MIT-sp (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo). Os textos foram publicados em um blog que a partir de agora será nossa plataforma para pensarmos os festivais. Foi uma experiência interessante conferir de perto a curadoria dos paulistanos e as peças desse mundo mundo vasto mundo. Ainda vamos publicar um compilado com o que escrevemos por lá. Aguardem.

Guerra em uma releitura do “Caso Wagner” transposta para o cenário crítico atual de Salvador.

 

A seção ENCOSTO traz a segunda parte do perfil de Márcio Meirelles feito por Igor de Albuquerque.

 

O ENSAIO ficou por conta de Diego Pinheiro, que traz uma reflexão teórica aprofundada a respeito da arte negra contemporânea.

 

Bárbara Pessoa compôs uma “estranha civilização” com seu RIZOMA poético sobre “Mágico Mar”.

 

Agora é esquentar uma água, pegar saquinhos de chá, pó de café e preparar os infusos para ler a BARRIL aproveitando esses dias nublado de outono.

Vamos à presente edição.

Para começar, temos nossos três convidados. Val Souza desfiou uma TRETA (VII Mostra de Performance: arte negra, imagem, empoderamento e dissonâncias), Hayaldo Copque espelhou uma SELFIE (13º Festival Internacional de Artistas de Rua da Bahia) e Caio Araújo filmou um REVERBERA (Ballet Vip).

 

O corpo de CRÍTICA está representado por Alex Simões, que escreveu sobre “Negras Utopias” e Laís Machado com “Loucas do Riacho”. Dá satisfação ver que ambos os textos foram devida e elegantemente rebatidos.

 

É também Alex Simões que conduz o ENCONTRO com Orlando Pinho.

 

Na CRÍTICA DA CRÍTICA temos Daniel

SALA DE ENSAIO

 

O tom de voz de Márcio é estável e macio, soa como se sempre imprimisse uma dose de preguiça aveludada ao dito. Há uma atmosfera de calmaria a seu redor. Ele dizendo “... quando eu fui diretor aqui do TCA...”, na varanda do teatro, não difere muito de quando conta uma piada ou um caso sacana. Nas muitas ocasiões que o acompanhei, somente uma vez vi essa aura de harmonia desaparecer. Era uma manhã de avaliação de experimento. Todos os atores da Universidade Livre deveriam compartilhar suas impressões, opiniões e críticas acerca da última atividade do grupo. Não demorou muito para os jovens atores começarem uma lavagem de roupa suja tensa e acalorada: uma atriz exibiu roupas supostamente retalhadas por uma tesoura invejosa, um outro rapaz reclamou das piadas em relação à sua sexualidade e, no fim, um conflito racial levantou a curva do pathos na sala de ensaio. “Não me chame de branco, não. Não me chame desse nome não, que eu não sou branco”, urrava um ator desesperado em tom de ameaça para uma colega. Foi quando Márcio interveio energicamente: “Cale a sua boca, porra. Aqui você não vai intimidar ninguém”.

 

CAFÉ DO TCA

 

“Desde criança eu desenho, crio coisas, escrevo peças de teatro, contos”, contou Márcio Meirelles enquanto bicava seu café coado – ele diz ter enjoado dos expressos. “Tem algumas coisas de outras áreas. Mas a produção maior era de desenho. Daí eu comecei a pintar, fazer arte ambiental, vídeo em super-8. Em 72 eu entrei na faculdade de arquitetura, porque tinha que fazer uma carreira, ter um diploma. Minha família acabou me conduzindo para arquitetura e não para belas artes. O que foi bom”. Ele não chegaria a concluir o curso.

Foi na década de setenta, durante os anos de chumbo da ditadura militar, que Márcio Meirelles entrou para as cênicas. No começo, ele passou por grupos de teatro universitário que encenavam suas ideias e teve, inclusive, textos censurados; também montou peças infantis. Depois disso, passou um período no Rio de Janeiro, onde trabalhou com José Wilker. Em 1976, voltou para Salvador e criou o Avelãz y Avestruz, grupo de teatro cooperativado (todos eram sócios e consorciados), em que pôde começar a dar seu toque autoral às produções. No histórico do grupo estão produções que vão de Goethe (“Fausto”) a Strindberg (“O Pai”). Ao todo foram dezesseis espetáculos apresentados.

Outro episódio definitivo na carreira do diretor foi a sua residência nos Estados Unidos. “Em Nova Iorque eu vi muito teatro americano. Daí eu entendi, caiu a ficha. Esses caras fazem teatro para a cultura deles, para a história deles, e funciona perfeitamente. Mas isso não serve pra gente. A gente tem que inventar um teatro que tenha a ver com nossa história, com nosso sotaque, com nosso jeito de ser. Então voltei com essa ideia de criar um teatro baiano. Me aproximei do Movimento Negro e dos blocos afro. Mergulhei na cultura negra”, relembra Meirelles. O desdobramento desse insight é largamente conhecido: o Bando de Teatro Olodum alcançou reconhecimento de público e crítica através de produções que uniam as ideias de teatro panfletário/pedagógico a textos originais concebidos para o grupo. O curriculum do grupo também é extenso: “Essa é a nossa praia”, “Zumbi”, “Cabaré da Rarrrrrça”, dentre outras produções. Mas foi “Ó Paí Ó” que ganhou o mundo para além do público de teatro; em 2007 a peça foi para os cinemas e também virou série de TV na Globo, tornando-se uma das narrativas soteropolitanas mais proeminentes das últimas décadas.  

Por Igor de Albuquerque

Na Cola de Márcio Meirelles

Parte 2

Meirelles está meio largado numa cadeira, escora as costas no espaldar e os ombros na parede de mármore do TCA. “Quando fui diretor daqui fiz questão de montar pelo menos um espetáculo por ano, foi diferente de quando estava na Secretaria e me dediquei completamente àquilo. Não montei nada.” – refere-se ao período de 2007 a 2011, em que foi Secretário de Cultura do Estado da Bahia. Sua gestão foi marcada pela distribuição de recursos em diversas linguagens e regiões, resultado de mapeamentos e desenvolvimento de estratégias que visavam capilarizar os incentivos por todo o estado. De acordo com o diretor, muita gente da cena teatral ficou decepcionada com o seu projeto, pois se esperava uma atenção especial para o teatro que acabou não acontecendo. Apesar de avaliar como positiva a sua participação no cargo de secretário, Meirelles diz que não pretende ocupar novamente uma posição que o impeça de trabalhar em suas produções no teatro.

O passado do diretor é marcado por inúmeras realizações e pela presença de muita gente talentosa. Um trabalho digno de nota é “Sonho de uma noite de verão”, de 1992, cuja direção foi dividida com um dos maiores autores da história do cinema, o alemão Werner Herzog. O presente de Márcio é a Universidade Livre, sua escola experimental de formação de atores. Já o futuro é difícil de antever, pois ele diz que quando a escola se estabilizar como instituição sólida talvez comece a fazer outra coisa: “É como o Bando [de teatro Olodum], quando achar o formato eu vou encher o saco”.

 

SALA PRINCIPAL

 

Dia da Proclamação da República. No meio do tablado do Teatro Vila Velha, um ator negro de cabelo black power esganiça a voz para dar vida à ama de Julieta. A senhora Capuleto veste uma camiseta folgada – sem sutiã – e saia preta. Julieta entra em cena pela primeira vez. Ato I – cena IV. Sentado numa cadeira à beira-palco, Márcio Meirelles vai anotando impressões em seu MacBook branco. Até o final da manhã o ensaio corrido duraria uma hora e nove minutos; era a primeira metade da tragédia antes do intervalo. Seriam mais quinze dias de ajustes, marcações e rearranjos até a estreia. A montagem, além de envolver uma infinidade de detalhes no cenário, ainda contava com a performance musical de boa parte dos atores tocando bateria, guitarra, baixo, sax e um acordeão de brinquedo. Para se ter uma ideia, o emblemático sonho de Mercúcio com a rainha Mab é recitado no meio de um solo de bateria, pelo próprio baterista.

Sob o comando da Revista Barril, passei o dia da estreia no Vila Velha. Acompanhei os últimos ensaios, tomei bastante café coado e fiquei assuntando pelos corredores. Na virada da tarde pra noite, ainda provei um doce de açaí; mimo enviado pelo pai de uma das alunas que é dono de uma sorveteria em Vilas do Atlântico. O açaí estava delicioso, mas deixou marcas em minha camisa clara. Enquanto tentava me limpar, Márcio Meirelles passou rapidamente em direção ao corredor que leva às portas da sala principal, com um pote de tinta vermelha nas mãos. Nas paredes, haviam colado várias fotos que mostravam os atores de Romeu e Julieta se beijando. “Digam aí uma fala boa da peça?”, perguntou para alguns atores que o circundavam. Como ninguém respondeu, Meirelles foi escrevendo com a ponta rubra de seu pincel sobre uma das imagens: Q NOVA É BOA EM TEMPO COMO ESSE?

Direito de resposta

Lúcio Agra em resposta ao texto"White Privilege and Corpos que importam" de Val Souza

Confesso que vi com sincero desapontamento o texto assinado por Val Souza, sob o título “ White privilege and corpos que importam: como falar de coisas invisíveis?”, publicado no número 10 da revista online Barril, que acabo de conhecer, por via de ver meu nome citado ali.[1]

O texto me entristece porque me tomou exatamente pelo oposto do que pretendo ser.

A autora diz que não respondi satisfatoriamente à pergunta que fez. Mas se foi assim por que escolheu escrever este artigo ao invés de demonstrar pessoalmente sua insatifação com a minha resposta? Me fez pensar que mesmo fazendo todas as ressalvas que fiz – e que devem estar registradas e gravadas pois certamente o curador Ricardo Biriba se encarregou disso, mesmo assim, parece que seria inevitável que alguém entendesse tudo que pretendi dizer exatamente pelo avesso do que me esforcei em falar.

           

“White privilege” é um termo muito agressivo sobretudo quando se pensa de onde ele vem, pois origina-se de sistemas sociais racistas nos quais se faz a reserva de lugares para brancos manterem uma supremacia sócio-econômica já que o delírio de sua suposta supremacia racial jamais conseguiu ser aceito pela modernidade. É mais agressivo ainda quando se dirige a alguém que escolheu precisamente abandonar as consequências desse priviégio que certamente teve. Digo isso porque fiz graduação numa universidade pública e mestrado e doutorado em uma privada. Após vinte anos de São Paulo, dei por encerrado esse ciclo quando fiz um concurso para a UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – onde agora trabalho. Foi uma escolha pensada. Sou novo aqui mas alguns me conhecem talvez por ter sido apresentado a interessados em performance por ocasião de uma palestra que fiz no saudoso Café da Walter, justamente sobre o mesmo tema. Nasci, mas não fui criado em Recife, e não por minha escolha, cresci no Estado do Rio e fiz Letras na UFRJ. Vir para uma Universidade cujo corpo discente é formado majoritariamente por negros e pobres, isso também foi uma escolha.

           

Tenho mais  orgulho ainda de ser aceito e participar como músico do coletivo Novos Cachoeiranos, projeto de extensão que o meu colega, prof. Solon Mendes, catarinense de Joaçaba, vem desenvolvendo em Cachoeira com alunos de música da Lira Siciliana e da Minerva e que acaba de apresentar com muito sucesso no III Festival de Jazz do Recôncavo. Meu prazer ali é o de ser não “o protagonista” mas apenas alguém – como alguns de meus colegas – que vêm ajudar a tornar visíveis os corpos negros que a música liberta, ao demonstrar sua força, seu vigor. Em prol deles eu mobilizo minha medianíssima capacidade musical para “fazer cama” – como se diz em música – para seus extraordinários recursos que encantam todo mundo, por exemplo, com o sax do Vitor ou o trumpete da Julia, mulher, negra, de 11 anos de idade, que está se destacando no grupo (Alex Simões, da equipe da Barril, esteve em um de nossos ensaios). E tenho a satisfação de dizer que aquele dia, na Walter, e os outros que agora vivo, foram fruto de amizades que também me dão orgulho. Pessoas que vêm das gerações de artistas que ajudei a formar desde 2001 na Graduação em Comunicação das Artes do Corpo, na PUC-SP.  Também estão aqui na Bahia – e no mundo – tais como Michele Matiuzzi, Ana Rizek, Luciano da Silva. Outros amigos também foram influentes na escolha, como o  
 

Por Lúcio Agra

Como pode pesar uma fala (do lugar dela)

querido Ayrson Heráclito, que a autora também menciona, um artista cujo trabalho sempre me encantou e cuja dignidade e grandeza ultrapassam todas as marcas de discriminação, representando uma vitória que é sua, por sua força, por seu vigor. Comemoro, com ele esse evento que coloca um negro baiano na Bienal de Veneza e me sinto honrradíssimo de ter podido contribuir, com minha amizade e apoio de muitos anos, para que esse acontecimento ora se dê.

           

Todo o período após meu doutorado – e mesmo durante – correspondeu à era FHC que, como se sabe, sucateou a Universidade pública e sonegou a uma geração inteira a possibilidade dessa retribuição ao não permitir concursos para as IEFs.  Queria assinalar esse detalhe, porque me parece importante e porque justifica o fato de que meu Currículo Lattes tenha a inscrição que, acidentalmente, Ricaro Biriba leu ao me apresentar. Remeto o leitor, para não ocupar inadequadamente este espaço, a esta apresentação em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4762166Z4. A autora do artigo certamente não foi buscar essa informação pois do contrário não escreveria que eu teria iniciado minha fala  “se autonomeando contra o governo em exercício e bradando um: FORA … (aquele que não deve ser nomeado)”. Na verdade, quem fez isso (e não bradou) foi o Biriba, pois tinha colhido a minha apresentação no Lattes e provavelmente não se deu conta, ao iniciar a leitura, do que ali estava escrito. Nem eu passei esses dados a Biriba, ele agiu como o costume em eventos desse tipo, procurando os dados do professor no Lattes.

E aqui vem o outro dado importante que lamentavelmente a autora omite. É que antes da minha “explanação”, expus de público a razão porque não me referiria ao tema do evento, pedindo desculpas por minha ignorância, esclarecendo que atendia ao amável convite do Professor Biriba e, como o próprio assinalou, à insistência de meu querido amigo e colega de Universidade, Ayrson Heráclito. A ambos adverti que só poderia falar de minha própria experiência como artista da performance, professor. Concordamos que poderia ser proveitoso que eu trouxesse o meu percurso como um dos organizadores da única Associação de Performers do Brasil e de um Festival de escopo internacional (com um “braço” em Santo Amaro em 2016), por coincidência da mesma idade do que o que me convidava e do qual o Prof. Biriba é o curador. A propósito disso, e ao contrário do que a autora afirma, acharia desrespeitoso, isso sim, ir a um evento desses deitar falação sobre algo que não domino.

Escrevo essa réplica só para expressar minha tristeza face à incompreensão da autora. E citar para ela e para os leitores dessa revista os versos de Emily Dickinson que hoje me representam tão bem: “I am nobody/Are you nobody too?”

Obrigado.

 

 

[1]                      Devido a limitações de espaço da revista, esse texto segue com algumas partes retiradas de sua redação original. Para os interessados, posso enviar a redação completa pelo email lucioagra@gmail.com. Também será possível lê-la, sob a forma de nota, na minha timeline do Facebook.
 

V.2 n.1 2017

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